A urgência da interação com a linguagem nas aulas de Português (II)

De acordo com a concepção interativa da linguagem (BAKHTIN, 2002), a aprendizagem não se reduz à transmissão de conteúdos gramaticais unidirecionados, estes passam a ser a estratégia para proporcionar ao aprendiz a interação social como cidadão crítico, dentro de um modelo educacional, por sua vez capaz de analisar, representar, investigar e contextualizar fatos por meio das práticas da escrita, da leitura e da oralidade. A percepção de interatividade social sobre o papel da língua remete ao questionamento: Qual a urgência do ensino com base na interação pela linguagem nas aulas de português?

A urgência se torna eminente se analisarmos que o Ensino de Língua Portuguesa, historicamente nas escolas, se organiza como forma de ascensão social às classes dominantes e não como interação social e cultural. Uma forma importante de se alterar o quadro de exclusão existente no país é a valorização da interação com a linguagem do aluno, principalmente nas camadas menos favorecidas. Uma pedagogia inclusiva é uma pedagogia da diferença (FREIRE, 2002), na qual a linguagem tem seu papel interativo e de inclusão, pois atua como principal produto da cultura e é o principal instrumento de sua transmissão. (SOARES, 2002).

Para tanto, o professor deve estar consciente de que o conhecimento só se dará pela resposta dada à informação ou estímulo, baseando-se na maneira de interpretar ou aprender do indivíduo, o que envolverá o seu estilo cognitivo e o seu método de estudo. A fixação desse conhecimento, ou o apreender acontecerá na medida em que houver compreensão, associação, motivação e ação transformadora, o que propiciará a aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos, gerando assim posicionamentos interpessoais e comunicabilidade, associada a agentes externos. Colocando-se disposto a refletir sobre o Ensino de Língua Portuguesa Brasileira e a seu (não) ensino com base na interação com a linguagem seus riscos ou ganhos. E qual a conexão existente, ou não, da forma de se ensinar a língua portuguesa e o fracasso apontado nos exames nacionais de desempenho estudantil.

No Brasil, no período da Colonização, a política de dominação portuguesa, foi a de impor sua língua, sem que houvesse a possibilidade de interação ou permanência da língua indígena, enquanto língua nativa em território brasileiro.

A História da Educação Brasileira se inicia com o Ensino Missionário, e com ele nasce o ensino da Língua Portuguesa em que a leitura, o cálculo e a escrita tinham como primeiro intuito, a instrução catequética. Uma nova pátria nasceria a partir de uma nova cultura que, certamente refletiria em uma nova linguagem. Coube, aos padres jesuíta, em 1549, ensinar um tipo de educação baseada nas ?escolas de ler e escrever?, com finalidades de catequese e instrução dos indígenas. (MAGNANI,1989, p. 10).

Em 1599, é publicado o Ratio Studiorum (organização e plano de estudos da Companhia de Jesus) idealizado por Nóbrega. Nesta época, já se mostrava falido o plano inicial de educação jesuítica, com base nas ?escolas de ler e escrever?, voltado, principalmente, para a educação indígena. O ensino de língua passa a ser sistematizado pelo ensino de latim e direcionado a elite. (MAGNANI, 1989,p.14)

O conhecimento da leitura e da escrita, sistematizado pela língua latina, no século XVI, servia como um verdadeiro divisor de águas, elemento diferenciador social. Isto porque nessa primeira fase, classificada de Língua Geral, o português adquiriu um caráter oficial. Empregado em cerimônias oficiais e nos documentos escritos, o que justificava o direcionamento para a elite, pois a essa classe cabia e interessava a participação nas cerimônias e a sistematização de tais documentos.

Por isso, só tinham acesso à cultura e à educação jesuítica os filhos dos colonizadores e de senhores de engenho, enfim os privilegiados, instaurando-se assim, a diferença social no ensino de língua entre o grupo que tinha acesso ao conhecimento e a exclusão do que não o tinha.

Esse tipo de educação primava por uma rigidez e disciplina do método, entre outras coisas, uma tentativa de conservar as doutrinas católicas intactas, preservando-a do ataque dos Reformistas. Esta postura propiciava a formação de homens com uma visão rigidamente estanque da realidade. Constata-se assim, que a educação jesuítica no Brasil, destinava-se à classe dirigente.

Em 1759, foi expulsa do Brasil a Companhia de Jesus e surgiu um ensino público financiado pelo Estado organizado, em aulas avulsas (TOBIAS, 1986). Com a Reforma Pombalina, fica obrigatório o ensino de língua portuguesa, além do processo de alfabetização, porém o plano de estudo segue os moldes do ensino de latim, com ênfase na retórica, na poética e na gramática, privilegiando a estruturação da língua.

Em 1837 Bernardo Pereira de Vasconcelos cria o Colégio Pedro II e apresenta pela primeira vez no Brasil um programa gradual e integral de ensino, dando uniformidade ao ensino da juventude. Abre-se um capítulo diferente no panorama do ensino secundário brasileiro, mesmo assim, a inclusão da disciplina de Língua Portuguesa só acontecerá em 1838. Ainda se mantendo as organizações do ensino de latim, em um ensino direcionado à elite que se preparava para o ensino superior. Isto porque a existência do ensino Secundária no Brasil, desde a sua criação, foi considerada um nível de ensino preparatório ao superior, tendo novo enfoque a partir de 1911 com a Reforma Rivadávia. (HAIDAR,1972).

