Cristina, muy amiga

A senadora e primeira-dama da Argentina Cristina Fernández de Kirchner foi eleita presidenta do seu país por esmagadora maioria. O fato de ser mulher num campo em que os homens dominam teve um peso relativo. A Argentina já teve outra mulher na presidência, Isabelita Perón, e mesmo nestas eleições havia uma candidata da oposição, que tirou o segundo lugar na votação.

Há machismo na Argentina. Aliás, há em toda a América Latina e em muitas outras regiões do mundo. Senão em todo o mundo, embora seja muito menor na Europa e na América do Norte. Mas é indiscutível a evolução para a igualdade e as mulheres vêm conquistando na política e em outros campos de atividades o seu lugar. Um processo evolutivo que é ajudado, mas não decisivamente, por legislações de reserva de vagas, como ocorre na política, tanto no Brasil quanto na Argentina.

Mesmo sem essas legislações protetoras, mais dia, menos dia, veríamos as mulheres conquistando igualdade em campos como o da educação, onde no Brasil já são maioria; nos postos executivos da iniciativa privada, onde cada dia são mais numerosas; nas profissões liberais, como médicas, dentistas e advogadas; no Judiciário, onde multiplicam-se as magistradas. No Brasil, temos um Supremo Tribunal Federal com duas ministras, uma delas presidenta daquela que é a mais alta corte de Justiça. As mulheres estão chegando onde deveria ser o seu lugar: ao lado dos homens e não raro acima deles, dependendo da competência pessoal e não da diferença de sexo.

No caso de Cristina Fernández de Kirchner, não há como negar que se elegeu em parte por ser a primeira-dama, esposa do presidente Néstor Kirchner. Mas também, senão primordialmente, porque teve uma carreira política própria que, aliás, começou antes da do marido. Desde os tempos de universidade que milita na política e chegou às elevadas funções de senadora, das quais salta para a presidência do seu país. Deve algo ao apoio do presidente e marido? Sem dúvida, sim. Mas há de se considerar que este também deve a ela grande parte do seu sucesso, pois é sabido que sempre contou com a colaboração e o conselho de uma experta, que partilhava com ele das lutas políticas e da vida doméstica.

Uma das primeiras declarações de Cristina Kirchner foi que a primeira viagem internacional que fará será para o Brasil. Uma cortesia. Mas, mais do que isso, a revelação de que tem clareza para o fato de que os nossos dois países são o cerne do Mercosul e devem constituir a principal parceria dentro do bloco.

Ela, ao falar à imprensa sobre o Mercosul e das relações dentro dele, sem identificar países, disse que quer ver o bloco ampliado. Isso é bom, pois o Mercosul não pode ser apenas uma associação da Argentina com o Brasil ou dela com a Venezuela, de Chávez, os demais sócios, como o Uruguai e o Paraguai aparecendo como de menor importância. Nos blocos de países, cada membro é um voto, embora as contribuições políticas e econômicas possam ser de diferentes grandezas.

É de se ressaltar nessa entrevista inaugural da presidenta eleita da Argentina que, falando do Mercosul, também enfatizou sua abertura para o mundo e da necessária complementaridade econômica entre os países que compõem o bloco. As questões políticas que existam ou venham a existir ficam para um segundo plano, pois o que forma os alicerces do Mercosul são os interesses econômicos comuns, a complementaridade e a associação possível para resolução dos problemas da região. A Argentina, por exemplo, país que saiu de uma situação econômica que parecia indicar a proximidade do caos para um crescimento econômico da ordem de 8% a 9% ao ano, muito superior ao nosso, importa produtos e tecnologia brasileiros. Nós precisamos, dentre outros produtos, do trigo argentino. São os nossos principais fornecedores.

Assim, o máximo que se pode admitir é que sejamos adversários no futebol e, em um ou outro caso, nas questões políticas. No mais, somos ?muy amigos? e Cristina Kirchner já se revelou uma grande amiga.

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