Com quantas mulheres se faz um casamento?

Em decisão recente (20/07), o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por voto de seu relator José Ataídes Siqueira Trindade, que foi acompanhado por unanimidade, manteve decisão onde se reconhece a relação extraconjugal de um homem que casado de direito e de fato, manteve com outra mulher por mais de dezesseis anos, como união estável.

Através de vários argumentos, a conclusão foi que o concubinato, mesmo que adulterino, pode constituir união estável, e ser reconhecido como instituição familiar, e equiparado ao casamento.

O relator do feito chega a afirmar: ?O presente feito é a prova cabal de que uma pessoa pode manter duas famílias concomitantemente, e com as duas evidenciar affectio maritalis, parecendo até que algumas pessoas têm capacidade de se dividir entre tais famílias como se fosse duas pessoas, e não uma só?.

A decisão, que podia ser esperada da escola alternativa do Direito do Rio Grande do Sul, uma das correntes críticas ao direito moderno, traz uma interpretação bailarina das diversas legislações que regulamentam a união estável e o concubinato, para se utilizar afinal do dispositivo constitucional que elevou a união estável ao mesmo patamar que o casamento.

Fato é que no nosso sistema jurídico, que legalmente ainda rechaça a bigamia, admiti-la ou melhor, admitir a poliginia(1) como legitimação de vários relacionamentos com mesmos direitos e obrigações do casamento instituído, é sim contra legem, uma vez que seria o mesmo que legalizar a possibilidade da própria bi ou poligamia, posto que seriam vários ?casamentos? vividos ao mesmo tempo, visto que a Constituição é clara ao estabelecer a equiparação da união estável ao casamento. Os Tribunais Superiores já se manifestaram sobre a matéria, decidindo contrariamente, em outros casos, ao que veio a ser decidido pelo TJRS, e pela tendência demonstrada pelas nossas cortes superiores, elas ainda têm sido cuidadosas em acolher os arroubos da corrente alternativa.

Não que se negue os avanços, que muitas vezes as decisões pioneiras trazem ao Direito, como em voto no mesmo processo argumentou o Desembargador Rui Portanova, jurista de grande respeito, ao dizer que a primeira função do juiz é olhar a realidade dos fatos, contudo o juiz também não pode deixar de adequar a realidade dos fatos ao que está estabelecido na lei, e reconhecer conduta, que está prescrita até mesmo como crime (bigamia) como geradora de direitos e obrigações, não parece razoável.

Aliás, no meu entender essas ampliações dos direitos e obrigações nas relações pessoais, principalmente de cunho amoroso, como a rotulação do Judiciário dos relacionamentos onde os próprios integrantes não o quiseram fazer, acaba por intervir irremediável e profundamente na livre determinação pessoal dos envolvimentos afetivos, e criar casamentos artificiais ou não queridos, uniões estáveis imaginárias, namoros desromantizados pelo receio de perdas patrimoniais, e também, como acima relatado, bigamia institucionalizada e abençoada pelo nosso próprio Poder Judiciário.

 Enfim, a questão colocada no titulo deste artigo parece não poder ser respondida, uma vez, pela atual inclinação do TJRS, duas mulheres podem fazer um casamento, quem sabe mais, posto que já que se reconheceu o direito a duas porque não três, ou quatro, ou um harem, ou uma família amish.

O que se sabe, entretanto, que vários casamentos só necessitam de UM homem… eis que nas palavras do próprio desembargador relator ?algumas pessoas têm a capacidade de se dividir como se fossem duas…?

Nota

(1) Digo poliginia porque o fenômeno do concubinato adulterino tem sido visto nos Tribunais quase sempre no prisma feminino, visto que ainda não é comum as mulheres a manutenção de mais de um relacionamento estável e com fito de constituição de família, ou pelo menos os homens tem mantido a discussão ainda distante da apreciação do judiciário, provavelmente por aspectos culturais ainda muito enraigados.

Caroline Said Dias é advogada. saidias@onda.com.br

Voltar ao topo