O cargo de Professor de Língua Portuguesa foi instituído em 1871, porém a estrutura ainda se mantinha para a prática de ensino da retórica, da poética e da gramática. Exatamente como a programação do ensino de latim. Apenas em 1930, instaura-se o primeiro curso de formação para o ensino de Língua Portuguesa, que mantém a tradição do ensino aos moldes do latim até meados dos anos 40 do século XX. A partir dos anos 50 se tem uma real mudança no ensino de língua portuguesa no Brasil. Isso em virtude dos fatores externos, ou seja, os que aprendiam já não eram mais da elite, e sim a população trabalhadora. (SOARES, 2000).

O ensino da língua portuguesa, nos anos 50, passa a objetivar às relações com o trabalho de forma normativa, houve uma hegemonia da cultura escrita, porém, o ensino se pautava no exercício da gramática como instrumentalização do aluno para redigir. (MESERANI, 1998, p.17).

Nos anos 60, com a popularização da televisão, concomitantemente à busca de alinhamento capitalista e a consciência do subdesenvolvimento surgiu uma mudança nos processos de criação e nos meios de comunicação. Nesse contexto, a preocupação dos educadores da época com o abalo e o fim da cultura hegemônica da escrita e da leitura pela natural inserção de novo hábito de assistir televisão se contraporia à instauração de um novo tempo, em que haveria pluralidade cultural e a competição entre veículos de linguagens e mensagens. (MESERANI, 1998, p.19).

As novas bases para a educação ao final da década de 60, remetem à revisão dos limites da escolarização, bem como, sua temporalidade. A Lei de Diretrizes e Base para o Ensino 5.692 de 1971 institucionaliza a terminalidade do 2.º grau através do ensino profissionalizante e reforça a distinção entre o ensino intelectual, destinado a alguns poucos com vocação e competência ao nível superior (MAGNANI 1989, p. 17) e o ensino profissionalizante.

O ensino profissionalizante faz emergir problemas que até então pouco se salientava, visto que a exigência de habilidades do trabalhador reduzia-se ao fazer mecânico. O ensino de Língua Portuguesa, não ensina os alunos a redigirem e a compreender o que liam, em virtude dos problemas da abordagem puramente gramatical da aprendizagem dada nas décadas anteriores.

A educação no Brasil sob o regime militar desde 1964 sofreu profundas transformações em sua essência, que atingiram toda a sociedade, principalmente a classe trabalhadora, que tinha por perspectiva o Ensino Fundamental em oito anos e a formação profissional no Secundário. É possível, então, ressaltar que, com ?a abertura política? do país, na década de 80, a sociedade civil iniciou sua reorganização em um projeto de nação que correspondesse aos anseios da maioria, que não diferiam dos anseios por novas políticas educacionais (MAGNANI, 1989, p. 18).

Surgem, na década de 70, três questões recorrentes ao trabalho dado em sala de aula: questões sobre metodologia, o como ensinar; os modos e critérios de avaliação e as questões referentes ao gênero e tipos de ensino, vinculadas ao o que ensinar. As discussões desses problemas suscitam as primeiras reflexões que sugerem estudos teóricos e propostas didáticas voltadas para o ensino profissional. (MESERANI, 1998, p.21).

À escola e por conseqüência ao professor cabia transmitir essa língua, excluindo, assim, a participação do sujeito falante/escrevente, ouvinte/leitor e a concretização da interação verbal, estabelecendo que as diferenças lingüísticas davam-se pelo déficit das carências sociais, ou seja, a diferenciação entre a norma culta também conceituada língua padrão que estava para a elite dominante e a linguagem popular posta para a classe dominada de baixa escolarização.

A década de 1990 se inicia com o ciclo de estudos para a instituição de um novo modelo educacional frente a um novo Paradigma Educacional em que se possibilitasse a formação integral da pessoa. A proposta política-educacional elaborada visava um ensino mais abrangente, para além do adestramento nas técnicas profissionais e do reducionismo cultural do propedêutico. A organização curricular focava-se no desenvolvimento de competências pessoais.

Com a instituição dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1996, o ensino da Língua sugere o ensino da Linguagem pela compreensão de Competências e Habilidades, com base na Nova LDB 9.394/96, que centra a aprendizagem na tríade uso-reflexão-uso. Em que o conhecimento deve partir da vivência do aluno, refletido pelas informações mediadas pelo professor e que possibilitem uma interação e reformulação de um novo uso ou conhecimento.

As mudanças são lentas e gradativas e deveriam se iniciar na formação do profissional, como alternativa para a resolução da problemática de ensino da língua pelo próprio aclaramento dos encaminhamentos históricos e sociais da educação.

Cabe ao professor compreender as múltiplas representações da linguagem que se referem ao uso e as variações lingüísticas. Pois a palavra, uma destas representações, é o veículo primordial de comunicação, portanto, o sujeito a interpreta de acordo com sua cultura, valores e o modo de ver o mundo.

A forma como se pensa uma palavra, é que constrói o seu significado. Não é simplesmente o conteúdo de uma palavra que se altera, mas o modo pelo qual a realidade é generalizada e refletida em uma palavra. O significado dicionarizado de uma palavra não passa de uma potencialidade que se realiza de formas diversas. As palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do pensamento, mas também na evolução histórica da consciência como um todo. Uma palavra é um microcosmo da consciência humana. (VIGOTSKI, 2000, p. 151).

Assim, as implicações representacionais do ensino de língua portuguesa voltado para a interação com a linguagem, estão relacionadas às implicações políticas e a compreensão crítica do aluno, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. Pois leitura do mundo precede a leitura da palavra.

O ensino de língua materna deve perceber as especificidades dos agentes ou atores do processo educativo, que partam dos próprios conhecimentos enquanto agentes sociais de forma a propiciar a construção e reconstrução do saber lingüístico em interações dialógicas. (KRAMER, 1998, 73).

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