Adicional de transferência e o Novo Código Civil

1. Conceito

Segundo se infere do artigo 469, § 3.º, da CLT, o adicional de transferência consubstancia-se em sobre-salário a que tem direito o empregado transferido por ato unilateral do empregador, no importe de 25% dos salários percebidos na localidade onde contratado. Diz-se salário-condição, que é devido em virtude, e enquanto perdurar, condição específica para os serviços prestados (em localidade diversa daquela onde iniciado o vínculo empregatício).

2. Natureza jurídica

O adicional de transferência reveste-se de natureza salarial, pois possui características de suprimento de utilidades, ainda que se destine a compensar maior onerosidade ocorrida com a transferência e possa ser retirado quando desaparece a causa.

A própria CLT alude a “pagamento suplementar” (art. 469, § 3.º), deixando inequívoco o caráter salarial dessa verba.

3. Base de cálculo

Como corolário da natureza jurídica, que impõe a integração da parcela para todos os efeitos legais, sua base de cálculo resume-se ao salário básico, contratual, acrescido das parcelas que a partir dele são calculadas, como por exemplo, adicional por tempo de serviço, produtividade, gratificação de função, etc., ou seja, o salário que o trabalhador recebeu, despido de parcelas nas quais irá refletir, sob pena de bis in idem.

4. Requisitos

Doutrina e jurisprudência apontam que a necessidade de ressarcir o trabalhador com esse plus salarial surge a partir da transferência provisória, por ato unilateral do empregador, e, ainda, que implique mudança de domicílio.

A primeira dificuldade encontrada está no fato de inexistir uma medida padronizada do que seja a “provisoriedade” a que se refere a Orientação Jurisprudencial nº 113 da SDI-1 do C. TST. Uma transferência deixa de ser provisória, por exemplo, só porque o empregado é dispensado na localidade para a qual foi transferido? Cremos que não. Se, repetimos, não há fixação legal de duração máxima, toda e qualquer transferência será interina, principalmente se não ressalvada, expressamente, a definitividade, sob pena de estabelecimento arbitrário.

Todavia, em pelo menos duas situações a mais alta Corte Trabalhista já chegou a sinalizar para a presença de critérios à caracterização da transferência provisória. Na primeira, julgando o RR 650.314/2000, à unanimidade, sua 3.ª Turma concluiu que a ocorrência de transferências sucessivas enquadra-se na hipótese legal de transitoriedade. E, na segunda, em exame ao RR 753.781/01, a mesma 3.ª Turma decidiu que a natureza da atividade exercida pelo empregado pode determinar se a transferência tem ou não caráter provisório (o caso específico era o de empregado exercente da função de inspetor de produção, que organizava escritórios da empresa em várias cidades).

A necessidade de a mudança acontecer por conduta própria do empregador converge para a dedução de que a transferência autorizadora do adicional não pode ser aquela solicitada, livre e espontaneamente, pelo empregado ou aquela ocorrida por força de extinção do estabelecimento.

Por fim, no que se refere à mudança de domicílio, ela deve ser aquela que implique alteração do eixo da vida jurídica, de molde a afetar a organização da vida pessoal, fazendo com que o empregado se desloque de seu grupo social para ter que se integrar a outro, incógnito. Simples deslocamento do local de trabalho, sem que importe mudança do obreiro, não garante o adicional de transferência.

5. O domicílio e o Novo Código Civil

Para o Código Civil de 1916 “o domicílio civil da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo” (art. 31). O Novo Código Civil manteve essa mesma redação (art. 70, Lei n.º 10.406/02).

Acrescentou-se ao novo diploma civil pátrio, contudo, uma orientação sobre o domicílio, consistente na seguinte diretriz: “Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida” (caput). Por outro lado: “Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem”.

Através dessa inovação, impende verificar qual o tipo de relação é objeto do exame, como assevera Bruno Lewicki: “se ela tiver por propósito o trabalho da pessoa, o lugar do exercício profissional também poderá ser considerado para fim de determinação do domicílio” (A parte geral do Novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Coordenador Gustavo Trepedino. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2002. p. 142-143). Entretanto, envolvendo a hipótese múltiplos domicílios profissionais “far-se-á necessário investigar a relação concreta, a fim de isolar` o domicílio profissional que com ela se relaciona” (ob. cit., p. 142).

Segundo Renan Lotufo, o Código atual se mostra em consonância com a realidade da vida contemporânea, deixando claro que: “o domicílio não é apenas o local onde a pessoa física estabelece lar com animus manendi, mas também aquele em que exerce seu ofício, estabelece relações de negócios e, principalmente, responde pelas obrigações, ainda que contraídas em lugar diverso” (Código Civil Comentado. parte geral (arts. 1.º a 232). São Paulo: Saraiva, 2003. p. 186).

Uma interpretação dessa relação ao direito do trabalho, no que tange especialmente ao art. 469 da CLT, seria a de que “toda e qualquer alteração de local de trabalho, mesmo provisória, sem que o empregado mudasse de sua casa, onde está fincado seu ânimo definitivo de permanecer, seria capitulado como transferência definitiva` do lugar onde o obreiro estava laborando, não tendo este direito ao adicional de 25% assentado no § 3º, do art. 469 acima” (SALVIANO, Maurício de Carvalho. O domicílio sob a recente definição do Novo Código Civil diante da Consolidação das Leis do Trabalho. Suplemento Trabalhista da LTr. Ano 38. n.º 155/02. São Paulo: LTr, 2002. p. 734-735).

Considera esse autor, no entanto, uma possibilidade hermenêutica esdrúxula, afirmando que o artigo 72 do Novo Código Civil é incompatível com o art. 469 da CLT, sendo inaplicável nas relações de trabalho em face do que determina o art. 8.º da CLT (ob. cit., p. 735).

6. Prescrição

Em se tratando de adicional que integra o salário do trabalhador (artigo 457, parágrafo 1.º, da CLT) – a principal obrigação do empregador no contrato de trabalho -, incide o disposto na Súmula n.º 294 do C. TST. Não é o caso de prescrição total, pois o direito à parcela – salário-condição, mas salário – está, obviamente, assegurado pela lei, se o fato gerador não deixa de existir, ou seja, se o trabalho em localidade diversa da contratação continua.

Ajuizada ação trabalhista até 2 (dois) anos após a extinção do contrato de trabalho (art. 7.º, XXIX, da CF), o empregado tem direito, durante o período imprescrito (até cinco anos antes do rompimento contratual), enquanto perdurar a transferência, ao pagamento do adicional respectivo.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

Cristina Maria Navarro Zornig

é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região

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