Chacina: sem testemunhas Justiça não resolve casos

Rio (AG) -Quais os motivos que levam à certeza da impunidade, demonstrada na ação dos policiais suspeitos da chacina da Baixada Fluminense? Eles agiram por volta de 21h, um horário com muito movimento, não se preocuparam em esconder os rostos e ainda retornaram 40 minutos depois aos locais dos crimes para recolher as cápsulas das balas. A indiferença dos criminosos é traduzida também pela tranqüilidade com que horas antes se reuniram numa bar para beber, cantar e planejar o massacre de 29 pessoas.

Para juízes, promotores e advogados, a certeza dos autores da chacina de que não seriam punidos é fruto de um processo histórico e vem sendo sustentada por um ciclo vicioso, que começa horas após um crime e vai até os tribunais.

Devido à ausência de provas ou aos indícios pouco consistentes apresentados pela Polícia Civil, os promotores têm dificuldades para levar o inquérito à Justiça. Os juízes, por sua vez, não condenam suspeitos quando há dúvidas em relação a autoria do crime. Diante desse impasse, que não está restrito aos crimes praticados por policiais, tem restado à polícia e ao Ministério Público apenas a ajuda das testemunhas. A colaboração é imprescindível, argumentam promotores e juízes, mas deveria vir acompanhada de provas técnicas, o que aumentaria a possibilidade de condenação dos acusados.

Esse quadro é confirmado pela juíza Suimei Cavalieri, assessora da presidência do Tribunal de Justiça. Ela explica que muitos magistrados têm dado a sentença baseando-se principalmente no relato de testemunhas. Suimei, que atuou na Vara Criminal de Nova Iguaçu, Nilópolis e Campo Grande, entre 1994 a 2001, destaca que a ajuda de pessoas que assistiram ao crime, contudo, pode ser prejudicada, já que muitas sofrem pressões e ameaças. A juíza acrescenta que somente nos casos em que houve a prisão em flagrante do criminoso tem sido possível uma condenação. "É muito comum o policial contar que estava num patrulhamento de rotina, quando encontrou um suspeito e houve troca de tiros. Daí em diante, não há mais provas", diz.

O promotor da 2.ª Central de Inquéritos do Ministério Público, Denis Aceti concorda com a juíza. Ele conta que grande parte dos inquéritos policiais que chegam à promotoria retorna para as delegacias devido a inconsistência dos dados levantados. Nesse vai-e-vem, o crime vai caindo no esquecimento. Aceti acredita que a impunidade percebida pela população ocorre devido aos poucos casos que terminam em condenação. "O número de crimes está acima do que o aparato policial pode investigar. E, mesmo nos casos em que há alguma investigação, o número de condenações é pequeno, já que as provas, quando temos, são fracas", diz Aceti.

Perícia policial também é deficiente

Rio (AG) – Mesmo nos crimes de maior repercussão, a perícia da polícia tem apresentado falhas. A opinião é de peritos que analisaram duas fotos publicadas pela agência Globo no dia 7, mostrando dois policiais tentando encontrar vestígios em carros que podem ter sido usados pelo bando que matou 29 pessoas em Queimados e Nova Iguaçu. Talvane de Moraes, professor de medicina legal da Universidade Cândido Mendes e ex-diretor de Polícia Técnica do Rio, frisa que em uma das fotos, o perito da polícia do Rio está sem avental, proteção para cabeça e boca. Além disso, usa luva apenas numa das mãos. Na outra foto, um perito da Polícia Federal está com os equipamentos necessários para o trabalho. "Outro problema nesse caso, e isso ocorre nas duas situações, é que a perícia foi realizada num local aberto, exposto à ventilação. Isso tudo prejudica a coleta de provas, como um fio de cabelo, ou a impressão digital", afirma Moraes.

Além de problemas no levantamento de provas, o presidente da OAB-RJ, Octávio Gomes, acredita que é preciso também alterar a legislação criminal que, segundo ele, favorece os criminosos. Gomes defende a criação do Juizado de Instrução, que anteciparia o depoimento dos acusados, presos em flagrante ou que tenham confessado o crime. "A polícia técnica é desestruturada e colabora para a impunidade", diz Gomes.

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