Até as vacas já foram ao Shopping Itália. Inaugurado em 16 de setembro de 1982, o Centro Comercial Itália (CCI) nasceu com a proposta de unir entretenimento e utilidade. Com salas de cinema, auditório, praça, fliperama, playground e lojas, o empreendimento movimentava uma região ainda não reconhecida oficialmente como parte do Centro de Curitiba, já que ficava afastada do centro histórico.
Na primeira década, a praça no 8º andar — ao final da pista helicoidal que leva aos estacionamentos — recebeu feiras e exposições que incluíam até mostras de carros antigos e eventos agropecuários com vacas, ovelhas e bodes.
Os dois primeiros andares, destinados à estrutura comercial, comportavam um playground que encantava as crianças com carrinhos de bate-bate, febre entre as crianças nos anos 1980, e duas salas de cinema que disputavam o público com os tradicionais cinemas de rua. Diferente de hoje, alguns sucessos de bilheteria, como Os Deuses Devem Estar Loucos (1981) e A Hora do Pesadelo (1986), permaneciam em cartaz por até quatro meses (ou mais).
“Tínhamos o Cine Itália e o Cine Palace Itália, que comportavam 150 pessoas, desde a escada até a loja Amore di Casa, no piso Veneza. Era o segundo maior cinema de Curitiba, perdia somente para o Cine Vitória”, conta Silvio Chultiz, funcionário da San Marco Administradora, responsável pela infraestrutura, manutenção e segurança do shopping.
O principal concorrente, o Cine Vitória, tinha capacidade para 1.800 pessoas, mas fechou em 1987, ainda na primeira década do centro comercial. Mesmo com a concorrência, o CCI contava com um atrativo a mais: um anfiteatro com capacidade para 750 pessoas — o que muitas vezes colocava os elevadores à prova.
Apesar da redução nas opções de entretenimento, o shopping ainda é um importante ponto de encontro para artistas da cidade, especialmente para os b-boys e b-girls. Na entrada lateral, pela Rua João Negrão, a marquise abriga há mais de 30 anos as rodas de breakdance. Considerado o berço do hip-hop em Curitiba, o local já foi até homenageado em comemorações pelos 50 anos do movimento.
No topo da cidade
A estrutura do empreendimento foi originalmente planejada para abrigar um hotel, seguindo os moldes do Edifício Itália, em São Paulo. “O CCI inicialmente não era para ser um centro comercial, era para ser um hotel. Já no final do empreendimento surgiu a ideia de fazerem algumas lojas grandes e escritórios comerciais”, relata Silvio.
O irmão paulista, inaugurado em 1965, tem 46 andares e 19 elevadores. No último andar, funciona um restaurante panorâmico — inspiração direta para o topo do CCI. Com 37 andares e 14 elevadores, o prédio curitibano ainda figura entre os mais altos da cidade: é o 12º, com 112,14 metros de altura e 62.053 m² de área construída, em um terreno de apenas 5.050 m².
Lá no alto, hoje iluminado com o letreiro de LED da Ebanx, já brilhou um painel de néon do Itaú, removido nos anos 2000. “Quando saiu, ouvimos do pessoal por um tempo: ‘Por que vocês tiraram? Eu já abria a janela e conferia o horário e a temperatura’”, lembra Silvio.
Antes disso, as letras CCI iluminavam a fachada. Ainda na década de 1980, a Philips projetou uma iluminação especial para o aniversário de Curitiba: 14 lâmpadas de vapor de sódio SON/T 1000 na fachada e mais de 3 mil reatores e 4,5 mil lâmpadas fluorescentes no interior.
Os natais do Shopping Itália também chamavam a atenção. Quando Ayrton Senna caminhava pelos autódromos de Fórmula 1 com o boné com o logotipo do Banco Nacional, uma ação de natal colocou o símbolo no topo da torre do edifício com um capuz de Papai Noel. Entre os feitos grandiosos, os veteranos do CCI se orgulham de dizer que foi o maior gorro natalino já visto na cidade.
O prédio também despertou o interesse de aventureiros. No topo do andar panorâmico, há um heliponto que nunca foi utilizado. Silvio lembra de um grupo de gaúchos que procurou a administração do hotel para propor utilizar o ponto mais alto para pular de paraquedas do edifício na tentativa de pousar na Avenida Marechal Deodoro. A ideia era ousada, mas não cautelosa. Após avaliar o local, desistiram pela dificuldade do salto.
