Vidro importado expõe métodos da Petrobrás

Os fabricantes brasileiros de vidro decidiram comprar uma briga com a Petrobrás. Eles querem forçar a estatal a cancelar uma compra de vidros especiais importados da Bélgica, para que o produto seja fornecido pela indústria nacional. Dizem que podem entregar uma mercadoria igual. O vidro belga, de cor verde-esmeralda, terá uma função especial: vai cobrir as fachadas da nova filial administrativa que a Petrobrás está construindo em Vitória (ES), dando um toque de requinte a uma superprodução arquitetônica orçada em R$ 486 milhões.

A encrenca em torno do vidro chama a atenção para uma questão maior: os procedimentos da Petrobrás, escolhida pelo governo para ser o grande canal de investimento oficial nestes tempos difíceis. A Petrobrás é estatal, mas está dispensada por lei de fazer concorrência pública para contratar fornecedores. Com tanta liberdade para escolher seus parceiros e um caixa de R$ 60 bilhões para investir este ano, ela raramente é desafiada.

Os fabricantes de vidro resolveram correr o risco porque, num cenário econômico instável, não querem ficar fora da mega obra de Vitória. O projeto, um dos maiores em execução no País, vai consumir 90 mil metros quadrados de vidro, avaliados em R$ 12 milhões.

A Petrobrás afirma que foi buscar o produto na Bélgica porque não encontrou um similar nacional. A versão das indústrias brasileiras é outra. Dizem que a estatal tinha, desde o começo, a intenção de comprar o produto belga. Tanto que o próprio edital de licitação da Petrobrás já dava como referência o vidro Sunergy, produzido pela Glaverbel, a empresa belga que acabou sendo mesmo contratada.

Para combinar com o produto belga, o edital da Petrobrás também recomendou a compra de persianas italianas, que seriam usadas na parte interna do prédio. Para o lado de fora, o edital recomendou persianas equipadas com motorzinho de fabricação francesa.

“Estamos intrigados com o fato de o edital ter especificado um vidro importado, quando existe o nacional, pelo mesmo preço”, afirma Lucien Belmonte, superintendente da Associação Brasileira da Indústria de Vidro (Abividro). “Procuramos a Petrobrás para mostrar que duas empresas nacionais, a Cebrace e a Guardian, poderiam fazer o mesmo serviço. Não adiantou.”

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Petrobrás afirmou que o produto belga representa 25% dos 90 mil metros quadrados que serão usados na construção. Esse vidro, do tipo Low-E, tem propriedades que ajudam os prédios a economizar energia. Os outros 75%, para aplicação no piso e nas paredes internas, seriam comprados no Brasil. “Já nos disseram isso antes,mas até agora não fizeram nenhum pedido em fábricas nacionais”, diz Belmonte.

Embora seja estatal, a Petrobrás está dispensada da Lei 8.666, que regula as licitações do setor público. Isso aconteceu nos anos 90, quando a empresa perdeu o monopólio do petróleo. “Se ela tivesse que seguir a burocracia da lei de licitações, não teria agilidade para competir com as multinacionais do setor”, afirma o advogado Paulo Valois, especialista na área de energia.

“Há muita controvérsia a respeito dos critérios que uma empresa como a Petrobrás, uma estatal que compete no mercado, deveria seguir”, afirma Hamilton Caputo, secretário de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU) no Espírito Santo.

A autorização para que a Petrobrás toque tudo à sua maneira recebe muitas críticas. Entre elas, a de que a estatal muitas vezes contrata as mesmas empresas. A sede administrativa de Vitória, por exemplo, é construída por um consórcio liderado pela Odebrecht e integrado ainda pela Camargo Corrêa e pela Hochtief. A Odebrecht e a Camargo estão também no canteiro da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, onde o TCU encontrou indícios de superfaturamento.

Na obra de Vitória, que já está na metade, o TCU abriu um processo que avalia as condições em que o terreno, um dos mais valorizados da cidade, foi negociado com a Petrobrás. A estatal diz ter feito um contrato de cessão de uso por 70 anos, com opção de compra, com a Santa Casa de Misericórdia. Como o processo não foi julgado, os detalhes são sigilosos.