Debate prematuro

A realização, nesta quinta-feira (25), na cidade de Montevidéu, do Encontro de Presidentes de Câmaras dos Poderes Legislativos dos Estados-Partes do Mercosul é oportuna para lembrar a necessidade de se promover aqui uma adaptação constitucional importante. É preciso ter uma autorização expressa na Constituição para que o Brasil possa submeter-se a um regime de supranacionalidade, que preveja a possibilidade de o País aderir a tratados que venham a criar instâncias (ou instituições) supranacionais.

A organização do evento está a cargo da presidência pro tempore do Uruguai, outro país que ainda não fez a adaptação. O Paraguai, em 1992, e a Argentina, em 1994, cuidaram de imprimir as reformas necessárias ao objetivo integracionista. A experiência européia não prescindiu de exigir dos países-membros que se preparassem constitucionalmente para a almejada integração.

É verdade que existem diferenças marcantes entre o Mercosul e a União Européia. A começar, por exemplo, com o registro de que, lá, o mercado comum nasceu com o Tratado de Roma, de 1957, enquanto aqui o mercado comum é um objetivo a ser alcançado, após vencermos a consolidação da união aduaneira.

Na União Européia, convencionou-se a criação imediata de instituições supranacionais, ao passo que no Mercosul seguimos o modelo clássico de instituições intergovernamentais, com decisões tomadas por consenso e por unanimidade.

O sistema de solução de controvérsias na União Européia é permanente, com delegação de competência ao Tribunal de Justiça para deliberar soberanamente sobre o direito comunitário, originário ou derivado (regulamentos e diretivas). No Mercosul, não se tem, ainda, um sistema permanente, valendo-se da arbitragem ad hoc, nos termos do Protocolo de Brasília, re-ratificado pelo de Olivos, que criou uma instância permanente de revisão, cuja configuração é objeto de muitas críticas.

As normas geradas no âmbito do Conselho e da Comissão Européia têm aplicabilidade direta e imediata nos estados-partes, enquanto que no Mercosul as normas editadas pelas suas instituições demandam processo de incorporação aos ordenamentos jurídicos nacionais, com o inconveniente de que, tanto no Brasil quanto no Uruguai, não se tem norma que discipline o conflito entre tratado e norma interna, o que não se compadece com a desejada segurança jurídica.

Diante desse quadro, vê-se com certa perplexidade essa onda que antecede a discussão de um futuro Parlamento para o Mercosul. Os debates aqui para criação de um Parlamento para o Mercosul ainda são prematuros, na perspectiva de que temos de fazer, primeiramente, nosso dever de casa e dotar a nossa Constituição e o ordenamento jurídico brasileiro de normas que dêem substância e amparo às negociações internacionais.

Passados quase 50 anos do Tratado de Roma, com todos os avanços que se seguiram até a união monetária européia, ainda hoje o Parlamento Europeu é uma figura secundária e coadjuvante no processo de integração, à míngua de poderes efetivos para revelar os verdadeiros interesses dos cidadãos lá representados.

Na consideração de que o Mercosul recém completou sua primeira década, e, ainda, de que historicamente nosso projeto de integração pautou-se pela intergovernabilidade, pergunta-se a que se propõe o Parlamento do Mercosul? Quais serão suas atribuições? Sua composição e divisão de cadeiras observará quais critérios: território e população?

No sistema constitucional atual, sobretudo no Brasil e no Uruguai, é possível imaginar que uma norma aprovada pelo eventual e futuro Parlamento do Mercosul produza efeitos imediatos e diretos nos estados-partes?

Diante da nossa Constituição Federal (artigo 17) e da legislação eleitoral, pode-se imaginar a existência de partidos supranacionais? Ou ainda, é possível imaginar a formação de grupos políticos – à semelhança do que ocorre na União Européia – diante da proibição legal de que os partidos recebam doação em dinheiro, ou estimável, de entidades ou governo estrangeiro? E como fica, por exemplo, a questão do fundo partidário brasileiro, o acesso dos partidos ao rádio e à televisão e o sistema de financiamento de campanhas?

Espera-se, entretanto, que as ilustres autoridades envolvidas no mencionado evento de Montevidéu estejam cientes dos obstáculos de natureza constitucional e legal que envolvem a criação de um Parlamento para o Mercosul, a fim de que não se crie mais uma bolha de expectativa que venha a frustrar o povo brasileiro e o notável esforço que o presidente Lula tem feito em prol da integração do continente sul-americano, e, muito menos, comprometa a obra de iniciativa dos presidentes Sarney e Alfonsín.

Gustavo Fruet

é deputado federal pelo PMDB-PR.

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