Carta aberta aos pescadores

É tempo de renovarmos nossos entendimentos e o que pensamos sobre a preservação das águas e da fauna aquática, também da fauna terrestre e do meio ambiente, pois este é o tema do momento e a preocupação mundial.

Já vai longe o tempo em que o nosso País era um verdadeiro berço esplêndido, de flora e fauna exuberantes, onde tudo era permitido, porque tínhamos uma natureza rica e inesgotável, no nosso entendimento.

Hoje as águas potáveis já escasseiam em certas regiões, as florestas estão sendo dizimadas sem controle, a poluição se avoluma e impregna o ambiente, transformando rios outrora de águas puras e límpidas em caudais poluídos e até imprestáveis para a vida aquática, como acontece com muitos rios que banham as grandes cidades. – Um levantamento feito por um órgão técnico do governo, das fontes de água potável, aponta que cerca de trinta por cento dos rios do nosso País encontram-se em situação deplorável e que suas águas só servem para beber se forem purificadas por algum tratamento.

Ao lado da poluição das águas e do meio ambiente, por múltiplas formas e meios, da extinção gradativa e incontrolada das florestas e da fauna, vemos o homem avançar contra a fauna aquática, armando com petrechos de guerra, que deveriam estar proibidos e banidos, mas são usados abertamente como se fossem instrumentos de trabalho. – Refiro-me à pesca predatória em nossos rios, feita com redes, tarrafas e outros petrechos, praticada em grande escala pelos chamados ?pescadores profissionais?, que vêm ocasionando a redução gradativa e contínua dos cardumes.

Fica no ar a pergunta: – ?Por quê se permite que os ditos pescadores profissionais? utilizem redes e tarrafas para pescar, se aos pescadores amadores e esportistas é proibido utilizar esses apetrechos? – ?Os cidadãos não são iguais perante a lei e não têm os mesmos direitos de usar dos recursos naturais??- ?O que distingue um ?pescador profissional? de um pescador amador/esportista? – Para a polícia ambiental, para os fiscais dos órgãos controladores da pesca, (APAs, Ibama, IAP, Secretarias do Meio Ambiente), o documento que identifica o ?profissional? e o autoriza usar redes e tarrafas é a ?carteirinha de profissional?. – Na hora de expedir as carteirinhas de profissionais, esses órgãos controladores não levam em conta se o pescador realmente vive dos rendimentos auferidos com a pesca, mas aceitam como verdade a declaração daquele que está requerendo o documento…

Esse procedimento permite que muitos cidadãos, pescadores amadores, que exercem e vivem de outras profissões, tais como médicos, dentistas, comerciantes, até trabalhadores braçais, consigam desses órgãos controladores a carteirinha de ?pescador profissional?.. – É de posse desse documento passam a utilizar redes e tarrafas, espinhéis e anzóis de galho, que espalham pelos rios, aumentando o número de predadores da natureza.

No passado, quando a fauna aquática era farta em todos os rios e lagoas, não havia a classificação por categorias de pescadores, de amadores e profissionais, pois todo os amantes da pesca, que viviam ou não dessa atividade, podiam pescar sem ter que tirar licença e pagar taxas. – Em face do aumento do número de pescadores ?comerciais?, que faziam da pesca o seu meio de vida e como tais reclamavam sustento dos órgãos controladores, nos períodos da piracema, editou-se o Decreto-Lei n.º 221, de 28-2/67, classificando a pesca em: pesca comercial-desportiva e científica.

E no seu artigo 26, esse decreto-lei esclarece que o ?pescador profissional é aquele que matriculado na repartição competente segundo as leis e regulamentos em vigor, faz da pesca sua profissão ou meio principal de vida.?

Mas o que se nota na maioria dos lugares pesqueiros deste imenso País é que a pesca profissional em nossos rios está dominada pelas grandes empresas atravessadoras do ramo de pescados. Ditas empresas atravessadoras monopolizam o comércio de pescados e afastam os peixeiros autônomos, que utilizam os pescadores ribeirinhos para se abastecerem. – Essas firmas contratam para seus fornecedores os trabalhadores braçais, pescadores ou não, para os quais conseguem ?carteirinha de profissional? e fornecem-lhes os equipamentos para a pesca (barco, motor, combustível, redes, tarrafas, anzóis, linhas, etc.), pagam-lhes diárias irrisórias ou compram os peixes por um preço bem baixo, depois transportam os peixes para os grandes centros e ali os vendem por um bom preço.

Há alguns anos atrás, no Estado do Mato Grosso do Sul, ao passar por um grande entreposto de pesca de uma dessas empresas, parei para adquirir alguns peixes, mais para ter motivo para ver o que acontecia ali. – Depois de me haver negado a venda de peixes, o gerente daquele entreposto me informou que todos os exemplares capturados eram estocados em câmara frigoríficas e depois levados pela empresa para São Paulo, em caretas frigoríficas, em torno de 30 a 50 mil quilos de peixes por mês, de e todos os tamanhos e qualidades.

