A demanda por delivery aumentou muito com o isolamento social para prevenir o coronavírus. Com isso, o trabalho dos motoboys em Curitiba e em todo o país tem sido fundamental para o giro da economia. Alimentos, remédios, presentes e documentos não deixaram de circular durante a pandemia. Mas agora o risco aos profissionais das duas rodas é outro além do trânsito: o risco de contágio do covid-19 pelo contato direto com várias pessoas.

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Motogirl há 13 anos, Adriana Regina do Carmo, 34 anos, conta que a filha mais nova de 4 anos aumentou a preocupação cada vez que sai pra trabalhar desde o início da pandemia. No fim do dia, a menina fica na janela esperando ouvir o barulho da moto da mãe para ter certeza que Adriana chegou em casa com segurança.

“Quando chego do trabalho, sempre foi abraço e beijo com minha filha. Agora, me dói ter que pedir para ela esperar”, relata a motogirl, que só depois de higienizar a moto e a si mesma dá atenção à menina.

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Adriana Regina do Carmo diz que mesmo temendo levar o coronavírus pra família, não pode parar de trabalhar. Foto: Lineu Filho / Tribuna do Paraná
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Para se proteger do coronavírus, Adriana leva álcool gel no baú da moto. Também evita se aproximar dos clientes e de quem trabalha nos estabelecimentos que atende. Na volta do trabalho, deixa a jaqueta e os calçados na moto.

Adriana também tem um filho adolescente. A mãe da motogirl é quem fica com os filhos enquanto ela está na rua fazendo entregas. E aí a preocupação aumenta ainda mais. “Minha mãe é idosa e todos têm medo de que aconteça alguma coisa com ela, de eu contrair e levar a doença para dentro de casa. Até porque, como estou na rua, o risco é grande”, teme Adriana.

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A nova doença do coronavírus mexeu completamente com a vida da Adriana. Por causa da pandemia, o marido dela, que é músico, está sem agenda. Outra grana extra que entrava era pelos aplicativos de transporte, quando o marido levava passageiros. Mas agora, os passageiros também sumiram.

“Agora, caiu tudo. Por isso, não tem a menor chance de não se arriscar. Tenho que continuar trabalhando”, conta. A motogirl é contratada de uma floricultura, mas ganhou férias por causa das medidas propostas pelo governo aos empresários. “Ainda bem que um conhecido conseguiu uma empresa de chocolate para eu atender nesse período de Páscoa. Meu marido também está trabalhando comigo lá, fazendo entregas com o carro. Assim, mantemos a renda”, explica.

Muito trabalho, pouco ganho

Apesar da importância para a economia neste período, o ganho dos motoboys não subiu junto com o volume de trabalho na pandemia. O que, segundo eles, é reflexo da marginalização da profissão. “Dos clientes, é o mesmo bom dia e boa tarde de sempre, sem valorizar nada por causa do coronavírus. E quem tem que se preocupar em se proteger somos nós”, é enfático Luiz Eduardo da Silva Pereira, 28 anos, motoboy há dez.

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Luiz Eduardo da Silva Pereira: pouco reconhecimento de quem recebe delivery em casa durante a pandemia. Foto: Gerson Klaina / Tribuna do Paraná

De acordo com ele, que mora com os pais idosos, a receita mensal não teve alteração, mesmo com o aumento nas entregas de alimentos, o que mais cresceu com a pandemia. “Tem mais gente pedindo. Por outro lado, também aumentou o número de motoqueiros aventureiros: gente que ficou sem trabalho e agora sai fazer bico de moto pelos aplicativos. Acaba ficando na mesma”, compara.

Luiz Eduardo também menciona a dificuldade de receber as três parcelas de R$ 600 liberadas pelo governo federal para atenuar o impacto econômico do coronavírus. Ele é microempreendedor individual e tem uma renda bruta em torno de R$ 3 mil por mês, o que impossibilita o cadastro no programa. “Só de combustível gasto R$ 1 mil por mês e ainda tem a manutenção da moto. A gente fica preocupado caso a renda caia com a crise”, lamenta.

Reconhecimento dos estabelecimentos

Se o reconhecimento da profissão está passando longe da maioria das pessoas que recebe as entregas, a situação é diferente de quem depende dos motoboys para manter seu estabelecimento em funcionamento durante a pandemia. Todos os motoboys entrevistados pela Tribuna afirmam que estão sendo muito bem tratados nos restaurantes, lanchonetes e outros comércios que solicitam seus serviços.

Segundo Davi Pretula, 40 anos de idade e 20 atuando como motoboy, quase todos os restaurantes de Curitiba estão oferecendo álcool gel à turma do capacete. E muitos deles ainda dão alguma para comer enquanto o motoboy espera o encerramento dos pedidos. “Eu tenho álcool na moto, mas em todos os lugares que vamos eles nos oferecem. Quanto a isso, acho que melhorou”, elogia.

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Davi Pretula diz que não recebeu nenhum kit de proteção do coronavírus dos aplicativos com os quais trabalha. Foto: Arquivo pessoal

Já dos aplicativos que fazem a ponte entre os estabelecimentos e o clliente, Davi reclama que em nenhum momento ofereceram álcool gel, máscaras ou luvas. “A gente trabalha com o que tem. Só uma empresa de aplicativo de comida me mandou dicas de segurança por e-mail. A outra, a maior, não mandou nada. E nenhuma delas enviou qualquer tipo de kit coronavírus pra nós”, aponta o Davi, que trabalha das 8h às 18h e se preocupa com a segurança da esposa, filhos e netos. “Passo álcool até no rosto antes de entrar no meu apartamento”.

O que diz o sindicato

O Sindicato dos Trabalhadores Condutores de Veículos, Motonetas, Motocicletas e Similares de Curitiba e Região Metropolitana (Sintramotos) confirma que a pandemia de coronavírus aumentou a procura pelos serviços. De acordo com o presidente do Sintramotos, Cacá Pereira, as recomendações para a prevenção são para as empresas contratantes oferecerem condições de higienização das motos, dos equipamentos e dos próprios profissionais, principalmente porque eles se mantêm próximos dos clientes.

“Solicitamos ao Ministério Público do Trabalho o envio de notificações para as empresas, no sentido de fornecer e dar condições de proteção, disponibilizando álcool gel, máscaras e locais para lavar a mão com frequência necessária entre outras medidas recomendadas pela Saúde”, informa a entidade.