Helena Kolody, a poetisa do essencial

d10a.jpgA palavra é uma vivência pessoal.

Viemos ao mundo para assumir nossa palavra. Utilizar a palavra da nossa experiência de vida como pessoa e comunicá-la ao outro. É o poeta o mantenedor desse lema. É quem o assume de modo mais dramático e vivo. Helena Kolody é entre os nossos poetas quem, para mim, melhor expressa este lema. Ela nos fala:

?Quando menos espero, e nas ocasiões mais imprevistas, começo a sonhar palavras.

?Na hora, invade-me a indizível alegria de criar.

?É verdade que, no fundo, todo poeta é autor e leitor de seu poema. É autor na hora da inspiração, quando entra ?em estado de poesia?. (…) No momento da inspiração, somos autores. Depois, o poeta lê o poema, avalia a composição, corta, acrescenta, substitui vocábulos. É a fase do leitor?.

?O poeta, a princípio, escreve para si mesmo, entrega-se ao prazer de criar; depois, quer alcançar o leitor. Sem isso, a poesia deixa de ser comunicação?.

Viemos ao mundo para usufruir a palavra do outro, carregada de sua experiência de vida. A palavra plena. E para o poeta a palavra é, sobretudo, um diálogo com o outro. Ela nutre e é nutrida pelo encontro. Helena Kolody é uma das grandes realizadoras da palavra poética como diálogo: Eu-Tu. A poesia como relação, como encontro de vidas, na ânsia por mais vida. Helena nos diz:

?Há dois tipos de temas em minha poesia: os que refletem meu próprio Eu, confessionais, e os que mostram minha preocupação com os outros e com os problemas do mundo, ou seja, temas do eu íntimo e do eu social. Uso muito imagens, metáforas, símbolos tirados da paisagem. Sou uma enamorada da beleza do mundo que me cerca?.

Gusdorf, em La Parole, afirma: ?O poeta é o homem que encontra a palavra, graças a uma ascese que o liberta de si mesmo?. Assim deveríamos ser como poetas; exercitarmo-nos na tarefa de sairmos de nós mesmos. O sair de si para estar inteiros no poema. Helena Kolody é a poeta que assume a palavra plena de sua experiência, escreve-a no poema, declama-a com sua voz, sustenta-a no mundo, dá-lhe sua vida. Helena nos ensina:

?A sensibilidade do poeta é como a da harpa eólica que os gregos penduravam nas árvores, e que vibrava com o menor sopro de vento. Ele vibra intensamente, não só com as próprias emoções; capta, com o radar da imaginação, o sentir do outro, o viver do outro. Esse ver os outros com os olhos da imaginação é, também, um dom do poeta; nem sempre é a sua própria experiência que ele expressa em versos. Incorporamos em nossa experiência as vivências alheias que nos atingem, nos alegram, ou nos fazem sofrer?.

A poetisa vem nos ensinando a deixarmos de lado a palavra vazia, aquela que não vem da experiência vivida, para aprendermos com ela a tornar o poeta em nós, um ser ético, cuja palavra tem sua presença e vibração. A poesia como essência do vivido.

Suas palavras:

?Estou numa idade em que dou-me ao luxo de sair nas ruas com a maior tranqüilidade e parar para contemplar uma árvore, um pássaro, um transeunte – sem temer o ridículo. Dia destes, quando cruzava a Praça Rui Barbosa, vi uma pena de pombo cair na calçada. Apanhei-a, contemplando-a, e na hora pensei num poema. Como tinha apenas um lenço de papel, foi nele que escrevi:

?Apanhei na calçada

Uma pena de pombo

Aprisionei

Um momento

De vôo e vento??.

Helena Kolody na palavra dos outros:

O poeta Tasso da Silveira escreve em 1952: ?A poesia de Helena Kolody é feita de amargor e sabedoria a um só tempo. E traz a marca do poeta verdadeiro: a do amor profundo ao vocábulo. Permitam-me esta definição: poeta é o que ama de amor profundo o vocábulo. Porque o vocábulo é o plasma virgem em que ele modela seu mundo de beleza?.

Em 1968, no prefácio de um livro do poeta Mário Stasiak, Paulo Leminski escreveu: ?Lembrai-vos, irmãos, que o maior gênio poético do Paraná é de raiz eslava, sendo Helena Kolody (pronunciar: Guélena Kolódi)?.

