Intelectuais do PT dizem que Lula traiu o partido

Fundadores e intelectuais ligados ao PT se dividem entre a frustração com o primeiro ano de governo Lula e a expectativa de mudanças nos próximos anos. Alguns, como o sociólogo Francisco de Oliveira, se tornaram críticos ferozes e abandonaram o partido com o qual sonhavam mudar o País. Outros, como o advogado Plínio de Arruda Sampaio, participam de maneira independente de projetos do governo e discordam das diretrizes gerais, mas ainda alimentam expectativas de mudança.

?É um governo que ainda não se definiu. Adotou a defesa para um problema econômico muito sério, mas, por isso, teve de se colocar contra seus próprios princípios. Mas é preciso dar tempo ao tempo ainda?, diz Plínio de Arruda Sampaio.

De outro lado, num apoio explícito ao governo, estão aqueles que acham que o primeiro ano foi apenas parte de um processo do projeto de poder. Para eles, os governos petistas, inclusive municipais e estaduais, têm em seu primeiro ano a missão de adaptar a máquina ao seu projeto. É o que defende o presidente da Fundação Perseu Abramo (que reúne intelectuais ligados ao partido), Hamilton Pereira: ?Nenhum governo petista, de Icapuí (CE) a São Paulo, mostrou resultados visíveis no primeiro ano.?

Por outro lado, completamente frustrado, Chico de Oliveira considera que, além de trair os últimos 40 anos da história da esquerda no País, o governo petista desmobiliza os movimentos sociais e esfacela suas correntes internas. ?Lula e seu governo enterraram a esquerda no Brasil e ela demorará para se reconstruir.?

Hamilton Pereira, porém, discorda. Ele baseia sua análise do primeiro ano em três pontos. No primeiro, destaca que o PT não apenas recuperou a estabilidade econômica como passou a planejar o País como nação, e não apenas como mercado. O diálogo aberto com a sociedade civil e os movimentos sociais é o segundo ponto destacado pelo presidente da Fundação Perseu Abramo. O último ponto é a unificação das políticas sociais. Segundo ele, o governo organizou sua sensibilidade social. O desafio para 2004, segundo Hamilton Pereira, será a geração de empregos.

Imparcialidade

Velho amigo de Lula e principal coadjuvante das lutas do ABC, o ex-deputado Djalma Bom não tem cargos no governo, nem sonha mais com o poder para mudar o País. Hoje ele se dedica à meditação e fica à vontade para falar sobre as diferenças entre o que ajudou Lula a planejar e o resultado de seu governo.

?Antes das eleições, a gente tinha como princípio, socialistas que somos, a transformação da sociedade pela distribuição de renda. Se, nesses quatro anos, Lula conseguir plantar a semente para a social democracia e permitir que as pessoas todas comam três vezes por dia, eu morrerei feliz?, diz Bom.

Para o ex-sindicalista, Lula tem acertado ?no atacado?, ou seja, na macropolítica, questão mais criticada pela esquerda petista. Mas ele ressalta, no entanto, que Lula ainda está afastado dos problemas sociais, que ele chama de varejo. ?Mas sei que Lula ainda vai botar o dedo na ferida do País. Ele não mudou, continua o mesmo companheiro determinado e tem ainda três anos para atuar. Não há porque sentir qualquer decepção?, diz Djalma Bom, que ajudou a fundar o PT e em 1980 foi um dos companheiros de cela de Lula quando ele esteve preso no Dops por causa das greves que paralisaram o ABC.

Esquerda petista lança movimento

Militantes da esquerda do PT lançaram ontem, em São Paulo, o Movimento de Resgate do PT, em reação às expulsões dos parlamentares rebeldes do partido, anunciadas na semana passada, e aos rumos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

As ações que marcarão o movimento começaram a ser discutidas ontem, em seminário que reúne, no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, cerca de 200 petistas de diversas regiões do País. Eles defendem a volta da legenda às origens e a sintonia do governo com as causas populares, reiterando os termos do manifesto lançado em 30 de agosto, com mais de 4 mil assinaturas.

