São crianças como você

?O que você vai ser quando crescer? é frase que permeia a infância de qualquer ser humano, desencadeando sonhos e respostas rápidas, que duram tanto quanto paixões adolescentes.

Há alguns anos, o filósofo Olavo de Carvalho dizia-se desiludido com a forma como sua geração – a de FHC – ocupara e desempenhara seu papel no governo do País. Acredito que, como ele, haja muitos cinqüentões bastante entristecidos com o rumo que o governo do PT tomou, deixando-nos (a todos) com uma grande ressaca cívica, oriunda da não-realização dos sonhos acalentados pela geração que se tornou adulta durante os anos 70s. Muitos daqueles que a representaram na luta contra a ditadura militar sentam-se agora no banco (dos réus ou da ?reserva?), aguardando suas sentenças ou vendendo seu silêncio por aposentadorias milionárias.

Minha própria geração (sou nascido em 1969), salvo exceções, ainda não dirige os caminhos do País – seja na política, na economia ou na cultura. Crescemos sob o terror do silêncio imposto pela maioria dos pais de classe média dos anos 70s, para quem falar de política era ?perigoso?. Durante os anos de escola, apesar da influência dos livros didáticos orientados ou censurados pelos militares, creio que a maior parte de nós teve a sorte de encontrar professores que, recém-saídos de um período de grande silêncio, souberam enxergar as imensas mudanças – culturais e sociais – pelas quais o Brasil passou durante a ?abertura?, ensinando-nos a pensar como seria um novo País. Já na faculdade, porém, desencantamo-nos ao ver que toda atividade política se resumia a tomar parte (ou não) de diretórios acadêmicos ou associações invariavelmente partidários, pouco preocupados com o que deveria ser o cerne da formação política do universitário brasileiro: a defesa da própria universidade. Desta forma, coube aos ligeiramente mais novos que nós – os adolescentes ?caras-pintadas? – ir às ruas ajudar a cavar a sepultura do marajá das Alagoas, sob nosso olhar desatento.

Mas não, este não é um artigo sobre política. Nem sobre a História recente do País. O que me aflige, beirando os quarenta, é definir o que é ser adulto.

O que talvez nos leve a pensar que sim, estamos falando de História e Política, com maiúsculas; pois de que se tratam os caminhos que ambas percorrem senão da história de indivíduos que um dia sonharam, fizeram por onde e hoje (ou amanhã) ocupam (ou ocuparão) lugares de destaque na sociedade, voltando assim ao tema principal, que é o ?tornar-se adulto??

Lembro-me de avós, meus e de outros contemporâneos, e permito-me perguntar se -desprezadas as diferenças entre gerações, hoje tão diluídas – nós, os vivos e adultos, estamos sabendo viver. Também me permito generalizar a resposta: Não. O que vemos hoje são o despreparo e o desencanto dos jovens, alijados que foram do conceito de ?família? pela banalização do divórcio e da reprodução solitária; a competitividade insensata e a solidão dos que lutam pela vida no auge de suas capacidades física e mental; a mercantilização dos objetivos daqueles que logram (ou acham) ?ter chegado a algum lugar? através do trabalho ou a banalização da cobiça e da corrupção entre aqueles que ainda tentam; o desamparo e a desilusão daqueles que ?trabalharam honestamente a vida inteira e agora não têm mais direito a nada? dos idosos (para citar Renato Russo – como no título deste texto – não por acaso o poeta de mais de uma geração de conterrâneos).

Não mais histórias enobrecedoras de ascensão social pelo trabalho honesto, não mais ídolos que signifiquem alguma ruptura com o status quo, ou encarnem ideais humanitários, não mais caminhos que levem aos nossos objetivos, não mais líderes representativos das várias correntes de pensamento que nossa sociedade produz, não mais intelectuais de formação e cultura vastas.

O que vemos hoje é uma explosão de mediocridade escondida por trás de carreiras técnicas, selos de qualidade (total?), processos de ?acreditação? e títulos de valor duvidoso. É a banalização da vulgaridade (como nos programas de televisão), o elogio da criminalidade (como no funk carioca), a idolatrização de estereótipos de fama que não correspondem a absolutamente nada. A derrocada da cultura e da inteligência.

Não sei o que esperar de minha geração. Como cresceremos? Como daremos conta do imenso desafio que será tomar o comando de nossos negócios (e do País) nesses dias de globalização e mudança, se não sinto termos o estofo necessário para dar conta de nossas próprias vidas?

Sinto falta de um manual, escrito pela fria pena de antepassados mais estóicos: aqueles que um dia souberam nos colocar em seus colos e mostrar que a vida era boa, digna de ser vivida e passível de ser digna. Olho em volta e não encontro (quase) ninguém que não se tenha perdido entre o final do outro século e o começo deste. Vejo crianças como eu e você.

Renato van Wilpe Bach é médico e escritor.

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