A adoção e o direito a alimentos do pai biológico (final)

O referido acórdão faz menção, para fundamentar a posição adotada, acerca de precedente da corte da lavra do Ministro Eduardo Ribeiro, a qual se transcreve para melhor compreensão:

Adoção. Investigação de paternidade. Possibilidade.

Admitir-se o reconhecimento do vínculo biológico de paternidade não envolve qualquer desconsideração ao disposto no artigo 48 da Lei 8.069/90. A adoção subsiste inalterada. A lei determina o desaparecimento dos vínculos jurídicos com pais e parentes, mas, evidentemente, persistem os naturais, daí a ressalva quanto aos impedimentos matrimoniais. Possibilidade de existir, ainda, respeitável necessidade psicológica de se conhecer os verdadeiros pais. Inexistência, em nosso direito, de norma proibitiva, prevalecendo o disposto no artigo 27 do ECA. (REsp 127.541/RS, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10.04.2000, DJ 28/8/2000 p. 72)

Inevitável concordar com o entendimento do Ministro Eduardo Ribeiro em que a adoção romperia tão somente os vínculos jurídicos, mantendo-se os naturais, ou seja, a origem genética, materna e paterna do menor.

Nessa seara que se faz necessário à distinção entre o direito ao estado de filiação e a origem genética. O que constitui a uma pessoa o direito aos alimentos, em nosso entendimento, é tão somente a filiação e não a sua origem genética.

Segundo Paulo Luiz Netto Lobo, ?o estado de filiação é a qualificação jurídica dessa relação de parentesco, atribuída a alguém, compreendendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados?.

Em tempos não muito remotos, a filiação somente era reconhecida em razão de sua origem genética, ou biológica, época em que se fazia a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, incestuoso e demais denominações discriminativas.

Com a nova ordem jurídica constitucional, tais distinções foram abolidas, reconhecendo a Constituição Federal a igualdade de filiação, passando estado de filiação ser o gênero do qual são espécies a filiação biológica e a não biológica.

A filiação não biológica é o que se passou a chamar de filiação socioafetiva, pois que tem sua origem na afetividade entre as pessoas envolvidas no seio familiar. Predomina hoje, entendimento de que a prevalência da filiação se dê pela afetividade e quando necessário inclusive em detrimento da biológica. Ou seja, o pai é aquele que dá carinho, educação, alimentos, que cumpre com todos aqueles deveres dispostos no artigo 22 do ECA, independente de ser o pai biológico ou não.

Compartilhando desse entendimento é que Paulo Luiz Netto Lobo, diz que:

No Direito brasileiro atual, com fundamento no art. 227 da Constituição Federal e nos arts. 1593, 1596 e 1597 do Código Civil, consideram-se estados de filiação ope legis:

a) filiação biológica em face de ambos os pais, havida de relação de casamento ou de união estável, ou em face do único pai ou mãe biológicos, na família monoparental;

b) filiação não biológica em face de ambos os pais, oriunda de adoção regular; ou face do pai ou mãe que adotou exclusivamente o filho;

c) filiação não biológica em face do pai que autorizou a inseminação artificial heteróloga.

[…] Em qualquer dos casos, o estado de filiação poderá ser substituído, em razão de adoção superveniente do filho por outros pais.

Ainda completa o respeitável doutrinador afirmando que ?Os estados de filiação não-biológicos, referidos nas alíneas b e c, são irreversíveis e invioláveis, não podendo ser contraditados por investigação de paternidade ou maternidade, com o fundamento na origem biológica, que apenas poderá ser objeto de pretensão e ação com fins de tutela do direito da personalidade?.

Nesse ponto é que a doutrina avança para diferenciar o direito de filiação disposto no artigo 27 do ECA, que dispõe ser direito personalíssimo, indisponível e imprescritível o reconhecimento do estado de filiação do direito à origem genética.

Segundo novos conceitos adotados para o reconhecimento da filiação, hodiernamente a origem genética não mais é papel legitimador da mesma, passando a integrar o direito da personalidade.

O que o artigo 27 do ECA busca garantir é o direito de filiação do menor, o que vai decorrer de seu estado de filiação, seja ela biológica ou não biológica, mas o que não se pode negar igualmente é o direito ao conhecimento de sua origem genética como integrante de seu direito de personalidade, o direito de saber quem são seus pais biológicos, a história de saúde deles para assim ter condições de se prevenir à própria vida, inserindo-se, portanto, no seu direito à vida.

Portanto, como conclui Paulo Luiz Netto Lobo, ?a paternidade biológica não determina a paternidade jurídica?.

4.2. Do ônus de prestar alimentos.

Assim, a exegese do presente estudo caminha no sentido de que no caso concreto em análise, o direito de filiação do menor estava bem delineado pela adoção e afetividade que recebia de sua mãe adotiva, sua família estava constituída e o vínculo rompido com os pais e parentes biológicos.

