A equação do segundo turno

Quem vai para o segundo turno? Acertará quem melhor souber resolver a equação composta por: a tipologia do eleitor, a natureza do discurso, a identidade regional, a ação de FHC e a temperatura ambiental nas próximas semanas. A solução deve apontar para o rumo seguido pela roda movimentada por esses cinco eixos. O acerto dos elementos previsíveis e uma correta interpretação dos fatores imprevisíveis darão a resposta correta à questão. Tentemos a empreitada.

O eleitorado se reparte entre os seguintes blocos: 30% de massas amorfas, sediadas principalmente nas regiões metropolitanas, que incluem desde iletrados ingênuos a letrados sofridos; 20% de eleitores orgânicos, cujo sistema cognitivo se impregna de racionalidade; 15% de bolsões tradicionais, localizados nos currais eleitorais; 15% de votos ideológicos, conservadores, à direita; 15% de votos ideológicos, à esquerda e 5% de votos amarrados nas correntes religiosas de fé. O maior segmento eleitoral é o da faixa entre 25 a 34 anos, com quase 28 milhões de eleitores, seguido do grupamento entre 35 a 44 anos, que tem um pouco mais de 24 milhões. Os votos dessas faixas terão influência decisiva. As massas amorfas tendem a selecionar heróis, salvadores da pátria, fogueteiros de plantão, desbravadores e, ainda, quem estiver na frente das pesquisas. Ou seja, Ciro e Lula.

Até o momento, os candidatos estão cantando uma melodia desconhecida para os eleitores. As propostas se canibalizam, algumas são ininteligíveis e outras param no meio da sociedade, não descendo às margens. O discurso é um amálgama de significações em torno de perfis pessoais e, ainda, das ondas vagas que correm ao sabor da maré de especulação e das pesquisas. Portanto, a cooptação do voto, comandada pelo aparato das apresentações pessoais cobertas pela mídia, se ampara na credibilidade de Lula, com sua história de líder popular; no arrojo de Ciro, com seu perfil de metralhadora ambulante; na capacidade de Serra, com sua frieza técnica e no manejo verbal de Garotinho, com suas generalidades. O discurso de Lula e Ciro ainda traz incertezas, mas no suco do primeiro um torrão de açúcar foi colocado para se contrapor à pimenta malagueta do prato do segundo. Como frappé, Serra nem é preto como café nem branco como leite. Perdeu identidade. Garotinho é um animador de festa de criança.

Não é a toa que as identidades mais fortes estão germinando sementes de vontade nos sistemas de codificação dos eleitores. Mas a decisão passa, também, por um certo bairrismo que, queiram ou não, ainda existe. O Sudeste tem 43,98% dos votos, o Nordeste, 26,91%, enquanto o Sul exibe 15,47%, o Centro-Oeste, 6,96% e o Norte, 6,62%. São Paulo, com 25 milhões de eleitores, é o maior pólo da decisão eleitoral. Mas o voto paulista não é tão bairrista como, por exemplo, o voto do Nordeste ou o voto do Sul. Por isso, Ciro Gomes, que se diz paulista e nordestino, será muito bem votado nas duas regiões, podendo ganhar, em São Paulo, redutos tradicionais de Lula. Se Garotinho entusiasma os cariocas, os paulistas ainda não descobriram a face telúrica de Serra, exatamente porque o ex-ministro da saúde parece não gostar de cores quentes e sabores fortes. Nem com a terra se identifica.

Os mineiros somam 12,6 milhões de eleitores, são muito bairristas e dão o voto aos cultores da mineiridade. O mesmo ocorre com os sulistas. Vale conferir quem é o candidato mais próximo a essas comunidades. Resta a força de Fernando Henrique, que não deve ser subestimada. Se arregaçasse as mangas, fosse a campo, levantaria barreiras e abriria espaços de mais de 15 km. Sua postura olímpica, de estadista e magistrado, o afasta de José Serra, que estiola seu potencial em um campo no qual deveria ter fixado profundas raízes.

O clima do país é o cobertor sobre o qual os outros elementos se deitam. Se continuar quente, beneficiará os oposicionistas. A recíproca é verdadeira. Ora, a temperatura é conseqüência do Produto Nacional Bruto da Infelicidade (PNBinf), que é a somatória das angústias e expectativas, aí incluídas a violência desenfreada, o medo das ruas, o desemprego em massa, a falta de motivação, a fuga da auto-estima, a ausência de esperanças, o descrédito e a deterioração das bases cotidianas do bem estar. Ciro ganha mais que Lula com o aumento do PNBinf e está passa bem no teste da frigideira de teflon. As nuvens negras do efeito Argentina estão se distanciando de Lula, a partir do convite do diálogo que abriu com o mercado e com o Governo. O mal que ameaça Serra é o da cirurgia que fez em seu corpo xifópago. Ao separar-se do Governo, Serra definha ao perder sangue. Já Garotinho se embala na gangorra do jardim de infância, onde a garotada se diverte olhando o mundo de cima e de baixo.

Há quem busque neles comparações com alguns bichinhos. Noctívago que é, José Serra é uma coruja que gosta da escuridão, se afasta dos outros bichos e só acredita no que vê. Lula, de tão afiado, tornou-se papagaio enfeitado, que repete bonitinho o que lhe dizem. Ciro é matraca tagarela e bravo, também conhecido como galo-do-mato. E Garotinho é um pintassilgo, que canta bonito e só. Quem souber dosar os componentes da equação do segundo turno, terá condições de fazer uma boa previsão sobre os candidatos com passaporte garantido.

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