Quando a empolgação vai além da escuridão

tv41.jpgHá anos, o ator Marcos Frota não se empolgava tanto com um papel em novelas quanto agora. Assim que recebeu o convite de Glória Perez para fazer o Jatobá de América, tratou logo de reduzir boa parte de seus compromissos profissionais, como apresentação de eventos e a participação no circo. A partir de então, todos os espaços livres de sua agenda foram dedicados integralmente ao personagem. Entre outras coisas, aprendeu atividades práticas típicas do dia-a-dia de um cego, como manusear uma bengala e conviver com um cão-guia. ?Me disponibilizei completamente. Fiquei inúmeras vezes pensando em como seria o Jatobá. Tudo para chegar no set e dominá-lo?, explica, com um indisfarçável brilho nos olhos.

Só que não foi tão fácil assim ?domar? o personagem. Mesmo se preparando muito, Marcos não se livrou do ?friozinho na barriga? no primeiro dia de gravação. O nervosismo era tanto que não sabia sequer onde colocava a mão e, principalmente, para onde olhava. Sua desculpa para o impasse é ter acumulado muito conhecimento e informação. ?Eu parecia mais um estudante de pré-vestibular, que estuda muito e sabe tudo. Mas que, na hora ?H?, não sabe responder a pergunta mais fácil?, compara. Embora faça um cego espirituoso e nada derrotista, foi por muito pouco que Marcos Frota não o deixou depressivo e amargo. Aliás, essa foi uma das maiores dificuldades que ele enfrentou na hora da composição do personagem. Em pouco tempo, no entanto, conseguiu explorar outras nuances do Jatobá. ?Ninguém é cego por opção. Esse era o ponto-chave. Mesmo já sabendo o ?tom? exato do personagem, me dou nota sete. Ainda, tem muita coisa que me escapa?, avalia.

Aos 50 anos de idade e 25 de carreira, o ator gosta de falar da vida, do trabalho e da importância da profissão. Em tom tranqüilo, acredita que todos os seus projetos que deram certo foi porque foram feitos com paixão. E é justamente por ?estar apaixonado? pelo Jatobá que acha que vai fazer um bom trabalho. ?Tive momentos em que me esforçava para buscar o personagem e não conseguia. Hoje, sinto um despojamento que reflete na minha atuação?, torce.

P– Você interpretou um surdo-mudo em O Sexo dos Anjos, um deficiente mental em Mulheres de Areia e, agora, faz um cego em América. A que você atribui essa inclinação para tipos que lutam para superar seus limites?

R- Consigo explicar assim: é um querer terreno com uma vontade divina. Me coloquei em direção a isso e de repente se aproximou. E o mais engraçado é que todos eles vieram em ótimos momentos da minha vida. Atualmente, realizo um projeto no meu circo chamado Universidade Livre, que tem o espetáculo Somos Todos Brasileiros, integrado só por pessoas deficientes, como carro-chefe. Ao me envolver com isso, resolvi ser um pouco mais útil a essa causa. Não sou político, nem empresário e também não tenho nenhum interesse oculto por trás disso. Só que a única maneira que encontrei para me aproximar mais desse assunto foi interpretando um personagem. Comecei a desenvolver esse querer dentro de mim e em seguida a Glória Perez me ofereceu o Jatobá.

P – Mas de que maneira interpretar um cego pode ser útil para a sociedade?

R – Mesmo que a novela seja uma obra de ficção e passageira, as pessoas se identificam com os personagens dela. Por isso, ao assisti-la começam a dialogar mais sobre o assunto. Lembro o que a Glória fez em O Clone em relação às drogas. Ela não resolveu o problema das drogas no Brasil, mas essa questão entrou dentro das casas. Então, os pais que tinham dificuldade para tocar nesse assunto com os filhos, drogados ou não, tiveram um estímulo.

P – Quais são as recompensas pessoais que costuma ter com seus trabalhos?

R – Ah! São muitas. Pobre do ator que não vê no personagem uma possibilidade de enriquecimento. Aprendo muito com tudo que faço. Mas interpretar um deficiente é diferente. Todos me fizeram muito bem. Com eles, aprendi a me respeitar mais. Eu adoro você, mas prefiro a mim. Sem exageros. Só assim vou estar suficientemente abastecido para outra pessoa. Eu, Marcos, era um pouco desequilibrado nesse lado. Ou me derramava demais para um lado ou para outro. Essa medida é sinal de sabedoria.

