Frustração

“As pessoas não estão nem aí pra covid”, lamenta chefe de UTI lotada em Curitiba

Dr. Danilo Pompermayer (centro) junto com a equipe de profissionais de saúde intensivistas da Santa Casa: "Nos matamos pra salvar vidas e as pessoas não estão nem aí pra covid-19". | Foto: Arquivo pessoal

“Estamos aqui nos matando para salvar vidas, mas as pessoas não estão nem aí. É frustrante demais”. O desabafo do médico Danilo Pompermayer, de 33 anos, coordenador-chefe da UTI do Hospital Santa Casa, em Curitiba, expõe o sentimento dos profissionais de saúde em relação ao descaso da população com a prevenção da covid-19.

O médico intensivista acredita que o caos chegou após a reabertura do comércio na capital, com a explosão dos casos de coronavírus. Mas ressalta que a culpa não é só do poder público. Ele também desabafa sobre a falta de respeito das pessoas em relação à prevenção da covid-19, principalmente o desleixo com o isolamento social. “Quem nunca perdeu alguém para a covid ou nunca assinou um atestado de óbito por covid não tem noção do que está acontecendo”, enfatiza o médico.

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No começo desta semana, Curitiba tinha mais de 4 mil casos ativos da doença, o dobro do o Rio de Janeiro, a segunda cidade com mais infectados por coronavírus no Brasil. Quinta-feira (9), a capital paranaense chegou a 8.844 infectados por covid-19 desde o início da pandemia, com 226 mortes. A ocupação dos leitos de UTI em Curitiba para casos de coronavírus estava em 89% quinta-feira.

Com tal cenário, o medo e a frustração do dr. Danilo que você vai ler nos relato a seguir dado à Tribuna é o mesmo dos profissionais da saúde que estão nesta batalha. É o apelo de quem acompanha o coronavírus de perto para que todos nós não desprezemos a doença.

Explosão de casos

“A explosão de casos foi muito evidente quando abriu tudo de novo, no início de junho. Vimos o caos começar a chegar. Foi evidente demais. Foi só dar dez dias, duas semanas, que apareceram mais casos. Tanto que a Santa Casa só tinha uma UTI para covid. Hoje já estamos em duas UTIs. Agora vai abrir o Instituto de Medicina, que é como se fosse um hospital de campanha, que será controlado pela Santa Casa. Ou seja, em três semanas, saímos de uma UTI para três. Para nós foi muito claro o avanço da doença depois da reabertura dos serviços não essenciais”.

Morte diária de pacientes

“Pelo menos um paciente por dia a gente perde. Teve um dia em que perdemos três pacientes em apenas uma hora. É pra acabar. O paciente que hoje está conversando contigo pela manhã, de tarde está mal e no outro dia morre. Isso é muito ruim. E não é por falta de qualidade e estrutura. Temos ventiladores mecânicos maravilhosos, aparelhos bons. Eu nunca mais vou discutir com ninguém que não tenha perdido alguém por covid ou que nunca tenha assinado um atestado de óbito de alguém morto por covid. A pessoa que não passou por isso não tem a menor ideia do que está acontecendo”.

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Frustração com as pessoas

“É evidente como aumentou o número de pessoas nas ruas. As pessoas não estão nem aí. É ruim como médico porque essa situação gera uma bipolaridade de pensamento. Fico descrente na humanidade porque você acorda todo dia de manhã para cuidar do ser humano, mas o ser humano não está a fim de se cuidar. Está cada um pensando no seu umbigo. O senso de coletividade é zero. É de repensar, porque está tudo errado. Estamos aqui nos matando pra salvar vidas, mas as pessoas não estão nem aí pra pandemia. É frustrante demais. Não existe outra solução que não seja voltar atrás e as pessoas ficarem em casa”.

Profissionais da saúde doentes

“A dificuldade de controlar a covid-19 no hospital é porque os profissionais acabam ficando doentes. Muitos, mas muitos mesmo, já foram diagnosticados com covid. Diariamente afastamos profissionais. Agora mesmo temos cinco médicos intensivistas afastados de um total de 40 plantonistas. Onze já haviam sido afastados e retornaram. Só aqui no hospital são 42 colaboradores que já pegaram coronavírus”. [*Após a entrevista, o Dr. Danilo informou que uma das técnicas de enfermagem que aparece na foto da matéria foi afastada com sintomas da doença.]

Faltam médicos

“Se fala muito do colapso na saúde por causa do número de leitos. Mas aqui em Curitiba não acho que seja esse o problema. A questão é com os funcionários dos hospitais. Como muitos ficam doentes, você perde gente qualificada. Então, a reposição é feita com técnicos e enfermeiros que não sabem lidar com esses doentes. Por mais que eles façam das tripas o coração, como vem fazendo, é diferente porque a UTI de covid-19 é um ambiente muito complexo. O que eu sinto é que a gente está tendo que caçar com gato na falta do cão. Isso é muito ruim porque afeta todas as UTIs, de todos os pacientes do hospital”.

Leitos de UTI

“Hoje temos duas UTIs para covid-19. Uma para casos confirmados e outra para casos suspeitos. Cada uma com 10 leitos. A UTI de casos confirmados está sempre cheia. Um privilégio da Santa Casa é que todos os leitos, mesmo para casos suspeitos, são totalmente isolados. Em outros hospitais não é assim. Mas se faltar leitos, temos etapas a seguir. Se todas as UTIs aparecerem lotadas, o hospital não vai aceitar paciente da UPA porque está cheio. Se tiver paciente contaminado aqui dentro, a gente tem o escalonamento de assistência. Em um cenário fatídico, podemos fechar um centro cirúrgico, por exemplo, para abrigar pacientes. Mas o problema não são só os leitos. É a falta de profissionais para atender. É isso que mais me assusta hoje”.

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Propagação no hospital

“Como coordenador, transito em todas as seis UTIs da Santa Casa, duas destinadas a pacientes com coronavírus. Um grande problema que temos é de pacientes que pegam covid-19 no hospital. A Santa Casa é um hospital referência em cardiologia. Às vezes, você tem o paciente que está na UTI por ter enfartado e alguns dias depois ele começa apresentar falta de ar, problemas na respiração. Quando a gente vai investigar, está com covid. É muito difícil controlar o vírus”.

Medo do covid-19 em casa

“Minha esposa, que também é médica, já pegou o coronavírus. Ficou afastada duas semanas. Por enquanto, estou conseguindo driblar a doença. Eu sou diabético, fator de risco, e estou no meio do furacão. Mas a gente toma todo cuidado que vocês escutam e veem na imprensa. É álcool o tempo inteiro, máscara o tempo todo, mas o tempo todo mesmo. É distanciamento de verdade. Eu não vejo os meus pais faz quatro meses. Mesmo em datas comemorativas, no meu aniversário, no Dia das Mães, aniversário do meu pai. A gente tem praticado muito firmemente o distanciamento e os cuidados. É o único jeito”.


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