Marco da censura, disco ‘Calabar’ era pichação do nome de um traidor

O disco Calabar (1973), de Chico Buarque, merece capítulo à parte. “Essa capa foi censurada. Só existe uma prova de gráfica dela”, conta a artista Regina Vater, criadora do encarte do histórico álbum que traz a trilha sonora da peça escrita pelo músico e pelo cineasta e poeta Ruy Guerra. “Logo que a fiz, ganhei um prêmio e me mudei para os Estados Unidos. Soube lá que a capa do Calabar tinha sido censurada quando um amigo me mostrou a (revista) Veja”, lembra a carioca, que voltou a viver no Brasil.

“Foi um dos discos mais difíceis de encontrar”, diz o artista Bruno Faria, que considera essa obra das mais surpreendentes de sua pesquisa sobre a iconografia dos LPs brasileiros.

Na época, Regina Vater morava em São Paulo quando Ruy Guerra a convidou a realizar a capa do álbum. Como a artista destaca, ela havia acabado de realizar uma mostra com sua série dos Nós, de grande repercussão.

A criadora rememora que falava mais com Guerra sobre o trabalho. “Só vi o Chico (Buarque) bem depois de fazer uma espécie de rascunho. Fui ao lugar onde queria fazer a imagem para o Calabar e o fotografei para ver se eles aprovavam.” Na ocasião, ela encontrou o compositor no Rio. “Ele era muito tímido; me disse: ‘Muito obrigado pelo retrato'”, diverte-se.

A peça e o disco, inspirados na história de Domingos Fernandes Calabar, senhor de engenho que se aliou aos holandeses durante a invasão holandesa ao Brasil, colônia de Portugal, são considerados marcos da censura no regime militar. “Como Calabar foi um traidor, minha ideia foi pichar um muro no Bexiga com seu nome”, explica a artista. Mais ainda, ela fez, no Rio, uma fotografia de uma grande família fazendo um “piquenique no asfalto” para o interior do álbum. “A classe média brasileira estava anestesiada.”

Regina Vater conta, curiosamente, que, antes de Calabar, ela havia realizado uma aquarela que seria utilizada na capa do também histórico LP Tropicalia, de 1968. “O desenho era o corpo de uma mulher sem cabeça numa paisagem tropical, como fazia na época, uma coisa bem sensual.” A gravadora, entretanto, preferiu usar o projeto do artista Rubens Gerchman para o álbum. “Fiquei tão decepcionada”, ela afirma.

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