Jorge de Oliveira Vargas

A multa do art. 475-J do CPC, na execução provisória

A controvérsia objeto deste artigo reside em saber se é aplicável a multa prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil, em sede de execução provisória.

Diz o referido dispositivo:

Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

Nota-se que o legislador não falou em condenação decorrente de sentença transitada em julgado. O Ministro Humberto Martins, da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao proferir seu voto no REsp 1100658/SP, Recurso Especial 2008/0236605-3, como relator, reconhece que a controvérsia não é de fácil solução, nos seguintes termos:

Cumpre ressaltar, em primeiro lugar, que em razão da omissão do legislador a respeito da questão, parte da mais abalizada doutrina inclinou-se a admitir a incidência da multa do art. 475-J do CPC na execução provisória (vg., Araken de Assis, Cumprimento da sentença.

Rio de Janeiro: Forense, 2006; Alexandre Câmara Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro, 2007; e Cássio Scarpinella Bueno. Variações sobre a multa do caput do art. 475-J do CPC na redação da Lei 11.232/2005. In: Aspectos polêmicos da nova execução 3. São Paulo: RT, 2006).

Ao passo que outra considerável parcela passou a defender a impossibilidade dessa incidência (vg. Carlos Alberto Álvaro Oliveira. A nova execução: comentários à Lei n.º 11.232, de 22 de dezembro de 2005.

Rio de Janeiro: Forense, 2006. Humberto Theodoro Júnior. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006; Ernane Fidélis dos Santos. As reformas de 2005 do Código de Processo Civil: execução dos títulos judiciais e agravo de instrumento. São Paulo: Saraiva, 2006.). E os argumentos de ambos os lados são pertinentes e convencem.

Observa-se, igualmente, que, na esfera jurisprudencial, há posicionamento em ambos os sentidos, sendo que ainda não há pronunciamento definitivo desta Corte Superior de Justiça a respeito da matéria.

Optou pela impossibilidade da incidência, nos termos da ementa:

PROCESSO CIVIL MULTA DO ART. 475-J DO CPC INCIDÊNCIA NA EXECUÇÃO PROVISÓRIA IMPOSSIBILIDADE INCOMPATIBILIDADE LÓGICA NECESSIDADE DE AFASTAMENTO DA MULTA.

1. O artigo 475-J, com redação dada pela Lei n. 11.232/2005, foi instituído com o objetivo de estimular o devedor a realizar o pagamento da dívida objeto de sua condenação, evitando assim a incidência da multa pelo inadimplemento da obrigação constante do título executivo.

2. A execução provisória não tem como escopo primordial o pagamento da dívida, mas sim de antecipar os atos executivos, garantindo o resultado útil da execução.

3. Compelir o litigante a efetuar o pagamento sob pena de multa, ainda pendente de julgamento o seu recurso, implica em obrigá-lo a praticar ato incompatível com o seu direito de recorrer (art. 503, parágrafo único do CPC), tornando inadmissível o recurso.

4. Por incompatibilidade lógica, a multa do artigo 475-J do CPC não se aplica na execução provisória. Tal entendimento não afronta os princípios que inspiraram o legislador da reforma. Doutrina. Recurso especial provido. Data do julgamento? 7/5/2009. DJe 21/5/2009.

A polêmica, no entanto, continua. Na Quarta Turma, no REsp 1.059.478-RS, da relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, em 21 de outubro de 2008, a Turma, em questão de ordem, por tratar-se de REsp em que se discute o cabimento da multa prevista no art. 475-J do CPC em execução provisória, tendo em vista a relevância do assunto e sua abrangência, decidiu submeter o REsp à apreciação da Corte Especial (art. 16, IV, do RISTJ)(1).

O texto não nos parece omisso, pois o fato do legislador não se referir, para aplicação da multa, a sentença condenatória transitada em julgado não pode ser interpretado como uma omissão, mas sim que o legislador entendeu que a multa é aplicável em toda a fase de cumprimento de sentença, quer se trate de cumprimento definitivo, quer se trate de cumprimento provisório.

