Toquinho lança disco inédito depois de 10 anos

Uma frase maldosa surgida na época da morte de Vinícius de Moraes, em 1980, dizia que o problema não era tanto a ausência do Poetinha, mas ter de agüentar Toquinho sozinho. Pois o paulistano nascido Antonio Pecci Filho, parceiro de dez anos e mais de 100 músicas de Vinícius, não só seguiu o seu caminho com naturalidade e galhardia, como reaparece agora com Só Tenho Tempo Pra Ser Feliz, recém-gravado pela Movie Play, e que vem a ser o primeiro disco de músicas inéditas desde O Viajante do Sonho, de 1992.

O título pode soar nostálgico, de uma urgência sombria, mas na verdade denuncia um artista bem resolvido, farto de picuinhas, disposto apenas a saborear a maturidade – pessoal e artística – e curtir a família. E Toquinho volta em plena forma, com cara de Toquinho – sem a sombra do mestre. Se lhe falta a genialidade das letras do Poetinha, sobram-lhe sensibilidade, talento, lirismo e simplicidade. Sem falar no bom gosto.

O disco mal começa a tocar e você já nota as impressões digitais do artista. A música – Esquece – é nova, mas estão lá os arranjos refinados, o astral lá em cima e as harmonias costuradas com esmero, marcas registradas de Toquinho. A música começa como um chorinho antigo, com clarineta e tudo, e cai num sambão animado, “cheio”, tipo enredo de escola de samba. Com sua voz macia, ele dá um “fora” com luva de pelica: “Esquece, meu amor, esquece / Esquece que eu não vou mais te esperar / O tempo foi passando e acontece / Que já existe outra em seu lugar”.

Em seguida vem uma balada linda, uma canção delicada como Aquarela e as suas melhores composições para crianças. Pudera: Canção pra Jade é uma declaração de amor para a filha recém-nascida. A faixa seguinte, Jeito Simples de Ser, tem o tempero nordestino da sanfona de Dominguinhos, e mais mensagens otimistas na letra: “Olhe pra você / Não pro teu vizinho / Que o tempo que passa / Não vai nunca te esperar”.

Receita de Felicidade, a próxima, usa o manjadíssimo recurso da “receita” (explorado antes por Renato Russo e outros tantos) numa balada típica do artista. Na seqüência vem outro delicioso chorinho, Em Primeiro Lugar, cuja letra pode causar um certo mal-estar nas mulheres mais românticas: “Em primeiro lugar / Eu quero a graça de Deus / Em segundo lugar / Quero saúde, que Deus me ajude / Em terceiro, eu quero dinheiro / Em quarto lugar / Quero a mulher…”.

Domenico Modugno

A sexta faixa, Distância, é uma versão de Toquinho para uma canção do italiano Domenico Modugno, transformada em samba. O lado “pollyanna” reaparece na faixa-título, em versos como “Quem souber olhar em torno e ver / Com os olhos sábios de aprendiz / Vai estar de bem com a vida / Vai achar uma saída / Vai um dia ser feliz”. A seguir vem Caso Encerrado, parceria com Paulinho da Viola que já tinha sido registrada no disco ao vivo Sinal Aberto, lançado em 1999.

O CD deixa de ser cor-de-rosa em Lindo e Triste Brasil -“Minha gente é gente desse País / Povo lindo, chora rindo, canta na Sapucaí / Entre enredo e passista / Misturam-se médico, artista e gari” – com direito a homenagem a Chico Mendes e citação do Hino Nacional. E o disco segue assim, alternando baladas piano-e-violão (Além do Portão), sambinhas melodiosos (Vem Viver), sambas com pitada de jazz (Quem?), até desembocar numa delicada canção de ninar (ou despedida?) – Até Logo, Companheiro – que termina lúgubre: “Adeus, amigo, sem mãos nem palavras / Não faças um ar tão pensativo / Se morrer, nesta vida, não é novo / Tampouco há novidade em estar vivo”.

As exceções são Na Chama da Cama e Nas Asas de um Instrumento, que mostram Toquinho enveredando por caminhos inusitados: a primeira é uma salsa “caliente”, com percussão e batida caribenha, e a segunda um ska suingado, com base de piano e solo hispânico. O resultado é interessante e inesperado. Só Tenho Tempo pra Ser Feliz, enfim, é um disco muito agradável, bem feito, e que mostra Toquinho de bem com a vida. Em resumo: uma boa trilha sonora para um bate-papo com os amigos ou um chamego com a(o) namorada(o).

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