Cavalo de pau

Durante muito tempo, o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu todas as suas baterias contra a política econômica do governo que lhe antecedeu. A ordem – e a esperança – era mudar tudo o que aí está. Deu tudo errado, ou o PT aprendeu a lição. A política econômica do governo Lula, com o ministro Antônio Palocci à frente, é idêntica à de FHC e seu sempre lembrado ministro Malan. Com uma diferença: Malan dificilmente tinha que desmentir informações que partiam de gabinetes contíguos ao do presidente da República.

Acabamos de assistir por todos os meios da mídia o triunfo da ala mais radical do PT sobre as intenções do governo acerca do que fazer com o Banco Central. O tema é motivo de discórdia desde a indicação e posse de Henrique Meirelles. Na quarta-feira, a bancada petista arrancou do governo e do presidente José Genoíno a garantia de que o projeto que confere autonomia ao BC não seria, em hipótese alguma, enviada ao Congresso este ano. A garantia teve a palavra de honra inclusive do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, na esteira da derrota imposta pelo PT ao próprio PT.

Pois bem. Um dia depois, o ministro da Fazenda vem a público e, a despeito da ?censura? imposta às altas esferas do governo no que concerne à informação, garante que “não há decisão do Planalto de adiamento do envio da proposta de autonomia do Banco Central para o ano que vem”. Sua afirmação foi feita ao chegar ao Senado para falar sobre reforma tributária – no dizer de alguns, mais um ajuste que uma reforma. Enquanto assim dizia Palocci, o racha na base parlamentar de apoio ao governo impunha o adiamento da votação das emendas ao artigo 199 da Constituição, que regulamenta o sistema financeiro.

Não bastassem as dissensões internas que já se tornaram marca registrada do governo Lula, o próprio presidente se encarregava de complicar ainda mais o jogo ao distribuir elogios rasgados a Palocci num discurso de improviso em São Paulo, durante solenidade que reuniu mais de mil empresários. Eles ouviram a metáfora segundo a qual Palocci vem afirmando que o Brasil é como um navio, e que num navio não é possível dar cavalo de pau, como se fosse um fusquinha…

Sem os arroubos dos velhos tempos de oposição (“quando a gente é de oposição pode fazer bravata, que você não vai executar nada mesmo”), completou: tem gente muito apressada. Mas o apressado come cru. “É melhor – recomendou – contar até dez e refazer o que ia fazer do que fazer errado e ter que voltar atrás.” Palmas.

As lições que podem ser extraídas em cada discurso de Lula são ótimas e aplicáveis em muitos casos concretos. Até a imagem que usa, dos trabalhadores em dificuldade porque ganham pouco e que, por isso, não têm outra alternativa senão fazer o que podem, vem em socorro à situação do governo que “vai fazer o que pode neste primeiro ano, para fazer o que precisa ser feito no segundo ano”. Mas a descoberta de que o “cavalo de pau” é impossível, pode ter sido feita um pouco tarde demais. As esperanças despertadas em campanha indicavam para mudanças urgentes que, agora, adiadas ou contraditadas a todo momento pelos próprios integrantes do primeiro escalão do governo, continuam a alimentar esperanças… para o ano que vem. FHC também dizia, por exemplo, que os juros subiam contra a sua vontade. Lula prefere a imagem de que não se reduzem juros com um estalar de dedos. Embora os dedos estalem para ordenar a subida. Eis o cavalo de pau que ninguém esperava.

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