Duda Mendonça joga crise no colo de Lula

  Sergi Dutti / AE
Sergi Dutti / AE

Duda envolve o presidente na crise: "Ou eu recebia assim ou tomava um cano".

Brasília – Em depoimento na CPI Mista dos Correios, o publicitário Duda Mendonça, responsável pela campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, defendeu-se das acusações de recebimento e repasse de recursos das contas do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. Ele alegou que o PT entrou em 2003 lhe devendo cerca de R$ 11 milhões e que naquele mesmo ano firmou novo contrato de R$ 7 milhões. ?Sabíamos que o dinheiro era de caixa dois, mas não tínhamos outra opção. Ou pegávamos ou não recebíamos?, disse.

Apenas Zilmar Fernandes da Silveira deporia ontem, na CPI dos Correios. Mas Duda, que chegou ao Congresso de mãos dadas com a sócia, pediu para também prestar depoimento, cuja data ainda não tinha sido marcada. Duda e Zilmar depuseram na última quinta-feira na Polícia Federal (PF), em Salvador. Ao sair da PF, os dois não quiseram informar o que disseram à polícia. O delegado que ouviu os depoimentos contou que o publicitário e a sócia falaram mais do que ele esperava.

?Eles responderam todas as perguntas, sem omitir nada. Foram informações muito valiosas?, disse.

Na CPI Mista, Zilmar contou que recebeu cerca de R$ 15 milhões de Valério, esclareceu como os pagamentos foram feitos. Segundo ela, a primeira parcela da débito do PT foi pago em uma agência do Banco Rural, na Avenida Paulista em São Paulo: ?Em 2002, terminou a campanha eleitoral e ficamos com um grande débito com o PT nacional. Eu cobrava insistentemente o Delúbio (Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT). Num determinado momento, no fim do ano ou no início de 2003, o Delúbio disse que estava tentando resolver, que tinha um amigo que estava ajudando com alguns empréstimos. Então ele me deu o telefone do Marcos Valério e combinamos onde seria feita a primeira parte. O primeiro pagamento, de R$ 900 mil em dinheiro, foi feito em fevereiro?.

Ela revelou: ?Um funcionário (do Banco Rural) me levou para uma sala e me trouxe um pacote de dinheiro?. A sócia de Duda contou que anteriormente os pagamentos eram em cheque. ?Eu me assustei. Pensei que fosse receber um cheque administrativo. Respirei fundo e pensei duas vezes. Fiquei preocupada com a segurança de sair. Quando cheguei, falei com o Duda e ele me disse que tínhamos que resolver o problema?, emendou.

A depoente contou que depois disso, Valério afirmou que estava difícil fazer os pagamentos e que ela e Duda deveriam abrir uma empresa no exterior para receber a outra parte do débito. Foi aberta então uma conta no Bank Boston em Bahamas que, segundo Zilmar, recebeu cerca de R$ 10,5 milhões do ?emissário? do PT, como ela tratou Valério. Duda declarou que a empresa, chamada Dusseldorf, ?veio pronta? do banco. Zilmar completou dizendo ter recebido, posteriormente, ?valores picados? de Delúbio e mais duas parcelas de R$ 250 mil no Banco Rural, em abril de 2003.

Pegar ou largar

Segundo Duda, se não aceitasse receber através do valerioduto, acabaria ficando sem pagamento. ?A Zilmar pressionou o Delúbio e a gente recebeu o dinheiro. Um dinheiro justo, fruto do meu trabalho?, disse o publicitário. Duda acrescentou: ?Eu fiz uma campanha completa, a gente tinha que receber. Não quero ficar aqui dando uma de santinho nem de hipócrita ou de cínico. Eu não tinha mais poder de decisão. Ou eu recebia assim ou tomava um cano. Tinha fornecedores a pagar e um nome a zelar?, defendeu-se.

O publicitário ressaltou que não se considera culpado, mas admitiu que pode ter cometido erros e pretende pagar por eles. ?Para mim, o maior risco é ver uma imagem construída ao longo de 30 anos ser comprometida por uma coisa que eu não me considero nem de longe culpado. Eu posso ter cometido um equívoco, um lapso, um erro fiscal. Mas não cometi um erro de honestidade, um erro de caráter. Eu fiz meu trabalho, me entreguei ao trabalho e tinha como única forma de receber aquela.?

