Felipe A. de Magalhães Calvet

A precarização do trabalho médico

A idéia de flexibilização dos direitos trabalhistas já é antiga. Remonta o ano de 1967, com a criação do FGTS, por “opção” do empregado, eliminando a estabilidade no emprego.

Após isto, muitas outras legislações foram editadas com o intuito de diminuir os direitos dos empregados em prol de uma modernização das relações entre empregados e empregadores.

Entretanto, esta política de tentativa de diminuição de custo do trabalho através da espoliação dos direitos básicos do empregado, ao invés de atacar o problema do desemprego, alimenta a precarização do trabalho humano, gerando um dos maiores problemas da sociedade atual, que é o abismo da distribuição de renda, com uma camada cada vez maior de miseráveis e uma camada cada vez menor de pessoas cada vez mais ricas.

Muito se tenta atualmente para acabar com o emprego formal, principalmente através de falsas cooperativas de trabalho. A miopia dos agentes sociais que fomentam e incentivam estas práticas não os deixa ver o enorme prejuízo social mediato que isto acarreta, com o custeio da própria previdência social, sem se esquecer que o empregado é o próprio consumidor que o empresário precisa para atingir o desiderato do seu negócio. De modo imediato, esta precarização pode até parecer vantajosa, mas veremos o enorme prejuízo que acarreta.

Dentro desta realidade, o trabalho do médico, nobre profissão que trata da vida humana, parecia inatingível, pois há alguns anos atrás, após sua residência médica, o médico abria o seu consultório, com uma secretária e uma enfermeira, e exercia sua profissão, sem qualquer ingerência externa.

Atualmente, as faculdades de medicina no Brasil, ao que parece, continuam formando o médico como naqueles tempos “românticos”, em que todos os médicos recém formados tinham espaço no mercado de trabalho, sem esclarecer ao estudante de que quando ele sair da sua graduação, se ele quiser fazer como antigamente, ou seja, abrir seu consultório, não será um simples autônomo como outrora, mas um verdadeiro empresário, tendo que abrir uma empresa de prestação de serviços, contratar uma empresa de contabilidade, e observar a legislação relativa às pessoas jurídicas, porquanto as empresas seguradoras de saúde não cadastram médicos pessoas físicas, mas apenas empresas, pessoas jurídicas, salvo raríssimas exceções.

Caso o médico recém formado não opte por abrir seu consultório, devido a fatores econômicos, ou mesmo pela dificuldade que se apresenta no Brasil constituir uma empresa legal e mantê-la, ou mesmo em razão da exigência de algumas seguradoras de saúde que exigem experiência profissional do médico para cadastrar sua empresa, terá que se submeter, infelizmente, a trabalhar em um consultório de outro médico, pagando comissão para este, sendo muitas vezes verdadeiro empregado nos moldes da CLT, mas com o título de “autônomo”, sendo explorado por seu próprio colega de profissão, não por má-fé de qualquer das partes, mas por simples ignorância dos seus direitos, face à deficiente formação acadêmica que teve nesta área.

Ainda, numa situação mais negra, o médico recém formado será convidado a integrar uma falsa cooperativa, e sem a menor intenção, estará fomentando um mercado de espoliação do trabalho humano e fraudando a legislação trabalhista, previdenciária e fiscal, juntamente com seu empregador, a “cooperativa”.

Também, poderá ser contratado como “autônomo” por uma empresa de plano de saúde, para prestar atendimento até mesmo na sede da seguradora do plano, com horários fixos e pacientes determinados, mas sem qualquer direito trabalhista assegurado, quando em verdade é um verdadeiro empregado, com todos os direitos trabalhistas assegurados na CLT e demais legislações aplicáveis.

Em decorrência das mudanças sociais e saturação do mercado de trabalho do medido verdadeiramente autônomo, é mister o esclarecimento para esta classe trabalhadora dos seus direitos, vez que se mostra cada vez mais presente a figura do médico empregado, em detrimento do médico autônomo de outrora.

No entanto, o que vislumbramos é o médico absolutamente ignorante dos seus direitos, acreditando ser normal e legal a situação de vilipêndio que está sendo submetido, trabalhando em uma jornada absurda para tentar viver com dignidade, sem ter tempo ao menos de se aperceber do quadro que se forma e que está inserido.

Em razão da omissão da formação acadêmica nesta área, os órgãos de classe, CRM e sindicato, tem o dever de esclarecer aos seus associados e integrantes desta categoria quando um profissional da área médica é empregado, cooperado, autônomo, associado e eventualmente inserido em outras categorias, sob pena do aviltamento dos direitos dos médicos serem cada vez maiores e, também por falta de conhecimento, apenas uma ínfima parte destes virem ao Poder Judiciário postular a reparação dos seus direitos.

Felipe Augusto de Magalhães Calvet é juiz do Trabalho, 8.ª Vara do Trabalho de Curitiba.

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