Nachtergaele homenageia Jeca Tatu

Recife (AE) – Tônia Carrero não pôde ir ao Recife para receber, na quarta à noite, a homenagem que lhe prestou o 10.º Cine PE. Foi representada por Eva Wilma, que subiu ao palco do Cine-Teatro Guararapes para receber o prêmio da amiga.

Eva se emocionou ao recitar um poema de Fernando Pessoa sobre a arte do ator. Deixou uma lembrança muito melhor do que a oferecida por sua participação no filme de João Batista de Andrade, Veias e vinhos, exibido na quinta à noite. Andrade é um nome importante do cinema brasileiro, mas sua adaptação do romance de Miguel Jorge beira o desastre. Por meio da história de uma família chacinada na região central do País, em 1959, o diretor quis mostrar um mundo em processo de transformação, onde violência arcaica e progresso se chocam no quadro da construção de Brasília, ali perto. Veias e vinhos é, claramente, O caso dos irmãos Naves, mas não possui, quase 40 anos depois, um décimo da potência criativa do clássico de Luiz Sérgio Person,  cujo roteirista, Jean-Claude Bernardet, integra o júri do Cine PE deste ano.

Na quarta, após a homenagem à Tônia, o festival viveu um dos momentos mais bonitos de sua história, com a exibição de Tapete vermelho. O belo filme de Luiz Alberto Gal Pereira cresceu no Recife. Até o que parecia seu defeito – o desequilíbrio narrativo produzido pelo episódio do MST, quando a fábula de Gal vira dramalhão, segundo muitos críticos -, se revelou perfeitamente adequado. Tapete vermelho conta as histórias desse pai que cai na estrada com a mulher, o filho e o jumento, esperando realizar um sonho -exibir, para o menino, um filme de Mazzaropi. No caminho, entre outros episódios, a família topa com integrantes do MST, que sofrem a repressão policial. O episódio não fornece apenas o mote para que o personagem de Matheus Nachtergaele se acorrente na porta do cinema, como fazem os sem terra em Brasília. A idéia é mais complexa. Gal fez uma metáfora do cinema brasileiro, lutando por um espaço no mercado, um latifúndio ocupado por Hollywood.

Matheus é sublime no papel de Quinzinho, personagem que homenageia, nos mínimos gestos, o eterno Jeca Tatu. O próprio Mazzaropi se identificaria com Matheus na tela, mas existe uma interpretação ainda melhor que a dele. Gorete Milagres, como a mulher de Quinzinho, é genial. O júri pode escolher os premiados das demais categorias. O Calunga de melhor atriz já tem dona, na festa de premiação desta noite.

Na quinta, precedendo o filme de Andrade, foi exibido o documentário Meninas, de Sandra Werneck, que também integra a mostra competitiva. O filme focaliza o cotidiano de quatro meninas grávidas, que a diretora acompanha durante um ano. Uma delas fica viúva (e mãe de um filho de quatro meses) aos 13 anos quando o pai da criança morre num confronto com a polícia. Sandra vê nas famílias disfuncionais uma das origens do problema social brasileiro. Essas crianças parecem condenadas a ser, amanhã, meninos e meninas de rua. As mães adolescentes chegam a ser exasperantes, de tão infantis. Havia gente querendo subir na tela para dar uma coça nelas. O filme é documentário, mas tem uma estrutura ficcional. Entre as meninas, há uma envolvida num triângulo amoroso. Pela soma de expectativas e decepções de cada, pode-se dizer que Sandra refez Amores possíveis, que era uma bela ficção, como documentário.

Outro curta veio somar-se ao impactante Dramática, de Ava Gaetán Rocha, como destaque do formato no Cine PE. O amor do palhaço, de Armando Praça, baseia-se numa história real para traçar o retrato de um gay que abandona o circo para viver a vida que quer. O filme começa pelo fim, com o personagem já morto, na estrada. Também já temos melhor ator na categoria de curta. Luiz Miranda dá à sua Grete uma dimensão mais dilacerada que a de Madame Satã, no cult de Karim Aïnouz com Lázaro Ramos. O público adorou.

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