A propósito de reformas

Lápis e papel na mão, todo consumidor pode saber exatamente quanto o governo leva numa conta de luz ou telefone. Basta subtrair da fatura a importância correspondente a 40,15%. O que sobrar é o custo do serviço. Essa conta, segundo dizem analistas, prova que a nossa energia elétrica seria uma das mais baratas do mundo, não fosse a mão pesada do governo, disposto a arrancar o máximo possível de impostos em tudo. O mesmo aconteceria com telefone, água, combustíveis e tantos outros “preços administrados”. A propósito de reformas, a tributária que está por vir deveria considerar essa realidade.

A mordida do fisco – e aqui vale o federal, estadual ou municipal – nunca é feita de forma cristalina. No caso da energia, o cálculo se aproveita de uma conta mais estranha ainda, ao aplicar a fórmula conhecida como “ICMS por dentro”. O tributo integra sua própria base de cálculo, uma espécie de bis in idem. Isso eleva a conta um pouquinho mais – em 6,66%. O consumidor que pagaria 33,33% de impostos acaba pagando 40,15% sem direito a chiar nem perguntar. Melhor dizendo, sem direito a sequer saber o que é imposto e o que é serviço. Para cumular, paga ainda pelo “seguro apagão” e, constrangido a fazer economia, é convidado a pagar a conta depois que a crise passar.

De todo o ICMS recolhido no Brasil, ano passado, energia e telefonia entraram sozinhos com a fatia de 21,5%. Não é pouco. É tão alto o imposto cobrado sobre esses dois serviços essenciais que é equiparado a produtos como bebida e armas de fogo. Só para se saber como é que acontecem as coisas lá fora, basta dizer que nos Estados Unidos esses impostos somam 3%; no Japão, 5%; Chile e Peru tributam as telecomunicações em 18%; a Venezuela, em 16,5%…

A carga tributária desses serviços é escandalosa, não apenas pelo valor cobrado, mas porque constituem serviços essenciais que deveriam ter uma tributação diferenciada. Pelo contrário, a diferença, quando acontece, é para mais. Além da cobrança por dentro, na cobrança do PIS e da Cofins, o cálculo embute o ICMS.

Mas o problema é ainda mais sério. As tarifas dos serviços públicos (ou “preços administrados”) têm subido para muito além da inflação nos últimos anos. Somente nos primeiros reajustes deste ano, os preços da energia elétrica pularam acima dos 32%; os do telefone celular, 22%. Quando sobem as tarifas, sobem também os impostos. É o governo, portanto, quem mais lucra com a alta das tarifas desses serviços essenciais, dos quais dependem pobres e ricos, empresas e pessoas físicas que habitam morros e grotões. Não vale mais o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizer que fica sabendo dos aumentos pela televisão. Basta ele pedir informação ao secretário da Receita Federal…

Uma verdadeira reforma tributária deveria levar em conta algumas coisas essenciais para a sobrevivência humana em território brasileiro. Essa dos impostos sobre serviços básicos ou essenciais é uma delas. Infelizmente, pelo que se ouve das discussões e acertos travados entre o presidente e os governadores, tudo seria mudado para ficar mais ou menos como está. Infelizmente. E sobre o dinheiro movimentado para pagar essas contas ainda incidirá, de forma permanente, conforme se anuncia, a CPMF. Em muitos casos, o único jeito é apagar a luz.

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