“Inteligência policial”

Não me recordo muito bem o dia, mas bem antes do 1.º turno e no auge das absurdas e bizarras promessas eleitorais, eu e todos os delegados do Brasil recebemos um folder da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Adpep), convidando para o XII Congresso Nacional de Delegados de Polícia. Até aqui nada de novo, desde que sou delegado (1993) a Condepol, a Adepol/Brasil em conjunto com outras Associações e Sindicatos realizam, anualmente, um encontro nacional. Geralmente de pouca produtividade. Depois das palestras e alguns painéis onde participam sempre os mesmos, redigem uma insignificante carta com as repetitivas mesmices. Tem cada coisa absurda, que atestam que as únicas instituições que não evoluíram são as responsáveis pela Segurança Pública, a nossa sorte é que o século passado ainda está bem próximo.

Ironicamente o tema proposto é “Inteligência Policial”. Coisa que a Polícia Civil nunca teve; a não ser que queiram aproveitar as lições do período autoritário: Dops, e DOI – Codi.

O objetivo é o “rumo verdadeiro (…), uma doutrina (…), uma integração (…)”, diz o presidente Benito.

Mas, vamos deixar de nhenhenhén (FHC), e vamos, ao que realmente me indignou. Será que é indignação ou inveja? Depois, eu vejo isto.

O Encontro dos Delegados de Polícia, na maior crise dos órgãos da Segurança Pública, próximo do balanço dos maiores índices de violência, com o avanço da criminalidade organizada, será a bordo do navio Costa Tropicale. Sim, um cruzeiro.

Assim o presidente Carlos Eduardo Benito Jorge convoca a classe, ou melhor, convida: ” Durante cinco dias navegaremos em águas calmas, sob céu azul e o brilho das estrelas”.

Em águas calmas, sob céu azul e o brilho das estrelas, indignação ou inveja? Preciso me resolver.

O rumo que se desenha é o fundo do poço. A instituição nacionalmente está falida. As viaturas são impróprias, o armamento é limitado, a corrupção é enorme. Esta está no balcão das delegacias, na locação das viaturas, na licitação para aquisição de armamento, etc, etc, etc. Quem sabe esta seja a doutrina, o nosso ponto de convergência.

Integração, não temos nem sequer nas menores comarcas, quiçá nacional. O presidente da Adpesp parece um líder petista que “fala em um novo contrato social e ressuscita a velha balela do pacto”. (Rui Nogueira).

Uma das “causas” da criminalidade é o ponto de divergência entre as instituições. A Polícia Civil e a Militar estão em constantes conflitos. Esta quer assumir as funções da polícia judiciária. O M.P. quer dirigir a investigação, controlar internamente a Polícia Civil. Diante desses conflitos nada inteligentes, quem ganha é a criminalidade, cada vez mais impune e organizada.

Quando falamos de criminalidade, um dos elos da análise sempre enfocado diz respeito as desigualdades sociais, a pobreza ou hiposuficiência (como querem os criminólogos). Inevitavelmente, por mais singela que seja a discussão deságua-se na segurança pública, na falta de recursos das polícias e na melhoria salarial.

Pois é, tudo isso necessariamente vem à tona, mesmo que na superfície das discussões. Ou será que serão ignorados no decorrer dos cinco dias a bordo do navio Costa Tropicale?

Sejamos passageiros hipócritas da realidade do dia-a-dia a bordo das delegacias, fingimos que fazemos segurança e o povo finge que está seguro, mas não sejamos completamente hipócritas em falarmos em crise econômica e melhorias salariais, na popa e/ou proa de um cruzeiro.

Participar do XI encontro é a mesma coisa que participar de “passeatas contra a fome chupando chicabon”. (Jabor)

Cada passagem custa R$ 1.350,00 (cabine interna) e R$ 1.475,00 (cabine externa). Como as mulheres vão querer usufruir dos calorosos debates e questionamentos, mais 1.350,00 ou 1.475,00 se forem as primeiras damas da polícia, como costuma dizer a investigadora Sula.

Estão inclusos nas tarifas: transportes São Paulo/Santos/São Paulo; taxas portuárias; gorjetas; 5 refeições diárias; atividades de animação/jogos/concursos; bailes/festas programadas; utilização de piscinas/salas de ginástica/musculação/sauna/hidromassagem/biblioteca/discoteca e auditório.

Portanto, delegado convidado, faça ainda cálculos das passagens e despesas para São Paulo; e lembrem-se não estão inclusos nas tarifas: bebidas; lavanderias; excursões terrestres; despesas pessoais com telefonia; fotógrafo; despesas médicas; (…).

Observe bem que: despesas no navio apenas em dólar americano ou cartão de crédito internacional; despesas no cassino apenas em dólar americano; as cabines são no mínimo para duas pessoas, assim, para ficar sozinho em uma cabine será necessário pagar a tarifa de dois passageiros.

Quanto ganha um Delegado de Polícia? Você deve estar se perguntando. No Paraná, um dos melhores Estados, depois de muita luta judicial e oito anos sem reajustes: R$ 4.250,00, líquido. São Paulo, o inicial líquido é de R$ 2.200,00, aproximadamente. Na grande maioria dos Estados da Federação os valores não ultrapassam o patamar de São Paulo.

Não será novidade se na conclusão, após exaustivas discussões, emitirem mais uma carta. Assim, como foi a carta de Gramados, de Manaus, do Ceará e tantas outras.

Vou apenas citar algumas conclusões absurdas: “reconhecer o Inquérito como procedimento indispensável à administração da justiça” (item 3, IV Congresso/Manaus); “O tratamento protocolar aos Delegados de Polícia há de ser o mesmo dispensado às autoridades integrantes das demais carreiras jurídicas responsáveis pela persecução penal” (item 8, IX Congresso/Aracaju); “Postulam ao governo federal a necessária alteração constitucional, objetivando restaurar a competência da autoridade policial para expedir mandado de busca e apreensão domiciliar …” (item 8, XI – Congresso/Goiás).

Tais “pérolas” foram produzidas em terra firme.

Imagine o que vão elaborar sobre as ondas do mar!!!

Só me resta indignação.

Ah! quanto à inveja, tenho apenas dos presidentes das entidades que vão ao encontro por conta das nossas mensalidades.

Luís Gilmar da Silva

é delegado de Polícia no Paraná.

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