De acordo com um dos organizadores do encontro, Markus Sokol, as expulsões dos parlamentares – senadora Heloisa Helena (sem partido-AL) e deputados João Fontes (sem partido-SE), João Batista de Araújo (sem partido-PA), o Babá, e Luciana Genro (sem partido-RS) – é um precedente perigoso, que põe em risco a unidade da sigla.

?Dizer que quem não apoiar o governo está fora do partido vai contra tudo que o PT sempre foi desde a sua fundação. O movimento é um resgate do compromisso com as 53 milhões de pessoas que votaram no partido?, afirmou.

Sokol argumentou que as expulsões são apenas um entre diversos aspectos que merecem restrição no comportamento da agremiação e do governo por contrariarem o discurso forjado ao longo da trajetória petista. Sokol citou alianças políticas que considerou duvidosas, principalmente no Rio, e a subordinação da política econômica aos padrões ditados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

No plano econômico, ele destacou o nível de desemprego na grande São Paulo, acima de 20%, a queda de 12% na renda dos assalariados e o pequeno número de famílias assentadas neste ano (cerca de 10 mil) como conseqüência da ?política equivocada? do governo.

Segundo o deputado Tadeu Veneri (PT-PR), o governo mostrou, com a linha que adota, que se trocaram as cadeiras, mas que as políticas continuam semelhantes às dos últimos 20 anos, o que na opinião dele, é pior, sem tendência de ruptura. ?Atualmente, já se aceita ceder a base de Alcântara e até liberar os transgênicos?, indignou-se. O deputado ressaltou que há muita incoerência de ações no governo, o que leva a uma desorganização das bases. ?Nós barramos as reformas que o Fernando Henrique Cardoso queria fazer e agora vamos obrigar a aprová-las?, disse.

Estagnação econômica marca o ano

A inflação foi debelada, a confiança dos mercados financeiros restaurada e a balança comercial bateu seguidos recordes. Mas o resgate da estabilidade interna e externa teve seu preço: os 12 primeiros meses do governo Lula foram de estagnação no crescimento econômico e, segundo especialistas, devem entrar para a história como um dos piores anos para o trabalhador brasileiro.

Em janeiro, o governo fixou como meta uma inflação de 5,5% em 2003, com margem de erro de 2,5 pontos percentuais, e fez uma estimativa de que o Produto Interno Bruto (PIB), soma de todas as riquezas do país, iria crescer 2,8%.

Depois de enfrentar a recessão no primeiro semestre ? o que tinha acontecido, pela última vez, com o racionamento de 2001 ? a economia deve chegar ao fim do ano com expansão pífia. A previsão do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é um PIB de só 0,2%, o pior resultado em cinco anos. Por outro lado, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência de inflação pelo governo, deve ficar em 9,18% ? abaixo dos dois dígitos e um pouco acima dos 8% que são o limite da meta. ?A meta de inflação e a projeção de crescimento feita pelo governo no começo do ano eram incompatíveis. E a opção foi claramente pela estabilidade dos preços?, diz Salomão Quadros, coordenador de Análises Econômicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) ?A meu ver, foi uma decisão correta. Impôs sacrifícios, mas cria bases mais sólidas para o crescimento.?

Para cumprir a meta de inflação, o governo subiu os juros para um patamar superior ao dos últimos anos Fernando Henrique e submeteu o País ao maior ajuste fiscal já feito. O sacrifício à economia real foi vivenciado pelos 2,77 milhões de desempregados nas seis principais regiões metropolitanas do País. Mesmo quem se manteve no mercado de trabalho acusou o golpe: a renda do trabalhador caiu 15,2% em 12 meses até outubro.

A boa notícia veio do ?front? externo. Há um ano, analistas davam como certa a moratória da dívida brasileira e o fluxo de dólares para o País secou. Mas, em 2004, com a política econômica conservadora do governo Lula, o Brasil recuperou o crédito externo e atraiu o maior nível de captações desde o início do Plano Real. O dólar, que chegou a R$ 3,99 no auge da histeria financeira de 2002, está hoje em torno de R$ 2,90.

O risco-País desabou e a bolsa de valores atingiu níveis inéditos. O saldo comercial recorde, que deve superar US$ 23 bilhões este ano, traduz o ajuste externo pelo qual o País passou.

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