Imagem e antropologia

O ato de fotografar nunca é despretensioso. ?Trata-se de uma comunicação não-verbal, mas de outra ordem. Obviamente, se estou entre os índios, é com a devida autorização dos líderes e depois de apresentada formalmente ao grupo. Mas é como se algum membro de nossa família nos apresentasse um amigo e nos dissesse que este amigo ficaria hospedado por um tempo em nossa casa. Como pessoas educadas, faríamos o possível para que a estadia dessa pessoa fosse cômoda e agradável?.

Esse é o relato de Joseane Daher, fotógrafa desde 1987, que realizou trabalhos em fotografia documental e exposições para o Museu Americano de História Natural de NY, Estados Unidos, com índios Xavantes, do Mato Grosso, e índios Kaxinawás, do Acre, com apoio de Reebok Foundation. Ela desenvolve trabalhos em veículos de comunicação e instituições educacionais e cursa mestrado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social na UFPR-Universidade Federal do Paraná.

Rosto pintado com
o Kene Kuin. Foto
de Joseane Daher.

Qual seria a melhor forma de fotografar a sociedade indígena? ?Tento interpretá-los do meu ponto de vista e, sem dúvida, incluo minha experiência de vida, a técnica fotográfica, o olhar estético, porém, tento sempre ser autêntica com as imagens e situações com que me deparo, pois enquanto busco essas imagens, recebo-as como resultado de uma apreensão e conseqüente compreensão da sociedade do ?outro?. Portanto, a autenticidade à qual me refiro é esta: deixá-los ?viver? livremente seus momentos enquanto, por sua vez, eles me deixam à vontade para fotografá-los?, destaca Daher.

Se, de acordo com Marcel Mauss, a dádiva envolve dar, receber e retribuir, como se dá essa relação entre a fotógrafa e os fotografados? Daher explica que ?eles oferecem suas imagens, ela as recebe e lhes retribui, tanto no sentido de oportunizar sua divulgação nos meios especializados quanto no sentido literal, ou seja, ?envio sempre um ?pacote? de imagens editadas, além das publicações, folders/CDs e DVDs de exposições?, talvez como diz Bittencourt (1998): o conhecimento antropológico não é mais a afirmação que um sujeito faz de um objeto, mas o fruto de uma experiência compartilhada por dois sujeitos ou, no caso, por uma comunidade e um sujeito.

A promoção de intercâmbio entre as diferentes sociedades promove enriquecimento recíproco. A vinda de representantes Kaxinawás do Rio Jordão do Acre para Curitiba em 2003, 2004 e 2005, idealizada e coordenada por Daher e com o apoio de várias organizações e indivíduos, se constituiu em oportunidade para mostrar sua arte e vendê-la na Feiarte do Parque Barigüi. Foi-lhes oportunizada também a exibição de documentário produzido e dirigido pelo líder Siã Kaxinawá, intitulado Os povos do Tintó Renê (tintó renê  = rio de muitas voltas), que foi condecorado com o Prêmio de Direitos Humanos da Fundação Reebok, nos Estados Unidos, em 1993, acompanhado de debate com o público, no Memorial de Curitiba e Cinemateca da Fundação Cultural de Curitiba, com a presença das antropólogas da UFPR convidadas para conduzir os debates, professoras, dra. Edilene Coffaci de Lima e a doutoranda Andréa Castro.

O que significa o ato de fotografar? Daher, que ministrará curso na PUCPR-Pontifícia Universidade Católica do Paraná em 19 e 26/11 e 3/12, diz que fotografar é uma extensão da comunicação que trava com o mundo.Fotografo como se estivesse contando uma história da vida real, ou seja, documentando essa história, falo, através das imagens, de momentos importantes que participo através da observação direta, e trago essas imagens dos habitantes da floresta para o conhecimento da sociedade envolvente, que é a nossa. As imagens, posteriormente poderão ser utilizadas como metodologia de análises antropológicas, pois trazem detalhes e indicam aspectos importantes, desde a divisão espacial das aldeias, até os atores sociais, como os xamãs, pajés e os momentos rituais, entre outros.?

Dos trabalhos da fotógrafa, um, que acompanha este trabalho, é a do rosto pintado com o Kene Kuin (desenho verdadeiro), que é marca da identidade Kaxinawá. Ao pintarem seus corpos para festas ou por simples prazer, reafirmam sua distinção dos povos sem desenho.

Outro exemplo é a foto do garotinho num contexto que mostra, como explica Daher, que sua alimentação se baseia em legumes e frutas, como o sinte mani ou banana. Suas casas são feitas de paxiúba ou madeira da região e são cobertas de palha de ouricuri. Utilizam utensílios, como facas, e andam calçados com chinelos.

Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.

 zeliabonamigo@uol.com.br

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