‘Rastros de Ódio’ está de volta aos cinemas

John Ford ganhou quatro vezes o Oscar de direção. Em duas delas, somou ao troféu também o prêmio de melhor filme – em 1935, com O Delator; em 1941, com Como Era Verde Meu Vale. Nas outras duas, a Academia separou as duas categorias. Em 1940, Ford foi melhor diretor por As Vinhas da Ira e o melhor filme foi Rebecca, a Mulher Inesquecível, de Alfred Hitchcock. Em 1952, foi best diretor por Depois do Vendaval, mas o melhor filme foi O Maior Espetáculo da Terra, de Cecil B. de Mille. O curioso é que Ford, que se considerava acima de tudo um diretor de westerns, nunca venceu por seu gênero preferido. O western, que já foi chamado de gênero por excelência do cinema norte-americano – pela crítica francesa dos anos 1950 -, é o patinho feio nas escolhas da Academia. Uma pesquisa da revista Total Film aponta que, em toda a história do Oscar, drama (40%), musical (12%) e até comédia (10%) têm sido os gêneros com maior número de vitórias. Os faroestes contabilizam apenas 2%.

Em 1956, a Academia deveria ter dado a Ford seu quinto Oscar de direção e o terceiro de melhor filme, por Rastros de Ódio. Os acadêmicos preferiram, de novo, divorciar os prêmios. George Stevens ganhou por Assim Caminha a Humanidade/Giant seu segundo Oscar, após o de Um Lugar ao Sol, de 1951, mas o melhor filme foi… Está sentado, não corre o risco de cair? A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Michael Anderson, que pode até ter certa graça, mas não é melhor de coisa nenhuma. Há um culto a Rastros de Ódio/The Searchers. Martin Scorsese, George Lucas, Jean-Luc Godard – todos colocam a tragédia do individualista Ethan Edwards no seu panteão de filmes preferidos, no panteão dos maiores filmes do cinema. Neste final de semana, a rede Cinemark apresenta The Searchers na sua programação de clássicos restaurados. É um programão.

Justamente por seus westerns, mas também por dramas sociais como Vinhas da Ira, John Ford ganhou a etiquetas de Homero de Hollywood. seus filmes narram epopeias de grupos – odisseias de colonos, soldados, índios, eventualmente de pobres descendentes de colonos, os deserdados da terra de Vinhas da Ira.

Rastros de Ódio também narra uma odisseia, mas o homem que vaga pelo Velho Oeste é o solitário Ethan de John Wayne. Ele é solitário até na companhia de Martin Pawley (Jeffrey Hunter), que divide com Ethan o fardo de procurar a sobrinha do outro, sequestrada pelos índios e transformada num deles. O começo e o final do filme são antológicos – uma porta que se abre e outra que se fecha. Quando ela se abre – para a monumental paisagem de Monument Valley, o solo sagrado de Utah em que Ford filmou seus westerns -, Ethan Edwards está voltando da guerra. Rapidamente percebemos que ele amava a agora cunhada. Não demora muito e a casa é destruídas num ataque dos peles-vermelhas, que chacinam a família e levam a garota, Debbie. Ethan a procura – para matar. É um racista que não suporta a ideia de que ela tenhas sido feita mulher pelo chefe índios. Martin está ali para tentar impedi-lo.

Num texto clássico, nos anos 1960, Godard perguntou como podia odiar o conservador John Wayne, que na presidencial de 1964 apoiava o republicano Barry Goldwater, e ao mesmo amá-lo com tanta intensidade no desfecho de Rastros de Ódio, quando ela abre os braços para acolher Debbie, agora convertida em Natalie Wood? Analisando a obra de Ford, os críticos dizem que ele, por meio de suas epopeias de grupos, criou um conceito de nação – a América -, além de mostrar como é difícil construir uma civilização. O personagem de Ford busca seu lugar no mundo, tanto pode ser um pedaço de terra como uma cadeira de balanço (o Hank Worden desse filme extraordinário). No desfecho, depois de reintegrar a sobrinha à vida comunitária e social, Ethan não entra na casa. A porta vai se fechar sobre ele, que fica lá fora. Cumpre-se a tragédia do mocinho, que honra sua missão, mas permanece solitário, individualista.

Inatingível? Esse final grandioso inspirou outro admirador do filme, Steven Spielberg. Basta comparar com o desfecho de Tom Cruise no admirável Guerra dos Mundos.

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