Ação monitória, baseadaem título executivo extrajudicial . Disponibilidade do rito. Possibilidade.

Conforme define o C.P.Civil, a ação monitória visa propiciar “a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.” (art. 1.102a).

A doutrina reafirma esse conceito desta forma: “O procedimento monitório é o instrumento para a constituição do título, a partir de um pré-título, a prova escrita da obrigação, em que o título se constitui não por sentença de processo de conhecimento e cognição profunda, mas por fatos processuais, a não apresentação dos embargos, sua rejeição ou improcedência.” VICENTE GRECO FILHO (Revista de Processo, vol. 80, pág. 156)

Neste trabalho, a discussão limita-se a seguinte questão: se dispondo o credor de título executivo extrajudicial, que lhe assegura a execução forçada (art. 585, inciso II, do CPC), possa ele propor contra o devedor ação monitória para receber o seu crédito, porquanto, no caso de haver dúvida sobre a executividade do título apresentado, já existe julgado do STJ favorável ao ajuizamento da monitória (“PROCESSO CIVIL. CONTRATO. NATUREZA DE TÍTULO EXECUTIVO. INCERTEZA. AÇÃO MONITÓRIA. POSSIBILIDADE. RECURSO DESACOLHIDO. Havendo dúvida sobre a exeqüibilidade do contrato, pode o credor valer-se da ação monitória, em vez da execução, com vista a obter a certeza de seu direito pela via de título judicial.” (RESP 248.293-SP, 4.ª Turma, Rel. Min SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 9.8.2000).

A jurisprudência tem se posicionado de forma antagônica, conforme anota THETONIO NEGRÃO, em seu C.P.Civil e legislação processual em vigor, 33.ª edição, pág. 951: “Se o autor tiver direito à ação de execução, falta-lhe interesse para o uso da ação monitória” (Lex-JTA 170/347. No mesmo sentido: RT 740/428).” “Contra, admitindo o título executivo extrajudicial como documento hábil a instruir a ação monitória, para maior segurança do autor, que passará a ter, desse modo, título executivo judicial: Lex-JTA 170/193.”

Os julgados do Tribunal de Justiça do Paraná, também, mantém aquela divergência: “O credor, que já dispõe de título executivo extrajudicial, consubstanciado em contrato de penhor celebrado por instrumento particular assinado pelas partes e por duas testemunhas, não tem interesse processual em mover ação monitória para obter novo título executivo. Constando o alegado crédito de título executivo extrajudicial, não se faculta ao credor escolher entre a ação monitória e a de execução.” (acórdão nº 21.385/3.ª Câmara). “A moderna doutrina tem admitido que, ao titular de direito enquadrável no procedimento especial da ação monitória, há que ser observado o princípio da disponibilidade do rito, em face de suas peculiaridades.” (acórdão nº 429/7.ª Câmara).

Os doutrinadores consultados, ao analisarem a viabilidade de o credor propor ação monitória, não admitem a disponibilidade do rito nesse tipo de demanda, utilizando, para tanto, dos seguintes argumentos:

JOÃO ROBERTO PARIZATTO (Ação Monitória, 4.ª ed., págs. 23 e 24):”A ação monitória é assim utilizada na falta de um documento que viabilize a execução, ou seja, a existência de um título executivo judicial ou extrajudicial, pelo que havendo esse, não se admitirá a propositura de tal ação, ocorrendo a nosso ver, um pedido juridicamente impossível. Entendemos que, mesmo na hipótese de o autor possuir um título executivo extrajudicial, poderá esse ajuizar a ação monitória, desde que o título de crédito não se preste ao ajuizamento da execução, usando esse, por exemplo, contiver rasuras ou defeitos que comprometem sua finalidade, servindo, assim, tal documento como prova escrita da obrigação.”

“Título executivo extrajudicial não se presta para embasar ação monitória, pois colidiria com os princípios da própria ação. Logo, quando o título não possuir os requisitos necessários para instauração da ação de execução, admitir-se-á o ajuizamento da ação monitória prevista no art. 1.102 do Código de Processo Civil. A prova escrita exigida para o ajuizamento da ação monitória não poderá ter a eficácia de um título executivo, pois que “in casu” facultar-se-ia a propositura de ação de execução, com desprezo da via monitória, que visa a obtenção de um título executivo.”

EDUARDO TALAMINI (Tutela Monitória, 2.ª edição, págs. 88 e 89):

“Por expressa determinação legal, será processualmente inviável a demanda, quando o documento apresentado for título executivo formalmente válido e eficaz (art. 1.102a). Faltará um dos pressupostos para o exame do mérito: a tutela monitória não traria ao autor mais do que já tem (a autorização para a atuação jurisdicional executiva).”

A ilustre Ministra do STJ, FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, porém, escrevendo sobre a questão supra, manifesta-se favorável a disponibilidade do rito, na ação monitória, mesmo que o credor possua título executivo extrajudicial, argumentando desta forma:

“A legislação reformista adotou o procedimento especial da ação monitória com o fim de colocar à disposição do jurisdicionado mais um meio rápido de obtenção de título executivo judicial”; contudo, acrescenta: “É lícito a qualquer um renunciar a favor da lei, e o autor, assim procedendo, em nada prejudica ao réu, dando-lhe ao contrário um campo mais vasto para desenvolver a sua defesa, e ampliando, e não restringindo, a ordem do processo”, e, finalmente, conclui que: “ao titular de direito enquadrável no procedimento especial da ação monitória há que ser observado o princípio da disponibilidade do rito, em face de suas peculiaridades”, porque “o rito imposto pela nova lei à ação monitória não figura entre aqueles considerados irredutivelmente especiais, eis que, obedecido procedimento inicial especial, este converte-se em ordinário, havendo embargos ao pedido.” (Da Ação Monitória: Opção do Autor, RT, vol. 734, págs. 72/74)

O tema, como se observa, é polêmico. No entanto, tendo em vista sobretudo as pecularidades do procedimento monitório, entre outras: se o devedor quitar a dívida, no prazo de quinze (15) dias, “ficará isento de custas e honorários advocatícios” (§ 1.º, do art. 1.102c, do C.P.Civil), parece-me perfeitamente viável a disponibilidade do rito, sem que isto cause qualquer prejuízo às partes.

Além disso, cabe anotar, também, que a adoção da disponibilidade do rito traria algumas vantagens: para o credor, a criação de título executivo judicial, desde logo, não havendo embargos – se, posteriormente, o devedor interpôs embargos à execução, estes somente poderão versar sobre as matérias previstas no artigo 741 do C.P.Civil, e, para o devedor, caso não queira se beneficiar da isenção do pagamento das despesas judiciais (custas e honorários), a Lei Processual Civil lhe assegura a interposição dos embargos ao mandado (art. 1.102c/CPC), para que possa discutir, amplamente, o crédito exigido.

Accácio Cambi

é desembargador/TJPR.

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