Se o legislador não fez qualquer distinção a respeito, será que o intérprete pode fazê-la? A finalidade da execução provisória não se limita a garantir o resultado útil da execução, cumprimento da sentença, tanto assim que diz o art. 475-O que a mesma far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, tanto que no inciso III prevê que “o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade … dependem de caução suficiente e idônea …”, a qual pode ser dispensada nas hipóteses previstas no § 2.º, o que significa dizer que a execução provisória tem por finalidade, repito, o cumprimento da sentença, embora de maneira provisória, e não apenas garantir o resultado útil da execução.

A respeito leciona Carlos Alberto Carmona, ao tratar do tema: A grande alteração implantada pela Lei n.º 10.444/02 foi a possibilidade conferida ao credor de, com o manejo da execução provisória, conseguir satisfazer o direito garantido em sentença condenatória sujeita a recurso sem efeito suspensivo: antes da alteração imposta pela lei de 2002 a execução provisória era pouco mais que nada, servindo apenas para adiantar atos da execução.

Depois da reforma, deu-se maior eficácia ao mecanismo, de tal sorte que nos casos do art. 520 em que a apelação não tem efeito suspensivo e na hipótese de manejo dos recursos de superposição (que não têm efeito suspensivo), pode o vencedor desde logo dar andamento às atividades satisfativas, que poderão chegar ao seu término, com a expropriação do bem penhorado, desde que o exeqüente preste caução(2).

A questão é como conciliar o pagamento da condenação, para evitar a multa, com o interesse processual do recurso, uma vez que o art. 503 do CPC dispõe: “A parte que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou a decisão, não poderá recorrer”.

Comentando esse dispositivo, escreve Nelson Nery Junior: A concordância com o ato impugnado ou a prática de ato incompatível com a vontade de recorrer caracterizam aceitação da decisão, que é causa de não conhecimento do recurso, porque fato impeditivo do poder de recorrer.

A aquiescência que pode ser expressa ou tácita, é espécie de preclusão lógica do poder de recorrer. São exemplos de aquiescência: a) o pagamento, pelo réu, da quantia a que fora condenado pela sentença; …”(3).

Essa conciliação passa também pelo art. 475-0, portanto a interpretação sistemática envolve os três artigos, quais sejam: 475-J, 475-0 e 503, não esquecendo o teor do parágrafo último deste, que diz: “Considera-se aceitação tácita a prática, sem reserva alguma, de um ato incompatível com a vontade de recorrer”, o que significa dizer que se houver uma ressalva em relação a aquiescência, o ato não será incompatível com a vontade de recorrer.

A resposta conciliatória pode ser extraída do art. 475-O, inciso III que diz: O levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.

Ou seja, na execução provisória o devedor não é intimado a pagar o valor da condenação, mas sim para depositá-lo, pois o levantamento do depósito em dinheiro depende de caução suficiente e idônea. Se pagar, sem ressalvas, efetivamente pratica um ato com o direito de recorrer, mas se depositar, não.

Portanto, pode-se concluir que o devedor, em caso de execução provisória, deverá depositar o valor da condenação no prazo de 15 dias, sob pena de sujeitar-se a multa prevista no mencionado art. 475-J.

Notas:

(1) Informativo n.º 373. Período 20 a 24 de outubro de 2008.
(2) Código de processo civil interpretado / Antonio Carlos Marcato, coordenador. 3.ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 1623/4.
(3) Nery Junior, Nelson. Código de processo civil comentado e legislação extravagante /Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. 10.ª ed. rev. ampl. e atual. até 1.º de outubro de 2007. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 833.

Jorge de Oliveira Vargas é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Mestre e doutor em Direito Público pela Universidade Federal do Paraná. Professor de direito processual civil na UTP e Unibrasil e professor de direito constitucional na Emap.

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