Quando em 1985 Helena reinaugura-se, lançando Sempre palavra, fina concisão poética, Leminski tece-lhe um belo elogio em Santa Helena Kolody, no qual diz do livro: ?Inclui uns quarenta pequenos poemas. Mas tem luz bastante para iluminar esta cidade por todo um ano?. Faz comparações, sugere análises mais profundas e acrescenta: ?Nossa padroeira é o poeta mais moderno de Curitiba, de uma modernidade enorme, uma modernidade de quase oitenta anos. Nenhum de nós tem modernidade desse tamanho?. E termina: ?Tem certas manhãs azuis em Curitiba, mas tão azuis, tão azuis, que eu tenho certeza: Helena Kolódy acordou cedo e olha por todos nós?.

Carlos Drummond de Andrade enviou em 1980 uma pequena carta à poetisa, onde dizia: ?Tão simples, tão pura – e tão funda – a poesia de Infinito Presente. Você domina a arte de exprimir o máximo no mínimo, e com que meditativa sensibilidade!?.

A poetisa Carmem Carneiro, outra luz da nossa poesia paranaense, em 1965, afirma: ?Vibrátil cristal profundo. Espelho caro marulhando o eterno?.

E a poeta mais admirada por Helena, Cecília Meireles, é quem diz-lhe num bilhete de 1952: ?Helena Kolody: depois de tanto silêncio, foi uma grande alegria ter notícias suas com A sombra no Rio. Muito sentido, o seu livro; muito melancólico – mas que é a poesia senão sentido melancólico??.

Leôncio Correia escreve em 1946: ?Helena Kolody é uma artista de asas libertas, mas os seus vôos são sempre serenos e harmoniosos. Sabe cantar e voar. Seu lindo livro Música Submersa garante-lhe um posto de honra entre a espiritualidade feminina brasileira, na qual permanecerá como uma das suas almas de eleição. Hoje, o Paraná a admira; amanhã o Brasil a aclamará?.

Em 1968, um amigo inesquecível de Helena, Andrade Muricy, em uma longa carta, iniciada com uma citação em francês, prossegue: ?Aceite tranqüilamente que essas ?iles de lumière? [ilhas de luz] as lembre pensando em sua poesia. A expressão (…) vai como luva na sua obra, feita de pureza, luminosidade espiritual e alada vivacidade.?

Hélio Puglielli escreveu: ?Helena é a voz do Paraná. Uma voz sonora, sem arrogâncias, sem estridências retóricas ou piegas. Uma voz que não se alterou ao longo do itinerário, modulada pela autenticidade, temperada pelo vigor de uma sensibilidade que nem o passar dos anos conseguiu reduzir?.

Olga Savary, poetisa e tradutora de renome: ?A poesia solar de Helena Kolody nos mostra a verdade, a beleza e a dignidade do ser humano e, em última instância, da vida?.

Leopoldo Scherner destaca o elemento espiritual da poesia de Helena: ?A célula criadora de sua poesia?; e, lembra, ?Helena é poeta da natureza?.

João Manuel Simões: ?Na poesia emblemática de Helena Kolody há mármores de Carrara e cristais luminosos, cintilantes ainda que brilhando nos latifúndios da noite?.

Sérgio Rubens Sossélla disse que Helena era um ?ser emovente? e que ?desde o seu primeiro trabalho ela perquire acerca dos limites do ser (e de seus relacionamentos), quanto ao sentido secreto da vida. Os seus versos cromáticos (com larga predominância do azul) são preces veiculadoras do pedido e da resposta, rezas ardentes revelando sonhos, meditações profundas e apaixonadas entre a angústia e a esperança. A religiosidade da autora cunhou a sua estética, o seu morrer-viver diário?.

Jamil Snege disse: ?Tem espírito, é uma sensitiva. Já nasceu poeta?.

E para encerrar esta pequena homenagem à dona Helena, que mesmo fosse grande não alcançaria sua grandeza, pois sempre que a homenageamos, somos nós os homenageados, deixo-lhes as palavras de uma poetisa que conviveu com ela na lidas da educação, Alice Arns: ?Caminheiros somos todos. Palmilhamos passo a passo a geografia de nossas vidas. Hoje, quando Helena Kolody passa por nós como a caminheira sábia da geografia da cultura do Paraná, nós todos, gerações que parecem formar polos de contradições, nos encontramos na interpretação que ela soube dar a esse ?Instante estuante do Paraná ?.

José Marins é escritor, Mestre em Educação pela UFPR. Autor de Fazendo o dia (poemas); Poezen (haicais); Pinha pinhão, pinhão pinheiro (renga, versos encadeados).

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