Confissões de um desempregado

Aquela era a grande chance de entrevista de trabalho depois de tanto sofrimento atrás de um emprego. Era tudo ou nada. Embora eu sentisse uma enorme alegria, a cabeça parecia estar cheia de velhos problemas, especialmente os que estavam relacionados ao desemprego. Falta de dinheiro e raiva, pela humilhação passada cada vez que alguém perguntava se eu já havia arrumado alguma coisa pra fazer. Era bem assim, alguma coisa. Como se eu não fizesse absolutamente nada. Como é que ninguém se lembrava das coisas que havia feito para ajudar, ser útil? Ou melhor, me sentir útil. Sentia-me como um peso morto. Alguém que não valia nada, que não colaborava. Não do modo como alguns insinuavam. Não da maneira como outros falavam abertamente sobre o dinheiro que tanto fazia falta porque eu não estava trabalhando. Eu me sentia como uma máquina que não produzia, que perdera o valor, e por vezes desejei mesmo estar num ferro velho, entulhado, quieto, esquecido. Ah! O esquecimento parecia ser a melhor maneira de lidar com aquela pressão, o incômodo que me torturava diariamente.

Aquele, portanto, era um momento valioso que se aproximava, e bastava apenas o chamado da selecionadora. Uma fração de tempo que custava a passar. O relógio parecia maior de onde eu o observava incontáveis vezes. Eu me tornara um obcecado pelo ponteiro dos segundos, que repetia a mesma operação giratória invariavelmente. Cheguei a ficar sem graça pelas vezes que fui flagrado pela recepcionista, de tanto olhar para a parede onde estava aquele impiedoso marcador do tempo. Tentava me concentrar na entrevista, como me comportar, sobre se falar ou calar, agradecer antes ou depois, expor a necessidade daquele emprego ou não, me mostrar à vontade e relaxado ou sério e formal, olhar diretamente nos olhos dela ou não… Tudo pesava. Cada decisão que deveria tomar era um fardo a mais a ser carregado ao atravessar a porta que me separava do tipo de vida que levava para uma nova e promissora possibilidade que poderia se abrir. Pelo menos era no que eu acreditava.

Vamos! Gritava em meus pensamentos. Vamos acabar logo com esta angústia! Que sofrimento! Por que ela não vem logo? Parecia até castigo. Mas o que eu havia feito para merecer tal pena? Olhava novamente para o relógio e quase nada havia se modificado naquele cenário já gravado em minha mente, e, igual a um teste de memória, passei a fechar os olhos e identificar os objetos existentes naquela sala de espera. Uma mesa, um computador, um vasinho com algumas flores murchas pela falta d?água, um pequeno quadro no qual se via escrito ?O que você será amanhã depende do que decidir hoje? (depositei incondicionalmente tal decisão à selecionadora), um cesto de lixo, algumas pastas empilhadas em cima de um armário de ferro, a recepcionista, e o astro principal, o relógio, que a essa altura fazia tum-tá, se assemelhando às batidas do coração e não mais ao convencional tic-tac. Abri os olhos e confirmei cada objeto como ponto ganho naquele joguinho mental. Cheguei a achar que estava pirando, mas logo lembrei que o estresse é capaz de artimanhas de toda sorte. Respirei fundo e me pus a pensar na entrevista. Porém, logo desviei o curso dos pensamentos.

Dessa vez refletia no que me tornara àquela altura da vida, um desempregado em crise. Nunca, em hipótese alguma, poderia imaginar que chegaria a tal ponto, que me sentiria pra baixo várias vezes pela falta de grana ou por sua conseqüência desmoralizadora. Hoje compreendo a frase: ?Um homem não é nada sem o trabalho?. Mas não é só isso, e bem sei que além do dinheiro existe o papel de trabalhador ocupado, do sentimento de ser útil e do orgulho de contribuir. Então, nesse momento, deixei de lado a sensação avassaladora que me dominava e aquietei os ânimos. O relógio deixou de ser o alvo principal e pude relaxar um pouco enquanto esperava.

Fui chamado, meu perfil se encaixou com a vaga. Ótimo! A entrevista foi mais simples do que supus. Tudo bem. Aprendi mais uma por aproveitar o tempo e pensar sobre mim mesmo.

Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo, diretor da Self Consultoria em Gestão de Pessoas, professor e mestre em Liderança pela Unisa Business School. E-mail: selfcursos@uol.com.br

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