Contestação e eventualidade no processo trabalhista

1. O significado do princípio da eventualidade

O vocábulo eventual, no sentido comum utilizado no cotidiano, significa dependente de acontecimento incerto, casual, fortuito, variável. Naturalmente, eventualidade simboliza o caráter daquilo que é eventual, o acaso.

Já em sentido jurídico outra é a acepção. Embora não o diga textualmente, o Código de Processo Civil consagra o princípio da eventualidade no caput do art. 300, pelo qual “compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor”.

O princípio da eventualidade, segundo Calamandrei, citado por Wilson de Souza Campos Batalha, “é aquele por força do qual as partes, para não perderem a faculdade de fazer valer as deduções de mérito e de rito que possam parecer úteis à sua defesa, devem apresentá-las cumulativamente no termo preclusivo fixado para tal fim, ainda que algumas delas, destinadas a valer apenas subordinadamente (isto é, apenas na eventualidade de não serem acolhidas as outras alegações apresentadas em caráter principal), não apresentem interesse atual no momento de sua apresentação”(1).

2. Aplicação subsidiária ao processo do trabalho

Estabelece o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho que o direito processual comum será fonte subsidiária ao direito processual do trabalho nos casos omissos, exceto naquilo em que for incompatível com as normas do Título X, que trata justamente do processo judiciário do trabalho (expressão hoje substituída por processo do trabalho).

Para que se aplique esse princípio ao processo do trabalho, entretanto, segundo Manoel Antonio Teixeira Filho, é preciso passar primeiro pela interpretação do art. 133 da Constituição Brasileira.

Considerando, como esse autor, que o art. 133 da CF/88 revogou o jus postulandi, haveria essa incidência. Admitindo, porém, o juiz, a atuação das partes sem advogados, esse princípio seria incompatível com o processo do trabalho(2).

Ainda que prevaleça a orientação do Supremo Tribunal Federal, resistindo em reconhecer a inexistência do jus postulandi na Justiça Especializada, entende Júlio César Babber que “há de incidir no processo do trabalho os princípios da eventualidade e da concentração da defesa (CLT, art. 769)”(3). Aduz esse autor, ainda: “a exigência para que tanto autor quanto réu produzam todas as suas ra-zões de uma só vez, simultânea e cumulativamente, sob pena de preclusão, e, especialmente ao réu, para que na contestação alegue toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor, não são puramente técnicas, mas lógicas e de bom senso”(4).

Acreditamos que a melhor solução, enquanto persistir a adoção do jus postulandi no processo do trabalho (reconhecido por STF, TST e TRTs), consiste em verificar o caso concreto. Seria uma posição mista, intermediária entre a de Manoel Teixeira e a de Júlio Bebber. Quando a parte vem a juízo sem advogado, seja como autor (reclamante) ou réu (reclamado) e isso, embora raro, ainda acontece, mitiga-se ou não se aplica o princípio da eventualidade.

Ao contrário, estando a parte acompanhada de advogado a adoção do princípio é de rigor, por aplicação subsidiária do caput do art. 300 do CPC.

3. Hipóteses de não aplicação do princípio

De acordo com o art. 303 do CPC, não se aplica o princípio da eventualidade, ou concentração da defesa, em três hipóteses: I – quando as novas alegações sejam relativas a direito superveniente (incompetência absoluta, por exemplo – art. 113/CPC); II – quando a matéria argüida for daquelas que o juiz pode conhecer de ofício (exemplifica-se, aqui, também, com a incompetência absoluta); III – quando, por expressa autorização legal, a matéria puder ser formulada em qualquer tempo e juízo (prescrição, por exemplo, até a instância ordinária).

4. Contestação e exceção

Christovão Piragibe Tostes Malta, escorado no art. 297 do CPC, a resposta compreende a exceção, a contestação e a reconvenção (além do reconhecimento da “procedência” do pedido, de acordo com o art. 269, II, que “embora devam ser apresentadas na mesma oportunidade, se-lo-ão em peças distintas”. Desse modo, segundo sua doutrina, “o princípio da eventualidade (ou da concentração) está circunscrito à contestação, que nada mais é do que uma das modalidades de resposta do réu”. Por isso, que o art. 300 do estatuto processual civil diz “compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa”(5).

