Partidos de aluguel podem sobreviver à lei da barreira

Foto: Agência Câmara

Câmara dos Deputados: cláusula de barreira pode produzir fantasmas nas casas legislativas brasileiras.

Defensores da cláusula debarreira afirmam que ela será instrumento de combate às chamadas "legendas de aluguel", partidos que usariam os privilégios dados pela lei para arrecadar dinheiro em proveito de seus dirigentes. Os que são contrários à cláusula acreditam que ela não é o instrumento mais adequado para esse fim.

Entre as irregularidades cometidas pelos partidos de aluguel estariam, por exemplo, a venda de aparições na televisão e no rádio para políticos de outros partidos, ou a cessão desse espaço para veicular denúncias feitas por outros candidatos, sem que eles tenham que arcar com o ônus de sustentar as informações.

O jurista Walter Costa Porto, da Universidade de Brasília, considera a cláusula de barreira fundamental para o início da reforma partidária no país. "Não é possível a democracia conviver com 31 partidos, 16 representados no Congresso. Isso faz com que o presidente da República não tenha base parlamentar", diz ele.

Para Porto, o dispositivo não vai influenciar na escolha do eleitor. "O eleitor pouco está interessado em saber, não interessa a ele tanto a vida congressual. Não interessa se aquele deputado que eu elegi vai ou não participar de uma comissão. Eu voto nele por outros motivos: porque eu acredito em suas idéias, porque recebi vantagens, porque é parente de um parente."

Eliana Graça, assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), organização não-governamental que integra o Fórum Nacional de Participação Popular, discorda. "Não é fazendo uma barreira ao acesso a coisas que são fundamentais à vida da legenda, como o fundo partidário", diz.

O fórum de que participa Graça foi criado com o objetivo de construir e defender, a partir de 2007, uma proposta de reforma política da sociedade civil brasileira. Para Eliana, a cláusula de barreira coíbe a representação dos interesses de uma parte da população ao criar essa categoria de parlamentar sem direitos. "Se o partido permanece, e a pessoa consegue votar nesse partido pequeno, ela pode não ver o seu eleito com os mesmos direitos e as mesmas condições que os outros representantes."

A cláusula de barreira, estabelecida na lei 9.096/95, prevê que só terá direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas, o partido que obtenha pelo menos 5% dos votos apurados (não computados os brancos e nulos) em cada eleição para a Câmara dos Deputados. É preciso também que os votos estejam distribuídos em pelo menos nove estados, com um mínimo de 2% do total de votos apurados em cada um deles. A medida entra em vigor a partir das eleições deste ano.

Fantasmas

Caso um partido não atinja um percentual mínimo de votos, o parlamentar será eleito, mas não poderá exercer todas as funções nas Casas Legislativas. "Serão partidos fantasmas", explicou o professor da faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Walter Costa Porto .

Na prática, o partido que não obtiver pelo menos 5% dos votos apurados (não computados os brancos e nulos) em cada eleição para a Câmara dos Deputados, não receberá recursos do fundo partidário, não terá direito a propaganda gratuita de rádio e televisão e não poderá formar bancada. A cláusula de barreira estabelece que os votos estejam distribuídos em pelo menos nove estados, com um mínimo de 2% do total de votos apurados em cada um deles. 

Pequenos temem a "’cassação branca”

Foto: Agência Brasil

João Alfredo: partidos de esquerda ameaçados.

A cláusula de barreira é uma espécie de "cassação branca", na avaliação do líder do Psol na Câmara, João Alfredo (CE). Para ele, o argumento de que o mecanismo irá impedir a criação dos partidos de aluguel é "fácil e falso". "Os partidos que estão sendo ameaçados com a cláusula são os de esquerda, históricos, que têm ideologia".

"A cláusula cassa o direito da minoria. Ela submete os parlamentares que possam vir a ser eleitos a um dilema muito grande: ou continuar nesses partidos e os verem sendo extintos, morrerem por inanição nessa cassação branca ou terem que mudar de partido, negando sua ideologia e convicções", diz o líder do Psol.

O deputado diz que o dispositivo restringe a democracia e a liberdade partidária. "Os grandes partidos não vão permitir a voz das minorias. Em um país continental como o nosso, o partido que alcance entre seus parlamentares 4 milhões de votos é uma representação. Minoritária, mas uma representação. Portanto, tem que ter direito a vez e voz no parlamento", completa.

Para o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, a cláusula é discriminatória. "O povo é que deve escolher os partidos, a sua existência. Não é exatamente por decreto que você diz que um partido pode participar do parlamento e outros não. Com isso, na prática, você seleciona quatro ou cinco partidos que terão direito a tudo fundo partidário, tempo de televisão e os outros ficam de fora", afirma ele.

Rabelo disse que a cláusula de barreira, baseada no modelo alemão, não se aplica à realidade política brasileira. "Na Alemanha, o sistema é parlamentarista. É unicameral, não tem Senado. E nessa Câmara é que se decide quem é o governo, o primeiro-ministro, e os partidos que vão governar. Você, para ter a dimensão do partido aqui no Brasil, não é só medindo a votação para a Câmara dos Deputados. É preciso aferir também outras coisas que são importantes: Senado, governos de Estado. Por isso é uma deformação", avalia.

O líder da minoria na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA), diz que a cláusula de barreira elimina distorções do atual sistema partidário. "Não há espectro ideológico para abrigar 30 partidos, como o Brasil tem, todos com espaço na televisão, no rádio, com mensagens que o povo não quer ouvir. Queremos reduzir o número de partidos para que as pessoas possam se dedicar mais à política, ter mais paciência com a política, e os partidos serem mais sólidos", diz ele.

"Você não pode ter uma infinidade de minoria que acaba se vendendo", diz Aleluia. "Estamos disciplinando. Quem tiver votos, terá partido nacional. Não se pode criar legenda para facção. Alguns partidos vivem como ostras, apegados aos maiores, e querem continuar sendo partidos."

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