A armadilha da greve em serviços essenciais e os direitos da população

“As greves nos serviços essenciais: direitos sindicais e direitos da população” foi o tema de seminário internacional realizado no Rio de Janeiro, dias 25 e 26 de novembro de 1991, promovido pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL) e Central Única dos Trabalhadores (CUT). Fui honrado com o convite do sociólogo Herbert de Souza (Betinho), então secretário-executivo do IBASE, para, na condição de deputado federal do Partido dos Trabalhadores, participar dos debates e expor minhas idéias sobre o difícil tema. Retorno àquelas análises, quase treze anos depois, diante dos debates que se renovam no País sobre as greves nos organismos públicos que atingem os serviços essenciais relativos à segurança, saúde, previdência, fiscalização, polícia federal, educação, e de que modo são atingidos os direitos da população. Pouco, ou nada, se avançou sobre a questão, sempre relegada a segundo plano, embora seja fundamental a regulamentação do exercício da greve nos serviços públicos em geral e nos essenciais em especial.

Antes de adentrar o tema, faz-se necessário situar o quadro político, econômico, social e legal onde as greves acontecem hoje (1) face a um governo eleito pela esmagadora maioria dos servidores públicos federais (2) diante da reforma da previdência que atingiu aos direitos desses servidores (3) severo e profundo arrocho salarial a que têm sido submetida a categoria ao longo dos anos de governos neoliberais (4) o desmanche sistemático dos serviços públicos e as más condições de trabalho de grande parte dos servidores também face à política neoliberal (5) a salvaguarda constitucional ao direito de greve do funcionalismo público, mas a inexistência da regulamentação do exercício desse direito (6) a falta de uma linha condutora definida do Judiciário sobre a questão (8) a inexistência de uma normativa administrativa norteadora da administração pública (9) a inexistência de organismo público específico negociador com as entidades sindicais dos servidores (10) a grande carência social para a qual os serviços públicos são imprescindíveis, entre outros pontos. Esta enumeração, embora parcial e indicativa, é suficiente para visualizar a complexidade do tema.

Essa complexidade levou ao que Herbert de Souza, o Betinho, denominou de “armadilha”, como afirmou no referido seminário: “Não passa pela cabeça de ninguém negar que todas, literalmente todas, as reivindicações salariais ou de condições de trabalho colocadas pelos servidores públicos desses setores são justas. Ganham mal, ganham pouco, trabalham em péssimas condições e não têm perspectivas em suas carreiras funcionais. Não se trata portanto de discutir sobre a justiça ou justeza dessas reivindicações. Trata-se, no entanto, de nos perguntarmos como sair dessa armadilha. Armadilha na qual a classe dirigente arma o tiro e o setor assalariado puxa o gatilho contra o seu próprio peito, de sua categoria e, principalmente, de sua classe social” (in “Greve nos Serviços Públicos”, Câmara dos Deputados, separata n.º 192/91).

Nosso posicionamento assinalava, na mesma oportunidade: “A contradição entre o direito de greve e o direito da população no que concerne à vida, saúde e segurança das pessoas, deve ser resolvida em favor da comunidade. A greve em serviços e atividades essenciais deve estar severamente limitada por rígidas regras de controle da comunidade, uma vez que se tratam de serviços que lhe são fundamentais. No Brasil, a aplicação deste conceito tem sido inexistente em grande parte das greves decretadas em setores essenciais. Tem prevalecido, em muitos casos, os interesses corporativos de determinadas categorias, em detrimento da população, que não vê respeitados seus direitos mínimos. As greves nos setores da saúde, transporte, gás, captação de lixo, têm desrespeitado os direitos da população, ocasionando graves prejuízos a milhões de pessoas.” (idem)

Apresentei as seguintes recomendações ao debate e às entidades promotoras do evento: ” (a) a nível parlamentar – pelo reestudo da legislação em vigor e a aprovação de uma legislação em padrões democráticos para a greve nos setores essenciais privado e público (b) a nível sindical – pela auto-regulamentação da greve em serviços e atividades essenciais a partir das próprias entidades sindicais de trabalhadores (c) a nível social – pelo debate pelas entidades de âmbito social, de defesa dos interesses e direitos da população, das condições do exercício de greve nos serviços e atividades essenciais e do sistema de controle democrático (d) a nível jurídico – pelo estudo dos especialistas em questões sindicais e jurídicas da revisão da lei de greve e das especificações sobre greve nos serviços e atividades essenciais à luz da experiência internacional e das decisões dos Tribunais (e) a formalização de uma comissão permanente destes setores para a análise concreta da matéria em nível de prática sindical e da teoria do direito de greve, para a formulação das propostas sobre a matéria” (idem). Estas indicações ainda são atuais.

