Fernanda Sousa/Luiz Andrade

Considerações sobre a repercussão geral no recurso extraordinário

O presente artigo é fruto de estudos realizados no grupo de iniciação científica coordenado pelo autor, Prof. Luiz Gustavo de Andrade, no Unicuritiba, de temática relacionada à concretização dos direitos fundamentais, e representa parte do trabalho de conclusão de curso da também autora Fernanda Siqueira de Sousa.

O Recurso Extraordinário é um recurso constitucional, assim de fundamentação vinculada aos ditames do art. 102, inciso III da Constituição Federal. Para o conhecimento do referido recurso é necessário que o recorrente demonstre que estão presentes os requisitos constitucionais, quais sejam, tratar-se de julgamento de causa decidida em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição ou julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

O primeiro requisito constitucional é a necessidade de contrariar dispositivo constitucional, isto é, a decisão recorrida apresentar afronta expressa ao texto constitucional.

Observa-se, no que tange a tal requisito, que a Súmula 636 do STF, veda a utilização da chamada ofensa reflexa, de modo que se não demonstrada a violação direta, o recurso não será conhecido.

No que se refere à declaração de inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, basta ao recorrente a demonstração de que o acórdão impugnado declarou tal inconstitucionalidade em controle concreto, afastando a aplicação da lei ou tratado do caso em análise.

A terceira hipótese de cabimento do Recurso Extraordinário, diz respeito à possibilidade do STF de reformar a decisão que julgou válido ato de governo local contestado em face da Constituição, ou seja, a decisão recorrida privilegiou a lei ou ato local em detrimento da Carta Maior.

É necessário ao conhecimento do recurso que a matéria em discussão já tenha sido suscitada no processo. Entende-se por prequestionada a matéria quando a decisão impugnada tenha emitido juízo explícito a respeito do tema, inclusive mencionando o dispositivo constitucional previamente suscitado nas razões do recurso submetido à sua apreciação.

Desta forma, se o acórdão recorrido, para decidir o mérito da questão objeto do Recurso Extraordinário, não faz qualquer referência à norma constitucional tida como violada e não foram opostos embargos de declaração para sanar a omissão, não será conhece do Recurso Extraordinário em face do teor das Súmulas 282 e 356 do STF.

Ainda no que diz respeito ao prequestionamento, importante destacar a Súmula 98, do STJ, de pertinente aplicação, segundo a qual não haverá caráter protelatório nos embargos de declaração manifestados com nítida intenção de prequestionar a violação de dispositivo legal.

Em 2004, na chamada Reforma do Poder Judiciário advinda com a Emenda Constitucional n.º 45, inseriu-se o parágrafo 3º, ao artigo 102, da Constituição Federal, introduzindo a repercussão geral, enquanto requisito especial intrínseco de admissibilidade do Recurso Extraordinário.

Em que pese tal dispositivo tenha sido regulamentado pela Lei 11.418/2006, definindo como de repercussão geral as questões “relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”, ainda assim, definir, no caso concreto, quais matérias possuem repercussão geral, vem sendo um grande questionamento para a doutrina e para o próprio Supremo Tribunal Federal. Nas palavras de Fredie Didier Junior “um dos aspectos dessa mudança é a transformação do Recurso Extraordinário, que, embora de controle difuso de constitucionalidade das leis, tem servido, também, ao controle abstrato”(1).

Pedro Lenza(2) explica que a repercussão geral atribuiu ao STF o cunho de Tribunal Constitucional, e ainda, tenta solucionar a Crise do STF e do Judiciário. Mas há na doutrina(3) quem considere a expressão repercussão geral um tanto vaga, diante da importância desse requisito na admissibilidade do Recurso Extraordinário: “Substancialmente, trata-se de um conceito jurídico indeterminado, que requer valorações objetivas para o seu preenchimento, podendo ser bem representada pelo binômio relevância e transcendência”.

A página virtual do STF na rede mundial de computadores disponibiliza uma série de acórdãos que indicam que determinada matéria possui ou não a repercussão geral.

Assim, entendeu-se pela presença do requisito na cobrança de assinatura do serviço de telefonia fixa; porém, não se entendeu existente repercussão geral na pretensão de obtenção de assistência judiciária gratuita em favor de pessoas jurídicas.

Da mesma fonte extrai-se a informação de que no período de um ano, entre julho de 2007 e julho de 2008 houve uma redução de mais de 50% nos recursos extraordinários.

No que tange ao procedimento, observa-se que depois dos trâmites do Recurso Extraordinário no tribunal a quo, os autos serão remetidos ao STF, onde será feito o registro e distribuição do recurso a um Relator. Cabe a este o exame de admissibilidade do recurso.

Estando o recurso tempestivo e havendo a afirmação de violação de questão constitucional, o relator encaminhará o recurso para o julgamento pela Turma da qual faz parte.

Se a turma decidir pela existência da repercussão geral com no mínimo quatro votos, é desnecessária a remessa ao plenário (4) . Ressalta-se que a decisão deverá ser sempre pública e motivada, respeitados os princípios constitucionais da publicidade e da motivação das decisões judiciais.

Sendo declarada a repercussão geral através da sumula do julgamento publicada e presentes os demais requisitos de admissibilidade do Recurso Extraordinário o STF deve conhecê-lo, passando ao julgamento do mérito da questão.

As decisões que não reconhecerem a repercussão geral não substituem a decisão recorrida e como ensina Marinoni(5), tem efeito pan-processual. Esse efeito acaba se desdobrando em outro, qual seja, a utilização da decisão para não conhecer os recursos fundados na mesma matéria de forma liminar.

Conclui-se, assim, que a repercussão geral, além de prestar-se como importante fator de otimização na atuação recursal do STF, acabou também por reafirmar o papel daquele tribunal como corte constitucional.

Notas:

(1) DIDIER, Fredie Junior. Transformações do recurso extraordinário. Apud: Reforma do Judiciário: Analise Interdisciplinar e Estrutural do Primeiro ano de Vigência (Coordenação: Bruno Freire e Silva e Rodrigo Mazzei). Curitiba: Juruá. 2006. p. 238.
(2) LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 539.
(3) DIDIER, Op. cit.
(4) MARINONI, Luiz Guilherme. Mitidiero, Daniel. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. 2´ ed. Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 80.
(5) Ibid. p. 47-49.

Fernanda Siqueira de Sousa é graduanda em Direito pelo Unicuritiba. Integrante do Grupo de Estudos “Hermenêutica Constitucional e Concretização
dos Direitos Fundamentais”.

Luiz Gustavo de Andrade é advogado sócio do escritório Zornig, Andrade & Associados. Mestre em Direito e Professor do Unicuritiba

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