Saúde pública como única solução

Arquivo / O Estado

Unidade de Saúde 24h no Campo Comprido, em Curitiba: acesso gratuito.

Rio – Os brasileiros procuram cada vez mais os postos e centros de saúde pública quando precisam de atendimento médico. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2003 do IBGE – divulgada ontem -, dos 139,5 milhões de brasileiros (79,3% da população) que fazem uso regular dos serviços de saúde, 52,5% têm como referência uma unidade de atendimento básico.

Em 1998, essa era a opção de 41,8%. Para os técnicos do IBGE, o crescimento de mais de dez pontos porcentuais reflete o investimento em políticas públicas voltadas para o atendimento básico e o repasse de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) para os municípios. O dinheiro público já financia mais da metade dos serviços de saúde do Brasil.

Os consultórios particulares são o segundo porto seguro daqueles que fazem uso regular de serviços de saúde, mas com índice bem abaixo dos postos de saúde: 18%. Entre esses mesmos usuários, chama a atenção a baixa participação dos agentes comunitários de saúde (0,2%), definidos como uma das prioridades do atual governo.

Na tentativa de fazer um retrato da demanda de serviços de saúde no País, o IBGE avaliou também o número de brasileiros que procurou atendimento médico nos 15 dias anteriores à pesquisa. O resultado foi o aumento de 13%, em 1998, para 14,6% em 2003, número equivalente à cerca de 25,7 milhões de pessoas. Para Cláudia Travassos, pesquisadora da Fiocruz que analisou a pesquisa, a melhoria do acesso impactou a procura, especialmente nas classes mais baixas. Entre as famílias que ganham até um salário mínimo, a procura por atendimento subiu mais. Foi de 11 8% em 1998 para 14% em 2003.

No entanto, a desigualdade ainda aparece na procura maior entre os mais ricos. Entre os que ganham mais de 20 salários mínimos, 18,5% procuraram atendimento nas duas semanas anteriores à entrevista. Em 1998, esse índice era de 17,2%. A pesquisa considera a procura como medida para a utilização dos serviços já que, de acordo com as entrevistas, 98% dos que procuram conseguem usar. Novamente os postos de saúde aparecem como o principal local de atendimento. A proporção de atendimentos nas unidades básicas públicas nesses casos subiu de 31% para 39,1%, entre 1998 e 2003. Os ambulatórios e emergências de hospitais vêm em seguida, com 30,3%, seguidos pelos consultórios particulares (27,3%). As farmácias são citadas, numa demonstração de que fazem atendimentos indevidos, em 1,5% dos casos. Enquanto a participação dos planos de saúde no financiamento dos serviços de saúde manteve-se no patamar de 26% a parcela do SUS cresceu de 49,3% para 57,2%, entre 1998 e 2003. A queda de atendimentos pagos pelo paciente, de 15,8% para 14,8%, sugere que a procura pelo SUS se deve à renda decrescente das famílias.

Um terço das mulheres sem exame para detectar câncer de mama

Rio – Um terço das mulheres com mais de 40 anos nunca se submeteu a um exame clínico para detectar câncer de mama. Entre as que têm mais de 50 anos, quase metade (49,7%) nunca passou por uma mamografia. São faixas etárias em que, numa situação ideal, a incidência de exames deveria chegar a 100%. As mulheres de baixa escolaridade e as que moram nos Estados do Nordeste são as que mais deixam de fazer estes exames. Ontem, o ministro da Saúde, Humberto Costa, reconheceu a gravidade da situação. Ele anunciou a determinação do ministério para que todos os médicos do SUS façam o exame clínico de mama nas pacientes adultas. ?O exame pode ser feito por qualquer profissional médico. Além disso, vamos investir na aquisição de mamógrafos e no treinamento de profissionais para usar os equipamentos?, disse Costa.

Os melhores resultados são os de realização de exames de câncer de colo uterino. Um quinto das mulheres de 25 anos ou mais jamais se submeteu a um exame como este. Entre as mulheres com até um ano de estudo, 55 8% fizeram o exame. Nas que têm mais de 15 anos de estudos, ou seja, completaram o curso superior, o índice chegou a 91,3%.