Passados os governos neoliberais que sucatearam o serviço público e transitaram do desinteresse e descaso para a criminalização do movimento e da greve dos servidores públicos e dos trabalhadores da administração indireta, cabe retomar o estudo e a solução da questão da greve nos serviços públicos essenciais. Não se pode esperar os debates da reforma sindical e da legislação sobre composição de conflitos. As greves no serviço público em setores essenciais trazem a contradição entre o dever de servir à população e o direito de reivindicar melhores condições de salário e de trabalho. Se não enfrentarmos já esta questão, permaneceremos à mercê dos movimentos sem controle e destino incerto. Ou seja, sob pena de continuarmos presos na armadilha denunciada por Betinho há mais de uma década.

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OJ 01-TST – O Tribunal Superior do Trabalho contribui de modo decisivo para o debate do tema da greve ao adotar o posicionamento de cancelar a Orientação Jurisprudencial n.º 01. A Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho decidiu cancelar a OJ n.º 01, que tratava da abusividade da greve, que estava em vigência desde 27 de março de 1998. A Orientação cancelada tinha a seguinte redação: “O ordenamento legal vigente assegura a via da ação de cumprimento para as hipóteses de inobservância de norma coletiva em vigor, razão pela qual é abusivo o movimento grevista deflagrado em substituição ao meio pacífico próprio para a solução conflito” (fonte: Notícias,TST)

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DRA. LÍDIA GUEVARA EM CURITIBA – A Associação Brasileira e a Associação Paranaense dos Advogados Trabalhistas trazem a Curitiba a Dra. Lídia Guevara, jurista e professora universitária em Cuba, no dia 17 de maio, para pronunciar palestras e reunir com os operadores do Direito e sindicalistas. *** Suspensa a Portaria 160 do Ministério do Trabalho que impedia o recolhimento das contribuições assistenciais pelas entidades sindicais dos trabalhadores, pela Portaria n.º 180, de 30.04.2004. Entretanto, o deputado Luiz Carlos Haully (PSDB-PR) propós a revogação da Portaria por ser inconstitucional, através do Decreto Legislativo nº1.216/04. *** De 25 a 27 de maio a FETAEP e a CONTAG realizam reunião em Curitiba para debate dos temas da atualidade sindical, política e econômica e em preparação ao Grito da Terra. *** Divulgado excelente artigo do presidente da Anamatra, juiz do trabalho Grijalbo Fernandes Coutinho, sob o título “The Economist-Críticas ao Judiciário são ecos do capital internacional”, no Consultor Jurídico de 1.º de maio. *** Em entrevista sobre o Primeiro de Maio, o Delegado do Trabalho Dr. Geraldo Serathiuk, analisou as políticas de atração de investimentos adotadas no Paraná, afirmando que “a vinda das empresas de alta tecnologia, que usam pouca mão-de-obra, trouxe crescimento econômico mas dobrou a população da Região Metropolitana de Curitiba, trazendo como conseqüência desemprego e criminalidade”. *** Cresce o movimento pela criação de Central Sindical que reúna as Federações e Sindicatos de Trabalhadores vinculados às Confederações de Trabalhadores, dentro da linha de defesa do sistema confederativo e da unicidade sindical. *** Dias 05 e 06 de junho realiza-se na sede da CUT nacional, em São Paulo, a 2ª Conferência Nacional em Defesa do Emprego, dos Direitos, da Terra e do Parque Fabril Brasileiro. Um dos temas em debate refere-se ao sistema de controle administrativo e operacional, pelos trabalhadores, das fábricas em estado pré-falimentar, como sucedeu recentemente em Curitiba com a intervenção judicial em favor dos operários, em ação civil pública promovida pela Procuradora Margareth Mattos de Carvalho em relação à empresa Diamantina Fossanese.

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