Grande Curitiba: Um olhar sobre a evolução urbana (II)

Evolução da ocupação urbana do planalto curitibano

Com início no século XVII, a organização do espaço urbano metropolitano se deu de forma satelital, com os vários assentamentos humanos orbitando em torno do núcleo estelar de Curitiba.

Veja-se a gênese da ocupação urbana no primeiro planalto: a partir dos exploradores participantes de bandeiras buscando a preação de índios para a escravidão, os Campos Gerais de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais (5) mostram a fixação dos primeiros habitantes – como a família de Balthazar Carrasco dos Reis – à época da elevação de sua principal povoação a vila, em 29 de março de 1963.

Foi reivindicação de seus moradores para se auto-governarem, independentemente da Vila de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá, elevada a essa condição desde 1948. Assim o novo núcleo urbano poderia efetivamente exercer sua função de principal centro de arraiais estáveis de mineradores, nessa região então aurífera. (6)

Para tal, o capitão-povoador Matheus Martins Leme elege a Câmara de Vereadores e instala a cidade segundo as ordenações reais portuguesas, fazendo a demarcação dos limites da Vila de Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus dos Pinhais em 1.º de maio de 1693, com o que deu posse aos moradores.

Essa gente chegava pelos Caminhos do Assungui e do Arraial Queimado (Bocaiúva – ainda hoje a estrada velha para São Paulo), se instalando na Borda do Campo (Atuba, Vilinha – núcleo original depois abandonado pelos seus habitantes conforme relatado por Eleodoro Ébano Pereira, e Vila dos Cortes) junto às fraldas ocidentais da Serra do Mar, para onde concorria também a que subia do litoral pela Estrada da Graciosa ou confluía ao Arraial Grande (São José dos Pinhais) pela estrada junto ao rio de mesmo nome, continuação do Rio Sagrado/Cubatão, que é formador da Baía de Guaratuba, ou então passava por Campo Largo vinda de São Paulo pelo Caminho de Sorocaba.

Os que não quiseram viver em Curitiba se afastavam para a Tindiquera, hoje Araucária, outrora uma aldeia dos índios tinguis que habitavam o planalto curitibano, cuja sesmaria foi doada por Gabriel de Lara a Domingos Rodrigues da Cunha em 1668.

Até meados do século XVIII prevaleceu essa situação, quando então as extrações de ouro no terraço curitibano começaram a rarear, como ocorreu nos arraiais Grande, Cangüiri, Uvaporanga e Purunã (7) – estas três últimas denominações de cercanias existentes até hoje.

Mudou o ciclo de povoamento com a abertura do Caminho de Viamão em 1727 (8), pois os campos de Curitiba passaram a ter ocupação mais organizada e fixa, diferente dos aventureiros faiscadores de ouro. Foram sendo instalados “pousos” e “curais” de descanso ou invernada para receber o gado trazido pelos tropeiros das vacarias nos pampas de São Pedro do Rio Grande, a ser posteriormente levado – descansado e engordado nas abundantes pastagens – a São Paulo pelo Caminho de Sorocaba.(9) Os animais, junto com muares e cavalos, eram depois vendidos às necessitadas populações do rush do ouro, em Minas Gerais, cuja exploração mudou a história da ocupação do território brasileiro.

Desse modo, os campos gerais de Curitiba se tornaram importante ponto de apoio à economia colonial, pois por aí passavam as tropas que faziam a ligação com o sul brasileiro, que a essas alturas chegava até a foz do Rio Prata na Colônia do Santo Sacramento, cuja sobrevivência dependia estreitamente da ligação por terra até Viamão, em face da cidade de Buenos Ayres dominada pelos espanhóis no outro lado do rio.

Basta lembrar que a comarca de Paranaguá, criada em 1723, além dos campos do planalto curitibano, abrangia também povoações de Santa Catarina e as terras rio-grandenses.

O tropeirismo também foi a razão de existência da cidade de Santo Antônio da Lapa, hoje pertencente ao quadro territorial da Região Metropolitana de Curitiba, fundada em 13 de junho de 1769.