Esclareceu naquela oportunidade, que a empresa tinha contratado cerca de 150 pirangueiros, fornecera-lhes os barcos, redes e tarrafas, e que os mesmos recolhiam ao entreposto os peixes que pegavam.

Desta forma, a exemplo das grandes madeireiras que atuam na região amazônica, no Pará e noutras regiões florestais, referidas empresas atravessadoras retiram da natureza os seus recursos naturais sem nada reporem em troca, como se fossem as únicas donas desses bens, e o fazem sob os olhares complacentes e submissos dos fiscais dos órgãos controladores dessa atividade.

Os pescadores são arregimentados em ?cooperativas de pescadores? ou ?colônias de pescadores? e com isso essas firmas atravessadoras livram-se dos problemas com a legislação trabalhistas e previdenciária. – E quando os recursos pesqueiros de certo trecho do rio diminuem ou esgotam-se, essas ?colônias? de pescadores, que atuam sob as ordem das firmas com as quais negociam, mudan-se para outro local e continuam a utilizar suas tralhas (redes, tarrafas, espinhéis, etc). – Importante esclarecer que esses pescadores das cooperativas e colônias de pescadores, quando se deslocam para outros trechos do rio, armam suas redes em locais que prejudicam os pescadores profissionais ou amadores ribeirinhos, não respeitando os direitos dos mesmos.

Em muitos portos pesqueiros do interior da região amazônica e de outros locais afastados, os pescadores ribeirinhos e a própria comunidade local já estão se conscientizando dos prejuízos que essa forma de pescaria predatória (com redes e tarrafas) causa par a fauna aquática e passaram eles próprios a administrar essa atividade. – O próprio governo Federal está elaborando programas para organizar e administrar essa atividade pesqueira, como forma de afastar a intromissão das firmas atravessadoras e possibilitar aos ribeirinhos comercializarem seus pecados.

O Ibama, IAP, Secretarias de Pesca e demais órgãos controladores da atividade pesqueira conhecem o problema e sabem que a pesca amadora, desde que devidamente controlada, feita com vara simples ou com conjunto de vara e molinete ou carretilha não causa dano algum à fauna aquática, não sendo responsável pela diminuição dos cardumes.

Esse órgãos, entretanto, não levam isso em consideração e teimam em penalizar os pescadores amadores e esportivos, transformando-os em ?bodes espiatórios? e proibindo-os de capturarem e transportarem os peixes que pescam. – Esses órgãos governamentais são iludidos pela propaganda enganosa do ?pesque e solte?, que sugere serem os pescadores amadores e os causadores da diminuição e até extermínio dos cardumes e com base nessa premissa falsa já ensaiam até proibir a pesca amadora em muitos rios.

O que o Ibama, IAP, Ministério da Pesca e do Meio Ambiente e os outros órgãos controladores da pesca precisam fazer com urgência, entretanto, é proibir definitivamente a pesca com redes e tarrafas, tanto a pesca amadora como a profissional, ou então limitar as áreas e os locais onde podem ser praticas. – A continuar essa autorização tácita de uso desses petrechos, da forma que está sendo feita, em breve os cardume estarão reduzidos e não haverá peixes nem para os pescadores profissionais.

Mas não basta baixar normas e instruções regulamentando o uso das redes e tarrafas, espinhéis, ou delimitando as áreas de pesca profissional com esse petrechos, é preciso dar competência e condições aos agentes da APAs locais para conferirem esses petrechos usados pelos profissionais e apreenderem aqueles petrechos que estiverem em desacordo com a lei e com as normas fixadas.

Estudos aprofundados dos órgãos técnicos ligados ao setor pesqueiro apontam que futuro da atividade pesqueira e do comércio de pescados está na piscicultura, devendo-se dar prioridade à construção de tanques para criação e abate, a instalação de viveiros flutuantes nos rios e nos lagos, de onde se retirará todo o peixe a ser comercializado. – Esses tanques e viveiros flutuantes seriam mantidos e explorados pelos próprios ribeirinhos, sob a orientação e instrução da Embrapa, Universidades e outros órgãos técnicos, e serem financiados pelas empresas atravessadoras ou pelo próprio Estado, através de seus órgãos técnicos.

Essa a solução mais viável e sensata, que certamente atenderá a todos os que praticam e vivem da pesca, pois só assim serão preservados os recursos naturais e a fauna aquática de nossos rios.

Édison José Carazin – advogado e pescador amador do Porto Figueira, no Rio Paraná, preocupado com a preservação da fauna aquática dos nossos rios

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