A verdade sobre os bingos

Durante os anos em que atuei no Ministério Público do Paraná, tive a oportunidade de conhecer as entranhas de várias modalidades de crimes. Escolhi a Promotoria Pública como alicerce para a carreira porque sempre me indignei com o mau uso do dinheiro público e, principalmente, a forma como alguns “empresários” brasileiros exploram a boa fé das pessoas.

Poucos dias antes de assumir a cadeira de secretário da Segurança Pública do Paraná, eu e meus colegas de promotoria, com o apoio das polícias Civil e Militar e da Justiça estadual, fechamos as portas de todos os bingos do Estado, um total de 35 estabelecimentos que estão sob a guarda da Justiça paranaense há mais de 90 dias.

De lá para cá, também apreendemos mais de mil e quinhentas máquinas caça-níqueis, que nada mais são do que uma forma eletrônica de estimular a compulsividade de apostadores – a maioria pessoas humildes e aposentados à procura de um passatempo – e literalmente surrupiar o bolso alheio. Hoje, travo uma batalha jurídica diária para vencer liminares impetradas por experientes advogados que, a todo custo, tentam reabrir as casas de jogos de azar.

Os bingos eletrônicos, disseminados pelo Brasil ao longo da última década, representam verdadeiros refúgios para a atuação de comerciantes inescrupulosos, policiais corruptos que fazem vistas grossas para a ilegalidade e até alimentar algumas redes de narcotraficantes. O que deveria ser um meio de propagação de lazer, e, principalmente, um captador de recursos para injetar dinheiro no esporte, infelizmente, tornou-se uma fonte inesgotável de arrecadação ilegal. Por isso, estão proibidos em todo País desde dezembro de 2002.

Nos tempos de nossos bisavós, ouvíamos dizer que “as máquinas nunca perdem” para o apostador; ou que “não existe dono de casas de jogos que tenha empobrecido por pagar tantos prêmios”. Porém, essas evidências não são suficientes para que a população enxergue o que há por trás dos bingos.

Ao contrário do que a megacampanha veiculada pela Associação Brasileira dos Bingos procura propagar na mídia nacional, os bingos não são “empresas” multiplicadoras de empregos. Na verdade, o número de famílias destruídas em decorrência da dependência do jogo supera, e muito, os poucos postos de trabalho gerados pelos bingos.

A situação é tão grave que, em Curitiba, foi criada uma associação, nos mesmos moldes dos Alcoólicos Anônimos, que dá suporte às pessoas que se viciaram em bingos e máquinas de caça-níqueis. Um caso emblemático, constatado no início deste ano, foi o de uma senhora oriental cujo marido morava no Japão para acumular patrimônio e retornar em breve ao Brasil.

Viciada em bingos, gastou todo dinheiro com o jogo ao longo de meses. Às vésperas da volta do marido, ela cometeu o suicídio para não enfrentar a terrível situação de lhe contar a verdade. Assim como este, há centenas de outros casos em que famílias foram à bancarrota.

A seriedade com que este problema nacional deve ser encarado estimulou o Ambulatório do Jogo Patológico da Universidade de São Paulo (USP) a dedicar exclusividade ao tema. Entre outras conclusões, os pesquisadores descobriram que a partir do “boom” das casas de bingo, em 1998, o número de pessoas compulsivas por jogos cresceu mais de cinco vezes na cidade de São Paulo -sendo os bingos e máquinas de caça-níqueis responsáveis por nada mais do que 78% deste incremento. Do universo pesquisado, 17 % dos entrevistados confessaram serem dependentes das máquinas de caça-níqueis e vídeo pôquer. Pior: 14% dos dependentes já pensaram em suicídio mais de uma vez.

Com tantas comprovações, esperamos que o exemplo dado pelo Paraná possa ser seguido pelos demais estados da Federação.

Luiz Fernando Delazari é secretário da Segurança Pública do Paraná.

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