Ato Institucional ou Medida Provisória, qual a diferença?

Do Ato Institucional número um à democracia, se foram anos dos mais difíceis para o povo brasileiro. Para quem não sabe, o temido AI 5 foi o ápice de um período negro no País. Quando os militares tomaram o País de assalto, na década de sessenta, editaram o primeiro Ato, e assim abriram brechas legais e imorais na Constituição, a desfigurando. O direito a liberdade começou a sofrer profundas e drásticas alterações. Nele, a polícia ganhou poderes extras, e com ele a força de invadir casas sem mandados, deter indivíduos considerados suspeitos para averiguações, que poderiam ficar detidos por semanas, sem qualquer interferência do poder Judiciário.

A polícia, lançando mão de um instrumento arcaico e duvidoso, utilizou como forma de identificar marginais de trabalhadores a carteira de trabalho. Se assinadas, eram trabalhadores, ao contrário, eram considerados marginais. Congresso e Judiciário eram meras marionetes nas mãos de militares que regiam o Executivo. Sobre o manto obscuro do mando direitista, que ecoava das longínquas terras do Tio Sam, a quem sempre mantivemos nossa submissão, o maior perigo não estava em assaltantes ou marginais de menor quilate, mas sim nos idealistas de esquerda, leia-se comunismo ou qualquer um, que subvertesse a ordem dos interesses de nossos irmãos do norte e seu modelo maravilhoso de liberdade. Em expedientes lacrados, sobre carimbos de CONFIDENCIAL o nome de mais um subversivo, que deveria ser caçado, preso e silenciado, o que geralmente acabava sendo. Jogados em uma vala muito pior que a dos próprios bandidos. As convulsões sociais dos oprimidos foram se agigantando, e o último general-presidente, João Batista Figueiredo, acabou promovendo a abertura política, com ela à anistia, ?ampla, geral e irrestrita?, e assim, nos idos de 1988, foi editada a nova Constituição, considerada a Constituição Cidadã. Aqui devemos ponderar sobre dois fatores a se entender: a policia pós-ditadura e a liberdade.

Com a democracia restaurada, foram restabelecidos direitos, e a liberdade individual ganhou contornos jamais mensurados, e aparentemente as coisas voltaram a seu leito natural, ou seja, cada poder equilibrado com o outro: Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas alguém deveria servir de exemplo, para que o caos jamais se abatesse novamente no País, então, por que não sacrificar o carrasco? Dentro desta ótica equivocada, atribui-se à polícia, as mazelas de uma sociedade vilipendiada, esquecendo que a policia é algo como a faca, que pode servir para partilhar os pães ou tirar a vida, é coisa inanimada, dependo sim, de quem a segura, não de quem cumpre ordens. E assim a polícia como instrumento da repressão, passou de caçador a caça, sem entender muito seu novo papel na sociedade atual.

Liberdade e Estado são facetas da mesma moeda, apesar de antagônicas, fazem parte da mesma coisa, já que para compormos a figura do Estado, abrimos mão de parte de nossa liberdade. Somente assim, poderá o Estado regular os conflitos através de seu poder de polícia, sobre a regência de leis feitas pelo Legislativo e determinadas pelo Judiciário.

O antagonismo entre Estado e liberdade, está nos conceitos individuais. As virtudes humanas têm em seu conjunto de idéias abstratas, coisas como respeito, moral, caráter, ética, etc, que servem de bússola na imposição de limites. Limites estes necessários, para se compreender a extensão das liberdades individuais. Numa ótica mais ampla, em relação a um povo, a palavra liberdade esta intrinsecamente ligada à independência. O melhor exemplo fora escrito pelo grande mestre da literatura José de Alencar, em 1854, na crônica intitulada: ?As presas da independência e as algibeiras presas?, onde o autor escreve: ?Falemos sério: a independência de um povo é a primeira página de sua história; é um fato sagrado, uma recordação que se deve conservar pura e sem mancha, porque é ela que nutre esse alto sentimento de nacionalidade, que faz o país grande e o povo nobre?. Mesmo estando o autor, nos idos da monarquia, a idéia é clara, quando nos libertamos da coroa portuguesa e assim adquirimos nossa liberdade. Liberdade é algo que se conquista, não se ganha. A maioria esmagadora dos países que foram colonizados seja por ingleses, franceses, espanhóis ou portugueses, acabaram conquistando suas independências e, portanto, liberdade, através de lutas sangrentas, o que efetivamente não aconteceu conosco. Talvez seja por isto, que não saibamos realmente mensurar, ou mesmo compreender as dimensões de sua preciosidade, e nossa apatia diante das virtudes humanas, confunde o Homem médio, no sentido exato da palavra, misturando conceitos totalmente diferentes, entre liberdade e libertinagem.

O campo adequado e profícuo das novas idéias está na criação científica, e aqui cabe a todas as ciências, como física, química, filosofia, medicina, engenharias, sociologia, etc, o dever de ocuparem-se de coisas reais e verdadeiras, como por exemplo, a forma de re-inventar a nova sociedade, já que os modelos societários faliram no decurso da evolução humana. Tanto o socialismo como capitalismo se mostraram pervertidos pela corrupção e concentração de rendas, de poucos em detrimentos de muitos, e o que hoje vivemos nada mais é do que o reflexo de uma sociedade agonizante entre modelos falidos.

Um poder não pode e não deve usurpar a função do outro. O Legislativo não pode e não deve ocupar o espaço que pertence ao Executivo e Judiciário, já que os resultados são CPIs, que acabam redundando na mais absoluta ineficácia e impunidade. A Justiça não pode e não deve ocupar o espaço que pertence ao Legislativo, editando jurisprudência ou súmulas vinculantes, para resolver antagonismos legais ou leis obsoletas. Bem como o Executivo não pode e não deve ocupar o espaço que pertence ao Legislativo e ao Judiciário, editando Medida Provisória, já que o certo seria Projeto de Lei ou mesmo utilizar a pressão política para intimidar servidores, tampouco reprimir o serviço policial, o ignorando e, portanto, não alocando recursos de toda a ordem, para a consecução de seu serviço ou utilizá-lo para determinados fins, distante dos fins determinados, e quando das tragédias, recorrer às Forças Armadas, como forma de garantir a paz pública.

 A solução para uma polícia eficiente, séria e moderna, não está em conservar esta força dentro do Executivo, mas sim fora dele, vinculando-a entre Executivo e Judiciário. Quando subvertemos a ordem natural das coisas, o resultado sempre será desastroso, para a independência de um povo, para a prestação de serviço adequado da máquina pública, em favor do povo, e para a liberdade individual.

Adolfo Rosevics Filho é bacharel em Direito, escritor e escultor.

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