Mesmo sabendo dos riscos, Duda Mendonça disse ter optado falar a verdade. ?Eu prefiro acabar logo com esse pesadelo de uma vez e assumir a minha parte de culpa com a polícia, com os senhores. E pagar o preço que for necessário. Mas ir para minha casa, com a consciência tranqüila, e beijar meus filhos.? Duda disse acreditar que a campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, a qual ele comandou, ?foi paga com dinheiro oficial?. Duda afirmou: ?É só cruzar as faturas que eu emiti com a contabilidade de PT para ver se a campanha de 2002 foi paga por dentro ou por fora?, ao ser questionado pela senadora Heloisa Helena (PSOL-AL).

Duda esclareceu que a campanha eleitoral de 2002 foi feita em forma de pacote nacional, que contemplou Lula, Aloizio Mercadante, José Genoino e Benedita da Silva, todos candidatos do PT naquele ano.

"O Governo do presidente Lula acabou hoje."

Brasília – O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM), disse ontem que o "governo Lula acabou oficialmente hoje". A declaração foi feita depois das revelações do publicitário Duda Mendonça na CPI dos Correios. Além de confirmar que recebeu do publicitário Marcos Valério a orientação para abrir uma conta bancária nas Bahamas para receber o dinheiro que lhe era devido pelo PT, Duda em seu depoimento confirmou saber que recebia dinheiro de "caixa dois".

Virgílio disse que "toda tese de que era apenas ‘caixa dois’, o que já é grave, veio por terra. Na verdade viu-se agora pelas declarações do Duda que é sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, abertura ilegal de contas no exterior, evasão de divisas e envolvimento muito forte com a figura jurídica do Banco Rural lá fora. É a torpe parceria entre o Marcos Valério, o PT e o governo. Não tem mais clima. Não tem mais como este governo providenciar qualquer coisa para o País agora".

O senador tucano disse que será difícil o governo Lula se arrastar até 31 de dezembro do ano que vem. "Daqui para frente, eu espero que, no mínimo, o presidente Lula faça uma profunda revisão dos seus equívocos, dos crimes que praticaram nas suas barbas, nos delitos que se acumulam contra o seu partido e contra o seu governo", disse. O líder oposicionista afirmou esperar "que o presidente venha a público e peça desculpas à nação. E mais do que isto. Não é pedir desculpas para enganar a nação. É pedir desculpas mostrando que, humildemente, ele quer que a sociedade lhe permita concluir este mandato até o final, dizendo em que termos ele propõe a governabilidade".

Na avaliação de Virgílio, Lula hoje não tem governabilidade para continuar o seu mandato. "Hoje ele não tem governabilidade nenhuma", afirmou. Virgílio não acha que a convocação do Conselho da República será uma solução para o problema a governabilidade. O senador criticou ainda o encontro do presidente Lula com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. "O presidente não pára de fazer tolices. Se encontrar com o Chávez hoje é coisa de quem está de miolo mole", disse ele.

O insustentável preço da vitória

Brasília – O desalento dos petistas com a crise política que envolve o partido e o governo é muito grande. O deputado Paulo Delgado (MG) acha que o PT deve um pedido de desculpas aos parlamentares que puniu por divergirem das opiniões do governo. ?O PT tem que pedir desculpas às pessoas que expulsou e puniu por opiniões?, disse Paulo Delgado, acrescentando: ?A política está em tudo, mas não é tudo. Está ficando insustentável conhecer o preço da nossa vitória.? O deputado se referia aos dissidentes, como a senadora Heloísa Helena e os deputados Baba e Luciano Genro, hoje no Psol.

Um grupo de parlamentares do PT à esquerda protagonizou uma cena dramática ontem na Câmara durante protesto em que cobraram uma postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva diante da crise e das suspeitas de caixa dois na eleição presidencial de 2002. O que nós vamos dizer a nossa militância? Esperamos que Lula diga à nação tudo o que sabe ou que faça os que sabem dizerem. Nós não pactuamos com isso?, disse o deputado Orlando Fantazzini (PT-SP).

O deputado Nazareno Fontelles (PT-PI) contou que o grupo tinha saído de uma reunião com o presidente do PT, Tarso Genro, com alguma esperança de dias melhores, que foram abaixo depois do depoimento do publicitário Duda Mendonça na CPI dos Correios. ?Nós tivemos hoje uma reunião com o presidente do PT, foi uma conversa sincera, saímos de lá com fiapos de esperança, íamos nos reunir à tarde, quando recebemos esses depoimentos que estraçalharam essa esperança. É um réquiem (ofício dos mortos) do nosso partido?, afirmou.

No Dia dos Estudantes, comemorado ontem, um grupo de jovens da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e da União Nacional dos Estudantes (UNE), promoveu ato na porta da sala onde a CPI dos Correios ouvia o depoimento do publicitário Duda Mendonça.

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