Para especialista, urbanização mostrada pela ONU é “tragédia mundial”

Brasília – A partir de 2008, o mundo passa a ter tanta gente morando em cidades quanto no campo, revelou relatório divulgado na última semana pelo Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA). Mas, se outrora as cidades foram enxergadas como locais aonde se ia em busca de melhores condições de vida, hoje a situação é bem diversa, na avaliação da arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, da Universidade de São Paulo. Para ela, vivemos uma "tragédia mundial".

De acordo com os dados apresentados pelas Nações Unidas, até o ano que vem, pelo menos metade da população mundial, cerca de 3,3 bilhões de pessoas, morará em centros urbanos. Para os pesquisadores da ONU, a hora de os governos nacionais e organizações internacionais agirem para aproveitar o que esse crescimento pode trazer de bom é agora.

"Não há como negar que nós estamos vivendo uma tragédia mundial no que se refere às metrópoles da Ásia, da África e da América Latina?, diz Ermínia Maricato, que é também ex-secretária-executiva do Ministério das Cidades. Para ela ,isso se deve, sobretudo, ao recuo do papel do Estado em relação às políticas públicas de bem-estar social. A professora afirma que esse crescimento urbano está se dando após 25 anos do início da implantação de uma política neoliberal que levou a esse recuo de investimentos estatais.

Maricato explica que problemas de moradia e de desemprego, por exemplo, também existem hoje em países mais ricos. No entanto, para ela, tais países têm uma base democrática mais sólida, que se reflete no acesso a previdência, educação, saúde, habitação. ?No nosso caso, não. Os países mais pobres, e o Brasil é um país que fica, digamos, numa situação intermediária, não tinham essa base rica, e houve um real aprofundamento da violência?, afirma.

Para a professora, a única forma de melhorar as condições de vida da população nas metrópoles, principalmente, é ampliar as políticas sociais. Ela diz que não há como melhorar a vida dos jovens nas cidades se eles não tiverem acesso a escola, a uma profissão e possibilidade de entrar no mercado de trabalho. ?O Estado não é substituível?, diz.

Uma das áreas negligenciadas nos últimos anos, segundo a especialista, é o transporte público, que "conheceu o apagão muito antes dos aeroportos". Maricato diz que deve ser elaborada e aplicada uma política urbana adequada de planejamento que obedeça ao interesse público e social.

Outra questão importante para a professora é o acesso à terra no contexto urbano, a qual, hoje, tem um custo muito alto, devido à especulação imobiliária. ?É muito difícil a nossa sociedade admitir que a população de baixa renda tenha o direito de morar dentro da cidade?, diz. ?Colocar essa população fora da cidade custa muito caro para todos nós, não só para ela, para levar água, esgoto, o transporte, a drenagem, por causa das distâncias em relação ao emprego. há uma imensa irracionalidade no crescimento das nossas cidades.?

Ermínia Maricato afirma que uma das expressões dessa irracionalidade são as áreas vazias dentro das cidades, hoje submetidas a grande valorização. ?O que você tem hoje, principalmente nas cidades do Centro-Oeste, e Palmas é o paradigma, mas está em Goiânia, Brasília, Cuiabá, Campo Grande, é um número imenso de terrenos vazios servidos de asfalto, água, esgoto, iluminação pública, e todo mundo pagou por essa infra-estrutura, sendo que só o proprietário ganha a valorização imobiliária decorrente do que o poder público investiu, e aí vai fazer conjunto habitacional e colocar essa população (pobre) fora da cidade.?

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