Confiança em quem sabe
Desde os primeiros dias do shopping, o restaurante Confiture’s ocupa o mesmo ponto no piso Veneza. Hoje, é comandado pelas irmãs Fernanda e Adriana, que mantêm vivas as receitas da mãe, Adelmarina Cury Busato, falecida há três anos. No local, permanece também a imagem de São Jorge, de quem ela era devota.
“Quando o CCI começou a ser construído, os empreendedores foram até a minha mãe e ofereceram que ela viesse para dentro do Itália porque sabiam da tradição. Quando ela começou, eles falaram: ‘Dona Adelmarina, a senhora vai ser a menina dos olhos do shopping’”, diz Fernanda Busato.
As mãos caprichosas de Adelmarina logo conquistaram o público com bolos, salgados e sobremesas que atraíam até artistas em passagem pelo Teatro Guaíra, localizado do outro lado da rua. As receitas vinham da fábrica que também atendia buffets renomados como Ilha do Mehl e Buffet du Batel.
Quando resolveu também servir almoço, a empreendedora teve que pensar em uma solução criativa, já que o espaço não contava com uma cozinha industrial. No início, ela preparava os pratos na fábrica, trazia ao shopping e os montava no local, usando banho-maria. “O pessoal fazia fila para comer”, lembra Fernanda. Adriana completa: “Vendíamos mais de 200 refeições por dia”.
Com o crescimento da demanda, Adelmarina foi até a sede do Grupo Comolatti, dono do empreendimento, e conseguiu autorização para montar uma cozinha. O jeitinho fazia com que as pessoas trabalhassem a seu favor. Carismática, conquistava até os seguranças, que às vezes cuidavam do filho pequeno enquanto ela trabalhava. “Ele descia a escada rolante e o segurança descia atrás”, conta Fernanda.
Bodas de prata
No mesmo corredor do Confiture’s, Cida Salomão administra há 25 anos a loja Amore di Casa, especializada em produtos de cama, mesa e banho. Seu diferencial? O roupão. De várias cores, tamanhos e tecidos, é o item que tornou sua loja referência.
A clientela busca desde toalhas em medidas específicas até lençóis de fios de bambu, que podem ultrapassar os R$ 700. Em frente à sua loja, Luiz Manoel Almeida comemora 27 anos à frente da Adega Gold Kim, que existe há 36 anos no CCI. Ele e a esposa, Joana D’Arc, compraram o negócio da viúva de um amigo de seu pai.
Na adega, vinhos e destilados dividem espaço. Os rótulos variam de simples até os mais luxuosos, como o Ramos Pinto Vintage Porto ou o conhaque francês Hennessy Paradis, de mais de R$ 12 mil. “Atendi o avô, depois o filho e agora o neto. Se você tiver mercadoria de alta qualidade e um mix bom, você mantém a coisa andando”, diz Luiz.
Assim como as gerações, as preferências também mudaram. Se antes a clientela mais velha consumia rum, vodka e uísque, os jovens da Geração Z preferem vinhos. Em ambos os casos, o preço nem sempre define a escolha. A diferença está em quem conduz a experiência: se o cliente está comprando por conta própria ou se o vendedor está, de fato, vendendo.
“Você precisa ter conhecimento para, se o cliente quiser, dar uma aula sobre o produto. Senão, não sou eu que estou vendendo — é o cliente que está comprando sozinho. Eu estou aqui para vender, não apenas para entregar um produto”, explica Luiz.
É essa diferença que mantém o relacionamento do Shopping Itália com seus clientes fiéis. É necessário ter um motivo para a viagem. Assim como o dono da adega, Cida, formada como assistente social, também aposta no exercício de ouvir e de conversar com os compradores conhecidos e desconhecidos. É assim que os negócios acontecem. Quem vai ao shopping não quer apenas comprar; quer também conversar.
Serviço
Shopping Itália
Endereço: Rua Marechal Deodoro, nº 630 – Centro
Horário de funcionamento: de segunda a sexta-feira, das 10h às 19h, e aos sábados, das 10h às 16h. Fechado aos domingos.
