Lévi-Strauss relata as verdades das narrativas míticas

Monotonia e diversidade não andam juntas. Na obra Antropologia estrutural dois, Lévi-Strauss (1993) afirma que, num mundo ameaçado pela monotonia e uniformidade, existe a necessidade de olhar com respeito para a diversidade das outras sociedades, que escolheram como uma das formas de expressão os mitos.

Para entender melhor qual o sentido da diversidade, torna-se importante realizar uma pequena retrospectiva. A partir da metade do século XIX firmou-se a visão positivista da ciência, que afetou tanto a Sociologia quanto, mais tarde, a Antropologia. As diferenças apresentadas por povos não-ocidentais eram entendidas como desigualdades. Como diz Solange Ladeira (2004), o ocidente transforma as diferenças ?em momentos de uma única escala evolutiva, que vai dos ?selvagens? aos ?civilizados? (sendo esta a autodenominação daqueles que têm, nesse contexto, o uso da palavra), hierarquizando e qualificando segundo seus próprios critérios as diferenças que lhes chamam mais atenção?.

É o mesmo que dizer, absurdamente, que existem povos com ciência e povos que ainda não desenvolveram suficientemente uma racionalidade que possa produzir ciência. Nesse contexto, os mitos são conceituados como narrativas falsas porque somente a ciência estaria em condições de conhecer a verdade. Os índios ainda estariam na infância da humanidade.

No primeiro capítulo de O pensamento selvagem, Lévi-Strauss (1989) vai contra essa idéia ao afirmar que o conhecimento do mundo faz parte da experiência humana. Embora cada grupo social vivencia a experiência de modo específico, são os mesmos mecanismos que lhe possibilitam conhecer o mundo e de lhe dar um sentido.

Ladeira (2004) comenta que ?há uma população que se encontra em todo o globo, diversificada internamente, que compartilha o fato de acreditar nos mitos e que os escolhe como forma privilegiada de pensar o mundo e de expressar suas concepções. Essas sociedades entendem que as narrativas míticas contam verdades. E não quaisquer verdades, mas grandes, importantes verdades, que todos precisam conhecer?.

O mito é uma maneira de exercitar o pensamento e de expressar idéias. O que os mitos dizem, comenta Lévi-Strauss (1989), é importante para quem pertence aos grupos de onde surgem, mas também para quem tem interesse em conhecer o íntimo do ser humano. Os mitos têm um jeito de ser que ordena as idéias e as imagens, que constituem um discurso, e contam da vida e do pensamento daquelas sociedades das quais se originaram.

Como os mitos são construídos? Lévi-Strauss tem o cuidado de explicar, em detalhes, que sua matéria-prima é constituída de signos retirados de outros sistemas de significação como, por exemplo, as palavras da própria língua. Ao serem utilizadas em contextos particulares de outros mitos, recebem outros sentidos. Da mesma forma ocorre com os elementos da natureza: animais, plantas, rios, montanhas, cheiros, etc.; com as experiências sociais: morte, sexo, filhos, parentes, etc., e com elementos do relacionamento entre as pessoas: traição, inveja, generosidade, etc.

Lévi-Strauss (1989) fez uma comparação: o pensamento que produz mitos é semelhante ao inventor, o bricoleur, que, para criar um produto novo, junta uma porção de pecinhas de objetos diferentes. Todas elas, ao passarem pelo processo, continuam com a mesma aparência, mas ganham um sentido novo, porque são articuladas, de modo diverso, a outros elementos.

Lévi-Strauss analisou grande quantidade de mitos e diz que embora os signos que estão nos mitos façam parte de outros campos da experiência humana, no mito eles dizem mais, porque dizem de modo diferente do que poderiam dizer habitualmente.

Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.

E-mail: zeliabonamigo@uol.com.br

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