5. A prescrição

Admite-se que a prescrição trabalhista não invocada em contestação, o seja em recurso ordinário. Por isso, redigiu-se a Súmula n.º 153 pelo Tribunal Superior do Trabalho, através do qual cristalizou-se o entendimento seguinte: “não se conhece de prescrição não argüida na instância ordinária”. O fundamento era o art. 162 do Código Civil de 1916, e, agora, o art. 193 do novo Código Civil, eis que o TST Pleno, em seção de 28.10.03, por maioria, manteve a redação dessa súmula através da Resolução n.º 121/2003.

Continuam imutáveis, assim, os argumentos anteriores, pois admite-se a argüição de prescrição trabalhista até o momento da interposição de recurso ordinário para o Tribunal.

6. Alegações contraditórias e incompatíveis

A doutrina se divide quanto à possibilidade de, em face do princípio da eventualidade, formular-se alegações contraditórias. Ilustres juristas a admitem(6), fundamentando que esta é uma exigência imposta pelo próprio princípio. Já, outros(7), a repudiam veementemente. Sua aceitação, entendem, repugnaria a lógica e, praticamente, legitimaria a litigância de má-fé. Vê-se, portanto, que este é um terreno movediço, requerendo muita habilidade por parte daquele que contesta uma ação.

7. O princípio da lealdade e da boa-fé

No princípio da eventualidade insere-se um outro princípio: o da lealdade e da boa-fé. É o que assina Eduardo Gabriel Saad(8) e vem expresso no art. 14 do CPC: “Compete às partes e aos seus procuradores: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; II – proceder com lealdade e boa-fé; III – não formular pretensões nem alegar defesa, ciente de que são destituídas de fundamento; IV – não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa ao direito”.

Diz ainda referido autor que: “o comportamento ético-jurídico da parte é exigível não só em relação ao seu adversário, mas, também, em relação ao juiz”, e, traz referências ao art. 17 do CPC, de tal modo que, agindo com deslealdade e malícia, a parte pode ser conceituada como litigante de má-fé quando: “a) deduzir defesa contra texto expresso da lei ou fato incontroverso; b) alterar a verdade dos fatos; c) usar do processo para conseguir objetivo ilegal; d) opuser resistência injustificada ao andamento do processo; e) proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; f) provocar incidentes manifestamente infundados”(9).

Notas

(1) ATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito judiciário do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 1995. v. II. p. 39.

(2) TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Curso de processo do trabalho. Perguntas e respostas sobre assunto polêmicos e específicos. vol. 3 São Paulo: LTr, 1997. p. 25-27.

(3) BEBBER, Júlio César. Princípios do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1997. p. 390.

(4) Ob. e p. cit.

(5) Ob. cit., p. 293.

(6) ZAMZUCCHIE e LIEBMANN, lembrados por BATALHA, Wilson de Souza Campos. In Tratado de direito judiciário do trabalho. 3. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: LTr, 1995. V. II. p. 38. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo, citando Goldschmidt. In Código de processo civil anotado. 4. ed. aum. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 186-187; ALMEIDA, Isis de. Manual de direito processual do trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 1997. 1ºV. p. 46; NERY JR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado: e legislação extravagante: atualizado até 7 de julho de 2003. 7. ed. São Paulo: Revista dos tribunais,2003. p. 684, nota 1 ao art. 300.

(7) BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito judiciário do trabalho. 3. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: LTr, 1995. V. II. p. 38; BEBBER, Júlio César. Princípios do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1997. p. 387; MALTA, Christóvão Piragibe Tostes. Prática do processo trabalhista. 31. ed. ver. a atual. São Paulo: LTr, 2002. p. 34.

(8) SAAD, Eduardo Gabriel. Direito processual do trabalho. São Paulo: LTr., 1994. p. 78.

(9) Ob. cit. p. 79.

Luiz Eduardo Gunther

, juiz, e Cristina Maria Navarro Zornig, assessora no TRT da 9ª Região

Voltar ao topo