Conceito e preconceito

É difícil, senão impossível, fazer da campanha eleitoral algo limpo e decente. Embora arremedos de reformas políticas tenham sido esboçados, como a legislação que proíbe os ?showmícios? e outras manifestações pirotécnicas que os candidatos buscam transformar em espetáculos políticos, o que começou foi uma corrida de compra de votos, com pagamentos à vista ou a prazo, mas de qualquer forma algo longe da prática democrática da escolha de governantes pelo voto direto.

As previsões de gastos dos candidatos são um escândalo. Depois de campanhas onde comprovadamente houve caixa dois, ou seja, compra de votos por atacado sem o consentimento nem o conhecimento do povo e da Justiça Eleitoral, o PT e aliados e o PSDB e associados escancaram orçamentos que quase duplicam as despesas das últimas eleições. O ambiente se inicia viciado porque viciado já está o sistema político com a contaminação dos escândalos e vergonhosa impunidade.

Políticos envolvidos no caixa dois, nos mensalões ou em roubalheiras explícitas que as CPIs provaram e comprovaram, ressurgem das cinzas, ainda com um insuportável mau cheiro, para se candidatarem aos mesmos cargos de que renunciaram ou deveriam ser defenestrados, mas foram salvos por seus colegas de plenário do parlamento, num conluio de compadres que mais parece de quadrilhas de crime organizado.

O povo vai reeleger ou não esses marginais políticos? É uma questão de conceito ou preconceito. Os que têm deles o merecido conceito de maus candidatos, neles não votarão. Os que têm o preconceito positivo de que são honestos, mesmo que haja prova em contrário, voltarão a outorgar-lhes mandatos, acreditando em suas mentiras e desprezando as provas provadas de seu mau comportamento. Labora em favor desses cassados ou cassáveis o fato de que votarão 126 milhões de eleitores e a maior parte não tem sequer o primeiro grau. Embora a nossa generosa legislação eleitoral permita o voto inclusive dos analfabetos, não admitindo exclusão do jogo democrático daqueles que não recebem instrução por falha do Estado e não por culpa própria, temos de reconhecer que são compatriotas que têm grandes dificuldades para entender o que se passa e sofrem de justificável miopia que lhes impede ver claramente as maracutaias que com os mandatos fazem os maus políticos.

Os candidatos e os partidos disputantes sabem dessas limitações de entendimento e disso usam e abusam. Aí se formam conceitos e preconceitos que distorcem a disputa.

Ainda agora, quando os candidatos foram obrigados a oferecer à Justiça Eleitoral declarações de bens, Lula foi alvo de preconceito. Teria de demonstrar que é ?pobre de marré de si? e ao exibir uma declaração de bens superior até a de seu adversário principal, o governador Geraldo Alckmin, foi vítima de maldoso preconceito. Lula não é pobre, mas os valores que apresentou não são nada fora do razoável para quem é presidente, ganha bem neste cargo e nada gasta porque tem as mordomias oficiais e permitidas de chefe da nação. Poupando, pode ter o patrimônio polpudo, mas não exagerado que tem, e que não revela, de pronto, nada de escandaloso como se insinua. É vítima de preconceitos, como também o é Alckmin. Surgindo como um homem de fortuna modesta, mais modesta do que a de Lula, era imaginado como um milionário tentando tirar do trono um operário.

Os plantadores desses preconceitos injetam na campanha um fel que não poderá dela fazer vestibular de uma disputa limpa e democrática.

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