‘Rainhas do Orinoco’ mostra duas artistas mambembes

Mais reconhecido dramaturgo mexicano de sua época, Emilio Carballido (1925-2008) fez do mar uma constante em sua obra. Em vários de seus textos, o oceano aparece como cenário. No caso de Rainhas do Orinoco, porém, é um rio que merece protagonismo. E esse talvez tenha sido um dos traços a permitir que Gabriel Villela se sentisse tão à vontade ao encená-lo.

Quando fala de suas motivações e referências, o diretor mineiro recorre ao universo delineado por Guimarães Rosa não apenas em Grande Sertão: Veredas, mas sobretudo em a Terceira Margem do Rio, talvez o mais célebre conto do autor. Obra que também lhe serve de esteio na literatura brasileira é Vem Buscar-me Que Ainda Sou Teu, de Carlos Alberto Soffredini.

Em 1990, Villela assinou a direção de uma montagem dessa peça. Com uma trama que retrata uma família de circenses, o texto já apresentava vários dos elementos que o encenador agora reencontra: a arte popular, a escrita que cambaleia entre o prosaico e o lírico, o drama filtrado pelo humor, certa veia de ingenuidade. “O que me permite voltar àquele universo naïf, de leveza, que já estava lá apontado”, crê o diretor.

Quem estava presente em Vem Buscar-me Que Ainda Sou Teu e volta a marcar presença em Rainhas do Orinoco é o ator e musicista Dagoberto Feliz. Ao longo da encenação, ele acompanha as personagens Mina (Walderez de Barros) e Fifi (Luciana Carnieli) ao acordeom e ao piano, além de assinar os arranjos musicais das canções, executadas ao vivo.

Ao escrever a peça, Carballido já a havia concebido como comédia musicada, com números a entremear as cenas. A atual versão, porém, altera o repertório previsto. Marca do trabalho do diretor é o uso pouco ortodoxo e bastante autoral que faz das trilhas sonoras em seus espetáculos. Um grau de liberdade que lhe permitiu perscrutar, por exemplo, temas de procissões religiosas e serenatas das festas de Minas Gerais para embalar sua montagem de Romeu e Julieta. Em parceria com a preparadora vocal Babaya – com quem concebeu 29 peças -, Villela encontrou no repertório latino da dupla sertaneja Cascatinha e Inhana o tom para a saga das duas artistas que atravessam o Orinoco.

A literatura latino-americana é pródiga em eleger personagens marginais, lançando luzes às figuras que a conformação social costuma guardar nas sombras. Neste Rainhas do Orinoco se acompanha o percurso de duas criaturas à deriva. Tanto em sentido metafórico – sem rumo profissional – quanto literal – estão em um barco no qual todos os tripulantes desapareceram e seguem sem a certeza de que chegarão ao seu destino.

Jovem, a personagem Fifi conserva alguma fé no futuro, é solar e sempre crédula. Um nítido contraponto à sua parceira de cena. Mais madura, Mina encara com amargura o que lhe está reservado. Mas nem por isso perde a altivez, como se imbuída da certeza de que seu ofício, ancestral, a transcende e é maior que ela. “Hoje, acredita-se que ser artista é algo sofisticado, glamouroso. Essa personagem é uma oportunidade de voltar às raízes, de mostrar o verdadeiro significado de ser artista”, aponta Walderez de Barros. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Voltar ao topo