Viviane Andrade

A inconstitucionalidade do § 3.º, do art. 5.º, da Constituição

Anteriormente à aprovação da Emenda n.º 45, que inseriu o § 3º ao art. 5.º, da Constituição Federal, o § 2.º do mesmo artigo já previa tratamento constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e sua aplicação imediata. Em que pese não sejam desconhecidos os entendimentos em sentido contrário, dando tratamento supraconstitucional e infraconstitucional aos tratados internacionais, é certo que “parece viável concluir que direitos materialmente fundamentais oriundos das regras internacionais (…) se aglutinam à Constituição material e, por esta razão, acabam tendo status equivalente”(1).

Visando a finalizar as discussões a respeito do tratamento concedido aos tratados internacionais de direitos humanos, foi inserido, por meio da emenda supracitada, o § 3.º, ao art. 5.º, da Constituição, que dispõe que os tratados internacionais de direitos humanos deterão status de emenda constitucional se aprovados em dois turnos, por 3/5 dos votos dos membros de cada casa do Congresso Nacional.

O que se conclui da leitura deste dispositivo em consonância com o § 2.º do mesmo artigo se é que se pode falar em consonância deste dispositivo com qualquer previsão constitucional em matéria de direitos humanos é que, os tratados internacionais de direitos humanos, que antes, segundo parte da doutrina, recebiam tratamento de norma constitucional, agora precisam passar por um quórum qualificado para que cheguem ao status de emenda constitucional.

A diferença entre os dispositivos é que o § 2.º fornece status de norma constitucional aos tratados, enquanto o § 3.º lhes dá equivalência à emendas constitucionais, após aprovação em certo quórum. Isso demonstra que a inserção do § 3.º é não só desnecessária, como prejudicial, uma vez que os tratados que anteriormente detinham valor de norma constitucional agora poderão alcançar status de emenda constitucional, se submetidos ao quórum necessário. Além disso, cria-se uma inexistente hierarquia entre normas constitucionais, umas com estranho status de emenda e outras não.

Bem verdade que segundo Valério Mazzuoli (2), o § 3.º não anula a interpretação de que os tratados já possuem o status material de norma constitucional previsto no § 2.º, mas apenas prevê que terão eficácia de emenda constitucional os aprovados pelo quórum necessário, sendo também formalmente constitucionais e impedindo sua denúncia pelo Presidente.

Entretanto, o § 3.º deve ser analisado frente ao art. 60, § 4.º, IV da Constituição Federal, que versa sobre a impossibilidade de deliberação de proposta de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Caso se entenda que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados anteriormente à recepção do º3º ou que, ratificados após a emenda, mas não sujeitos ao quórum, não possuem status constitucional, estar-se-á ferindo a cláusula pétrea referente aos direitos e garantias fundamentais, uma vez que o § 2.º conferia aos tratados internacionais de direitos humanos tratamento constitucional, e que o § 3.º veio a limitar este tratamento, impondo um quórum antes desnecessário. Assim, tem-se que o º3º acaba por abolir ou reduzir a eficácia de direitos fundamentais, pois esse tratamento constitucional anteriormente previsto é prejudicado pelo quórum estabelecido, que restringe a eficácia a ponto de sua inexistência.

Ademais, o § 3.º não é inconstitucional somente por ferir cláusula pétrea, mas por ferir, igualmente, o Princípio da Proibição do Retrocesso e não há dúvidas de que o § 3.º constitui um retrocesso. E, como é sabido, perfeitamente possível reconhecer-se inconstitucionalidade de norma constitucional decorrente do exercício do poder constituinte reformador, ou seja, reconhecer-se inconstitucionalidade de emenda à Constituição (3).

Uma vez previsto pelo § 2.º o tratamento constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos ratificados, não há que se falar em quórum para que os mesmos venham a receber tratamento de emenda constitucional, sob pena de se incidir em um retrocesso. Não pode uma norma constitucional prever um tratamento aos tratados e uma emenda dispor de forma diversa sobre o mesmo assunto, de modo a diminuir os efeitos concedidos pela primeira norma, principalmente em se tratando de direitos humanos e ante a impossibilidade do poder reformador contrariar cláusula pétrea.

Conclui-se que o § 3.º do art. 5.º é inconstitucional, pois fere o Princípio da Proibição do Retrocesso e vai de encontro à cláusula pétrea prevista no art. 60, § 4.º, IV da Constituição Federal.

Notas:

(1) SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9.ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 139.
(2) MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos Humanos, Constituição e Tratados Internacionais. São paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 244.
(3) FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3.ª ed. São Paulo: Editora Método, 2008. p. 65-66.

Viviane Lemes da Rosa é acadêmica de Direito do Unicuritiba. Luiz Gustavo de Andrade é mestre em Direito, Professor do Unicuritiba e Advogado sócio do escritório Zornig, Andrade & Associados.

Voltar ao topo