Sem atendimento

Um milhão de pessoas deixaram de procurar um serviço de saúde porque não tinham dinheiro, revela ainda a pesquisa do IBGE. Entre os entrevistados que sentiram necessidade de atendimento nas duas semanas anteriores à pesquisa, mas desistiram, 23,8% alegaram não ter recursos para ir a um posto, clínica, hospital ou farmácia. Em 1998, o percentual foi ainda maior, de 32,5%.

A demora para ser atendido, que em 1998 era a terceira razão de desistência, passou para a segunda causa e foi citada por 18% daqueles que precisaram, mas não procuraram ajuda médica.

Sem dentista

O consultório odontológico ainda é um lugar desconhecido para 27,9 milhões de brasileiros. Segundo o IBGE, 15,9% da população nunca foi ao dentista. Em 1998, o quadro era ainda pior: 18,7% nunca tinham sentado numa cadeira odontológica.

A redução foi maior entre os mais pobres, mas os números retratam uma parcela significativa da população ainda excluída de um dos serviços básicos de saúde. Na faixa de renda familiar de um salário mínimo, a proporção dos que jamais viram um dentista chega a 31%. Nas famílias com renda acima de 20 salários mínimos, esse número é de apenas 2,9%. O problema é mais agudo no campo, onde 28% nunca fez uma consulta odontológica, do que nas áreas urbanas, cuja proporção é de 13 6%. ?Historicamente sempre houve um descaso muito grande em relação à saúde bucal do brasileiro. Falta acesso ao consultório e à informação?, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), Norberto Lubiana.

Doença crônica afeta três em cada dez brasileiros

Rio – Três em cada dez brasileiros têm pelo menos uma doença crônica. Entre os idosos (65 anos ou mais de idade, segundo o IBGE), a proporção chega a 77,6%. Da bronquite ao câncer, são doenças com os mais variados tipos de gravidade, mas com as quais os doentes são obrigados a conviver. A incidência de doenças crônicas nas mulheres é bem maior (33,9%) que nos homens (25,7%). São 52,6 milhões de pessoas com doenças duradouras, curáveis ou não.

Os estudos médicos consideram dor crônica aquela em que os sintomas são constantes por um período que varia de três a seis meses, dependendo do autor. No caso das doenças crônicas mais graves como o câncer, o grande desafio dos médicos é o tratamento da dor. ?A dor aguda acontece depois de uma cirurgia, no caso de uma queimadura grande. Ela tem uma função, muitas vezes de alerta, quando, por exemplo, uma pessoa encosta no ferro quente. A dor crônica não tem nenhuma função. Ela limita as atividades, afasta do convívio social, faz aparecerem sintomas como a depressão?, define o médico Zemilson Bastos Brandão de Souza, anestesiologista e clínico da dor da Clínica São Vicente, no Rio.

Na semana passada, o especialista organizou um seminário sobre dores decorrentes do câncer. Zemilson Brandão de Souza sustenta a tese de que as dores não são tratadas de maneira adequada, mesmo nos pacientes que estão internados. A medicina paliativa, que diminui o sofrimento de pacientes com dor, tem sido cada vez mais procurada como especialização entre os médicos. Em geral, é aplicada nos pacientes graves que não respondem mais a tratamentos terapêuticos. ?Entre 20% e 30% dos pacientes internados e, portanto, com atendimento permanente, queixam-se de dor porque são subtratados?, diz o médico.

Para ele, é preciso esclarecer profissionais de saúde, pacientes e famílias sobre a aplicação de medicamentos adequados de acordo com a intensidade da dor: dos antiinflamatórios para os casos mais leves até narcóticos fortes como a morfina. ?A morfina utilizada com fins terapêuticos é indicador de qualidade de tratamento da dor?, diz ele.

No caso de doenças crônicas de menor gravidade, o desafio é não permitir que evoluam a ponto de comprometer seriamente a qualidade de vida dos pacientes além, naturalmente, de buscar a cura. Muitas vezes os doentes já sabem como agir nos momentos de piora e aprendem a evitar quadros mais graves.

Um dos dados que chamam atenção na pesquisa é a alta incidência de pacientes na faixa dos 40 anos com doenças crônicas: são 46,6% do total de pessoas que têm entre 40 e 49 anos. Na faixa dos 20 aos 39 anos, as doenças crônicas atingem uma em cada cinco pessoas.

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