Alterações da Lei de Execução Penal e a Lei 10.792/2003

As alterações que a Lei 10.792/2003 promoveu na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984-LEP) manifestam contradições entre a intenção do Legislador e o princípio fundamental do novo Diploma Legal. Contradições essas que se chocam com o objetivo maior da pena que é a ressocialização e reinserção social do condenado à pena de reclusão. Ao estabelecer o regime disciplinar diferenciado, endurecendo as normas de disciplina durante o cumprimento da pena, inserindo um novo regime de cumprimento de pena àqueles indivíduos que, devido a sua maior periculosidade, oferecem maiores riscos ao corpo social, a nova lei claramente reforçou a função retributiva da pena. No entanto, ao alterar o artigo 112 da LEP, modificando de forma significativa o critério subjetivo para que o condenado tenha direito a pleitear junto ao Juízo de Execuções Penais a progressão de regime prisional, a lei revigora a função especial positiva da pena. O presente artigo limita-se a alguns aspectos importantes no que tange à progressão de regime prisional, em virtude de distorções constantes de sentenças judiciais que indeferem pleitos de progressão. Analisam-se as fundamentações com base no renovado artigo 112 da LEP.

Anteriormente à vigência da nova lei, o cumprimento do requisito subjetivo para a concessão de regime prisional obrigatoriamente deveria comprovar-se mediante laudo pericial denominado exame criminológico. Esse documento tinha como função propiciar meios para que a administração prisional individualizasse a execução penal do condenado, através da sua classificação. Os responsáveis por essa classificação, que continua vigente, uma vez que as alterações não deslegitimaram a função dos seus responsáveis, são os técnicos da execução penal. Psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais compõem o quadro, como bem definido na LEP em seus artigos 5º a 8º. Uma das conseqüências da obrigatoriedade do exame criminológico foi o surgimento de uma verdadeira indústria de laudos periciais. Essa indústria psiquiatrizou as sentenças de execução penal, fazendo dos juízes meros homologadores de laudos periciais, desprestigiando a função judicante do magistrado, bem como o livre convencimento inerente à sua função.

A análise de decisões que indeferem pedidos de progressão de regime mostra que elas se fundamentam no argumento de que a Lei 10.792/2003, que alterou o artigo 112 da LEP, não impediu que o juiz da execução exija o exame criminológico para certificar-se que o condenado possui condições de cumprir a pena em regime menos rigoroso. E o fundamento encontra amparo nos pronunciamentos do Superior Tribunal de Justiça. A instância superior requer que o juiz monocrático considere o caso concreto para decidir se o sentenciado deve ou não ser submetido às avaliações psicológicas e psiquiátricas. No entanto, a realização do exame, que deveria ser exceção, tornou-se regra.

Reconhecendo todas as mazelas que o exame criminológico causou na execução penal, no que tange à progressividade de regime prisional, o legislador declarou a sua desnecessidade como requisito subjetivo para a concessão da progressão de regime prisional. Assim, a exigibilidade passou a ser o cumprimento do lapso temporal necessário (1/6 da pena) e atestado de permanência e conduta carcerária classificado como “bom”. Merece destaque que o lapso temporal para os condenados por crime hediondo cometido após o advento da Lei 11.464/2007 é de 2/5 para o condenado primário e 3/5 para o reincidente.

É sabido que quanto maior a permanência do delinqüente no nefasto ambiente carcerário, maior o efeito criminógeno causado sobre sua personalidade, fazendo com que os índices de reincidência aumentem. Muitos presos se perguntam por que companheiros de prisão são beneficiados pela progressão de regime sendo condenados pela mesma prática delituosa a penas muitas vezes próximas na quantidade. Se foram reprovados na avaliação técnica, por que não são informados no que reprovaram? Tudo se dá em secreto. O laudo é encaminhado ao juiz da execução e o condenado ao ser informado que o seu pedido foi indeferido, sabendo que já possui lapso temporal para a progressão de regime e sabendo que a nova lei não mais o exige, torna-se cada vez mais propenso à reincidência criminal quando tornar-se egresso do sistema prisional.

Para que a pena cumpra com sua função de prevenção especial positiva o Estado deve tornar-se exemplo no reconhecimento de direitos e garantias fundamentais. A observância da dignidade da pessoa humana deve manifestar-se concretamente nas sentenças das Varas de Execuções Penais brasileiras, assegurando ao encarcerado todos os direitos inerentes à cidadania. Somente assim, ao retornar à sociedade, o egresso reconhecerá que o Estado atendeu e respeitou seus direitos.

O exame criminológico, como critério indispensável para a aferição das condições necessárias e suficientes para o juiz da execução certificar-se se o condenado possui ou não méritos para progredir de regime prisional, deve ser exigido somente em casos em que o pretendente demonstre real perigo à sociedade, evidenciado através de avaliações psiquiátricas e psicológicas sérias e devidamente fundamentadas que oportunizem ao condenado a possibilidade de ser submetido a um tratamento.

Trabalho apresentado no Grupo de Pesquisa nominado Retrato Sócio-Econômico dos Egressos do Sistema Penitenciário do Paraná, do curso de Direito do Unicuritiba e apresentando na II Semana Acadêmica do Unicuritiba, sob orientação do Prof. Dr. Luiz Antonio Câmara.

Washington P. da Silva dos Reis é acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba – Unicuritiba.