A legislação antidrogas brasileira causa tráfico e dependência!

É triste. Mas, é a realidade.

A lei 10.409, de 11 de janeiro de 2002, a mais recente norma legal a respeito do assunto, consegue colaborar com os traficantes, ignorar a prevenção e desprezar o tratamento do usuário e dependente.

Certamente, não era o desejo do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, porém é o que está acontecendo.

O tráfico foi beneficiado de várias formas, por exemplo, o procedimento criminal ficou confuso. Basta citar, a polêmica sobre os interrogatórios: um ou dois são necessários? A falta de clareza da lei levou a doutrina a uma discussão assustadora, percebam:

“Peculiar e esdrúxula seria a situação processual criada pelo próprio juiz que admitir o duplo interrogatório quando o interrogado no ‘segundo interrogatório’ modificar a sua versão inicial de reconhecimento de responsabilidade para negação dela… Conclusão: somente com o recebimento da denúncia, ato que será explicitamente e especificamente fundamentado, é que o interrogatório será permitido.” (Alexandre Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues, Tóxicos: Aspectos Processuais – Lei 10.409/11.01.2002 – Editora AB, 2002, 2.ª edição, pg. 84 e 85, grifamos); e,

“Com a devida vênia, discordamos da posição daqueles que entendem haver a nova lei de tóxico previsto apenas um interrogatório, o qual seria realizado na audiência de instrução e julgamento…Caso pretendesse não prever a realização do interrogatório antes de recebida a denúncia, não haveria deixado expresso que, no ato que determina a citação, será designado dia e hora para ouvida da acusado…Não há nenhuma barbárie legal nisso, mas sim, uma previsão para colheita de mais um tipo de prova, a fim de dar maior segurança ao juiz no momento de decidir quanto à instauração ou não da ação penal.” (Jorge Vicente Silva, Tóxicos, Juruá Editora, 2002, pg. 104, 105 e 106, grifamos).

Resultado da baderna legal: acertar o rito procedimental é um desafio superior ao julgamento de mérito (culpado ou inocente).

A feitura de um interrogatório, por exemplo, pode permitir que o traficante recorra afirmando que teve o seu direito de defesa cerceado. Pronto! Nulidade e liberdade para o criminoso. Por sua vez, a feitura de dois interrogatórios torna o procedimento lento e carregado, diga-se de passagem pouco acrescenta na busca da verdade real. Sem esquecer, que a demora também dá margem para recursos, de novo, liberdade para o traficante.

Aliás, o problema é mais profundo, a loucura legislativa, permite a discussão sobre qual a lei que vigora em relação a procedimento, a lei 10.409/02 ou a lei 6.368/76? Isto porque, o artigo 27 da lei 10.409/02, está assim redigido:

“O procedimento relativo aos processos por crimes definidos nesta Lei rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal.” (grifamos em parte).

Acontece, que o Presidente da República vetou os tipos penais (artigos 14 a 26 da lei nova), desta forma, para alguns a lei regula o “nada” (não há crime tipificado). Conclusão da balbúrdia: espaço para dúvida que favorece a criminalidade.

Também, é trágico o esquecimento com a prevenção. A lei 10.409/02 consegue ser pior que a lei 6.368/76 no que se refere ao assunto. Para início de conversa, a prevenção que é ação fundamental para vencer as drogas, juntamente com o tratamento dos usuários e dependentes, seria tratada em treze artigos (estamos contando de forma grosseira, pois muitos dispositivos nada têm haver com prevenção), enquanto, a repressão merecia cinco de dezenas de artigos. É claro, que não é o número de artigos que define a política adotada por uma lei, porém (no caso) revela, no mínimo, a ignorância sobre a sua importância.

Não se vence as drogas sem uma política permanente de prevenção. A lei desconhece o valor da família e dos professores para ações preventivas. Outrossim, não avança contra as drogas lícitas, que impedem o sucesso de qualquer política de prevenção.

Em outras palavras, senão houver restrição ao álcool e ao cigarro é impossível fazer prevenção eficiente e de resultados. A aceitação (social e legal) das bebidas alcoólicas e do tabaco, por exemplo, tira a possibilidade de uma discussão profunda com os jovens. Na cabeça dos adolescentes é hipocrisia proibir a maconha, quando o álcool e o cigarro matam mais pessoas e são liberados. Na verdade, a lei peca em omitir as drogas lícitas como inimigos da saúde pública e da segurança pública.

Enfim, a prevenção é dever todos, mas a família e a escola devem ser espaços de excelência para trabalhar a questão. Vários modelos de ação poderiam ser indicados na lei (não impostos), como exemplo: modelo de fortalecimento afetivo (precisamos melhorar a auto-estima das crianças e dos adolescentes, diminuir a ansiedade, enfim, fortalecer psicologicamente os jovens); modelo científico (informação real, imparcial e científica a respeito das drogas, pensando a vida sexual sexual e a saúde do ser humano), e modelo de oferta de alternativas (o adolescente tem que encontrar na sociedade espaços para expandir o seu potencial, ou seja, esporte, teatro, etc).

O tratamento dos usuários e dependentes foi desprezado pela seguinte razão: falta dinheiro específico para tratar os doentes. Era preciso inovar, especialmente, nas fontes de custeio para criar “núcleos” de tratamentos públicos ou associados a entidades privadas. Sem dinheiro não existe medicina de ponta. O doente e sua família merecem tratamento digno e eficaz. O resto é conversa.

Todavia, não podemos perder de vista, que a legislação é resultado da vivência social e política de um País. Portanto, se o nosso arcabouço jurídico antidrogas é ruim, indica que, infelizmente, a nossa sociedade estimula o consumo e a dependência de drogas. Inclusive, através de seu ordenamento jurídico.

É triste. Mas, é a realidade.

Marcio Geron e Roseana C. R. Assumpção

são juízes de Direito da Comarca de Capanema/Paraná.

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