Corrobora o entendimento de que o vínculo jurídico estaria rompido pelo fato de que no momento em que o menor fora colocado em abrigo para fins de adoção, quem exercia o pátrio poder era sua genitora, a única a constar no assento de nascimento do menor. Logo, ela tinha todo o poder de decisão, em especial de se colocar a criança para adoção, desfazendo-se do vínculo existente entre ambas.

Diante disso é que os direitos decorrentes da filiação deveriam ser suportados pela mãe adotiva e seus parentes, os quais passaram, no momento da formalização da adoção, ou, melhor ainda, quando da formalização da filiação pela afetividade, a serem de igual forma parentes do menor.

Assim é que, na hipótese do pai ou mãe adotivo não ter condições de suportar os alimentos em relação ao filho, é dever dos avós suportar tal ônus ou, ainda, dos demais parentes em linha reta ou colateral, os quais a legislação infraconstitucional assegura tal dever (artigo 1694 do Código Civil).

Ainda que a decisão ora em análise fundamentada em precedente também citado, reconheçam que o rompimento do vínculo jurídico não é total entre o menor e seus pais biológicos, entendemos que na hipótese de necessidade de alimentos pelo menor, em razão dos pais adotivos não suportarem tal ônus, repassar esse ônus aos pais biológicos deve se constituir na última ratio, quando não haja mais nenhum parente da família adotiva, que é a verdadeira família do menor, a que possa prestá-lo.

4.3. Direito a reconhecimento genético.

Contudo, tal entendimento ora esposado não retira do menor seu direito ao reconhecimento de sua origem genética, como ensina Paulo Luiz Netto Lobo, que passou, em razão da concepção da filiação afetiva, a configurar no rol dos direitos da personalidade.

Portanto, no caso em discussão se compreende o direito do menor em buscar o reconhecimento de sua origem genética, saber quem é seu pai, mas não lhe faz jus o reconhecimento da filiação em relação ao pai biológico, pois que essa já estava configurada em relação a sua mãe adotiva e na constituição de sua família monoparental que foi reconhecida pela justiça e ordenamento jurídico e que também é reconhecida como irrevogável pelo Estatuto do menor.

Nesse sentido ensina Paulo Luiz Netto Lobo ?ao ser humano concebido fora da comunhão familiar dos pais socioafetivos, e que já desfruta do estado de filiação, deve ser assegurado o conhecimento de sua origem genética, ou da própria ascendência, como direito geral da personalidade, conforme decidiu o Tribunal Constitucional alemão em 1997, mas sem relação de parentesco ou efeitos de Direito de Família tout court.?

E ainda completa, aduzindo que, ?em suma, a identidade genética não se confunde com a identidade da filiação, tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo?.

5. Conclusão.

Isso posto, é que, data venia, discordamos parcialmente da decisão prolatada e que ora foi analisada, pois que a nosso ver, é direito do menor o reconhecimento de origem genética, mas que no caso em tela, não lhe poderia atribuir os direitos decorrentes de filiação, pois que essa estava consagrada em relação à terceira pessoa.

Ademais, é prestadio referir que em dito decisório criou-se uma anomalia jurídica quando, reconhecida a filiação biológica, sem o desfazimento da adoção, passou a adolescente a contar, oficialmente, com uma mãe adotiva e um pai biológico os quais, embora ?dividam? a filiação, muito provavelmente nunca tenham tido qualquer tipo de contato.

Ressalte-se, ainda, que o prestígio a tais posicionamentos coloca a família formada pelo vínculo de adoção em situação de inferioridade frente à família biológica uma vez que busque o Judiciário, a todo custo, forçar o vínculo sanguíneo como se este fosse o único modo de formação de uma família verdadeiramente legítima o que, data venia, não se coaduna com a visão pluralista de família, albergada constitucionalmente.

Ainda, na forma relatada acima, mesmo a pessoa a quem estava atribuído o estado de filiação do menor não tivesse condições de arcar com o ônus dos alimentos, o pai biológico seria a última ratio, o último socorro a quem esse poderia buscar, cabendo esse dever primeiramente aos demais parentes do menor, em linha reta ou colateral até o grau determinado pela lei.

Referido posicionamento, guarda relação com o princípio norteador do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois procura a proteção do menor, porém, de igual forma procura se amoldar ao que hoje é reconhecido como filiação e seus direitos e deveres decorrentes, bem como, ao reconhecimento de entidade familiar formada pela adoção, protegida pela Constituição Federal e ordenamento infraconstitucional.

Diego Saborido Gazziero é advogado, pós-graduado em Gestão de Direito Empresarial pela Faculdades Bom Jesus – FAE Business School.

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