P – Nesses 25 anos de carreira, quais são os autores de tevê com quem você mais se identifica?

R – Não dá para escolher um. Já trabalhei com todos e nunca tive problemas. Se a Globo é a maior rede de televisão no quesito dramaturgia, ela deve isso aos seus autores. Embora eu não tenha uma preferência exata, ultimamente ando impressionado com a Glória Perez. Acho fascinante o fato dela escrever uma trama sozinha. Sinto também que ela tem uma verdadeira relação de amor com os personagens. Leio os capítulos e percebo isso claramente. Não tenho nenhuma intimidade com ela. Aliás, quisera eu ser amigo dela. Mas fazer uma novela com a Glória é como estar no colo da mãe, porque ela vai cuidar.

P – Você já interpretou 18 personagens na tevê. Existe alguma característica comum entre todos eles?

R – Tenho 50 anos e me sinto um menino. Em todos meus personagens, se você for fazer uma leitura, eu os infantilizo um pouco. Isso é da minha natureza. Por isso, fica impossível não repassar isso para eles. Pedi até para as pessoas ficarem atentas para eu não infantilizar o Jatobá. Mas é impossível. Na cena que fiz na praia, era um garoto brincando na areia.

Pelos picadeiros da vida

Desde criança, Marcos Frota é fascinado pela arte do circo. Mesmo assim, nunca tinha se imaginado dentro de um picadeiro. Mas bastou interpretar um artista circense, em Cambalacho, para todo aquele fascínio virar paixão. Tanto que assim que encerrou a novela, o ator tratou de abrir o seu próprio negócio: ?Marcos Frota Circo Show?. No início, Marcos adotou a malha e aprendeu a equilibrar-se no trapézio. Só que hoje faz mais o papel de mestre-de-cerimônias, costurando uma atração à outra através de texto e poesia. ?Tudo começou como brincadeira, mas não consigo ficar longe deste segmento?, garante.

Marcos sempre quis diferenciar sua lona das demais espalhadas pelo Brasil. Por isso, cortou todos os números nos quais constam animais. Sua idéia é buscar a teatralização e transformar o picadeiro num grande musical, abrindo novos caminhos para malabares, equilibristas, trapezistas, contorcionistas, bailarinos e atores. ?A essência circense prevalece. Também não coloquei os animais porque exigem muitos cuidados. Não tenho ?tempo? para isso porque não sou dono de circo e, sim, ator que gosta de circo?, afirma.

 Aliás, Marcos enche a boca para dizer que não se considera um empresário. Muito pelo contrário. Mesmo sob o comando do circo, o ator jura que não entrou na área só para ganhar dinheiro. Tanto que a maior parte de seu trabalho no universo mambembe foi voltado para comunidades carentes. Inclusive, até hoje ele mantém lonas culturais na periferia de Fortaleza. ?Percebi que ia violentar minha alma se desse uma de empreendedor. Até porque artista não dá para fazer conta. E assim, caí para o lado social?, explica.

Da água para o vinho

Ao fazer um balanço de seus 25 anos de carreira, Marcos Frota constata que mudou drasticamente de postura profissional. Antigamente, não costumava ouvir as dicas dos colegas de trabalho… e, por ironia do destino, hoje é ele quem procura os conselhos. Entre outras mudanças, o ator procura sempre chegar nas gravações com o texto já decorado. Isto porque acredita que o artista só começa a interpretar um personagem a partir do momento em que se esquece do texto. ?Nem sempre foi assim. Mas não é porque sou veterano que posso fazer de qualquer jeito?, assegura.

 Nesses anos, Marcos contabiliza no seu currículo 18 trabalhos na tevê. Embora já tenha interpretado diversos tipos de personagens, o ator não esconde sua única preferência. Sem pestanejar, ele fala que o Tonho da Lua, de Mulheres de Areia, além de ser um papel inesquecível, marcou uma ótima fase de vida pessoal. ?Tinha acabado de ter filho, então coloquei na criação dele toda divindade da chegada de uma criança. Fora, o sucesso absurdo que ele fez?, explica.

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