A (des) esperança e a sexualidade

Problemas de impotência sexual vinham ganhando terreno em nosso país com a sucessão das crises e o aumento dos índices de desemprego, de achatamento salarial e de violência urbana, colaborando para a dissolução de casamentos e provocando ansiedade, estresse e, principalmente, a falta de esperança em dias melhores.

Com a mudança de governo e a volta da esperança, um pouco mais de otimismo (ou um pouco menos de pessimismo) voltou a surgir no horizonte, mas esse sentimento começou a tornar-se de desesperança com o passar dos meses e a constatação de que nada havia mudado no geral.

Mas, pelo menos, fortalecia-se o sentimento de que este é ou era um governo diferente dos anteriores, sentimento esse que começa a desvanecer-se agora com o “Waldogate” e os seus desdobramentos para impedir a instalação das CPIs investigativas por parte do governo e dos seus aliados de ocasião ? ou alguém duvida que, no frigir dos ovos, os hoje aliados fisiológicos não irão se bandear para a oposição, ou ao menos para uma confortável posição de neutralidade, abandonando o governo à própria sorte, como ocorreu com o collorido ex-presidente?

Especificamente em relação ao sexo, podemos afirmar, com base em nossa atividade clínica, que todos nós estamos sendo afetados pela crise de valores que abala o governo da esperança ? uns mais, outros menos.

A plena sexualidade depende de um elevado grau de felicidade íntima de cada parceiro, e é sabido que não se pode ser plenamente feliz em meio ao aumento do desemprego, à queda do poder aquisitivo, à manutenção de uma política econômica que privilegia o capital especulativo e os banqueiros e ao desbragado aumento das condições subumanas de vida de parcela cada vez mais significativa da população.

A esperança está perdendo a luta e, pior, a credibilidade, o que nos ajuda a entender o resultado da pesquisa encomendada ao Ibope pela presidência da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público. Dos dois mil entrevistados em 145 municípios, perguntados sobre quais as instituições que têm maior credibilidade, 74% deram o primeiro lugar à Igreja Católica, mas imediatamente seguida pelas Forças Armadas, com 73% e a Imprensa (72%). Os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), dividem a lanterninha, perdendo em credibilidade até mesmo para as polícias.

Depois da desesperança, pelo jeito, pode nos aguardar uma nova saída dos militares dos quartéis, mesmo porque, para o homem da rua, o poder militar está indissoluvelmente associado ao período do “milagre econômico”, o que hoje provoca saudades na maioria da população.

Mas, considerações sócio-políticas à parte, e voltando à seara da nossa especialidade médica, sendo a relação sexual a mais intensa demonstração de amor ao próximo, ela só pode ser ampla, geral e irrestrita à medida em que estejamos cercados de paz, do sentimento de justiça, de fé no próximo e, sobretudo, de esperança. O tratamento clínico ajuda, mas não há medicação capaz de superar a nossa frustração e a nossa desesperança.

Márcio Dantas de Menezes é cirurgião vascular e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Sexual (mdm@sercomtel.com.br)

Voltar ao topo