Democracia de palpites

Está acontecendo no Brasil, país que é uma democracia, um conflito entre os três poderes da República. O presidente Lula, em duas ocasiões, em discursos que pronunciou no Nordeste, atacou na base do tacape os poderes legislativo e judiciário, dizendo que cada um deveria cuidar de seus próprios assuntos.

Para Lula, o Judiciário deve tratar dos problemas do Judiciário; o Legislativo de seus próprios problemas e o Executivo de assuntos internos. Assim, reivindica o fim da harmonia entre os três poderes que são a base de qualquer democracia. O fato, mesmo tendo ocorrido no calor de discursos político-eleitorais ou ?eleitoreiros?, em qualquer país sério teria sido considerado um conflito de proporções desastrosas.

A causa do desentendimento é um programa que o presidente tenta implantar por decreto, em ano eleitoral, para atender aos trabalhadores rurais.

Entendem os oposicionistas e também é opinião do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que a providência de Lula é inconstitucional. Não poderia ele criar por decreto um programa que aumenta as despesas e muito menos em se tratando de ano eleitoral. Para o ministro Mello, Lula pode ser contestado na Justiça.

Foi o bastante para que o presidente da República, em ?arroubo de retórica?, segundo Mello, trocasse os pés pelas mãos e criasse uma séria ameaça à democracia. Inegável que um programa assistindo os trabalhadores rurais é desejável. Há, apesar da propaganda dos programas sociais em vigor no País, uma grande massa de brasileiros carentes. E os números das estatísticas, embora pareçam desmentir este fato, chocam-se com a realidade que vemos todos os dias.

Éramos, somos e pelo jeito continuaremos sendo, ainda por muito tempo, um país pobre, não importa se os números do Produto Interno Bruto acenem com uma realidade mais plausível. Há gritantes diferenças sociais e o Estado, mesmo com seu assistencialismo, não tem sido capaz de nos colocar firmemente numa posição de país em desenvolvimento, considerando-se que os constrangedores quadros de miséria estejam desaparecendo.

No mais, uma democracia se forma com respeito às instituições que são sua base. Mas, no Brasil, o presidente da República não se peja de dividir o tripé do sistema mandando que cada um cuide de seus próprios interesses e o deixem livre para fazer o que bem entenda.

O episódio, lamentável sob qualquer ângulo que seja visto, nos alerta para a fragilidade do nosso sistema político. Ele é tão frágil que nem mesmo o presidente da República parece ter consciência de como ele deveria funcionar. E acredita que funcionaria melhor se sujeita ao seu arbítrio, cada poder caminhando pelas próprias pernas rumo à defesa de seus próprios interesses. Os interesses do Brasil são publicamente desprezados.

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