Originou-se de um antigo pouso de tropeiros que faziam o caminho de Viamão, a meia jornada para o Registro de Curitiba, por ser o lugar escolhido para pernoite quando as tropas não podiam atravessar o Rio Iguaçu com tempo para alcançar a luz do dia as campinas da margem direita.(10)

A Curitiba descrita pelo Ouvidor Pardinho em 1720 (11), com seus 1.400 habitantes, era praticamente o mesmo pequeno núcleo urbano celebrado pela desenvoltura de seus homens e formosura de suas mulheres por Saint’Hilaire (12), cem anos depois, em 1820: duzentas e vinte casas dispostas de forma quase circular, em torno da Matriz de Nossa Senhora da Luz (desde 1715), que abrigavam as famílias das fazendas das vizinhanças a cumprir suas obrigações dominicais e dos feriados religiosos. Nessas ocasiões, a vila devia reunir ao redor de 2.500 pessoas, admitindo grandes famílias, cercadas de agregados, constituídas por dez ou mais integrantes como era habitual então.

Enquanto isso, o planalto curitibano tinha ao redor de 12 mil habitantes em 1802, conforme relato do Inspetor de Minas e Matas do Brasil, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, que aí juntava Curitiba, São José dos Pinhais e Lapa.(13) Vê-se, portanto, que a população da Região Metropolitana de Curitiba na sua conformação de 2002 aumentou exponencialmente em mais de 200 vezes em 200 anos.

Ganhando a posição sobre Paranaguá, que era maior (6.533 habitantes) e comercialmente mais importante, Curitiba foi escolhida para capital da Província do Paraná em 26 de julho de 1854. Nessa época tinha 27 quarteirões(14) com 308 casas (e 52 em construção), nas quais habitava um total de 5.819 habitantes, portanto com uma altíssima média – para os padrões atuais – de 19 habitantes por domicílio, pois aí estavam incluídos familiares, empregados e até os eventuais escravos (estes eram raros, como informavam os viajantes que por aqui passavam).

Se considerado um quarteirão como abrangendo um hectares a cidade era um núcleo coeso e bem delimitado que mal chegava à quarta de um quilômetro quadrado. Sua densidade urbana era, portanto, relativamente alta, pois correspondia a 215 habitantes por hectare.

Na mesma ocasião, a vila de São José dos Pinhais tinha 20 quarteirões com 4.600 habitantes (230 hab/ha), morando em 89 casas urbanas e 10 chácaras. Havia, portanto, no primeiro planalto, duas cidades de população expressiva para a época, separadas entre si pela calha do Alto Iguaçu, em cujas cabeceiras se instalara o Arraial Grande, depois São José dos Pinhais.

Apesar de o Iguaçu cortar o território nacional em direção à fronteira no Rio Paraná, a capacidade de penetração de expedições colonizadoras era bastante reduzida pela dificuldade da sua navegação, devida ao grande número de quedas e corredeiras que se sucedem ao longo do curso d’água, o que – por outro lado – resultou em transformar-se na importante fonte de geração de energia elétrica que é hoje, com sucessivas barragens e usinas construídas na segunda metade do século XX.

Diferentemente de Curitiba, em que pese o posicionamento geográfico semelhante – a cavaleiro do Rio Tietê, a cidade de São Paulo foi beneficiada pela presença dessa importante via de acesso ao interior, o que lhe garantiu o crescimento como entreposto para quem chegava dos portos de São Vicente e Santos ou a eles se dirigia, originando as condições que lhe permitiram tornar-se a maior metrópole brasileira.

A primeira investida na expansão urbana de Curitiba se deu no seu lado oeste, com a ponte sobre o Rio Ivo superando este obstáculo natural, na abertura da estrada para o Mato Grosso iniciada em 1871 – saindo da Rua das Flores em direção ao Batel, pela atual Rua Emiliano Perneta, sendo o trecho até Campo Largo (fundada em 1870) terminado sete anos depois.(15)

Note-se que a essa época o limite da cidade era a Rua da Assembléia, atual Dr. Muricy. Criava-se um novo vetor de crescimento, simetricamente oposto – em relação ao centro da cidade – à primeira ligação com a Graciosa pela Estrada da Marinha, atual Avenida João Gualberto.

Em 1885 a cidade recebe melhorias: é transformado o “imundo potreiro de animais” em frente à Igreja Matriz na Praça D. Pedro I, atual Tiradentes; e cria-se o esplêndido parque do Passeio Público no que era o charco marginal do Rio Belém. Também se dá início à abertura da Avenida da Imperatriz (continuação da Rua das Flores, depois Rua XV de Novembro), visando ao seu prosseguimento até o alto (no cruzamento da atual Rua Ubaldino do Amaral).

Portanto, no final do século XIX, abrigando cerca de 50 mil habitantes, a malha urbana de Curitiba ocupava um polígono que basicamente ia de oeste no Rio Ivo – na Rua Dr. Muricy até leste no Rio Belém – na Rua Tibagi, tendo como limite ao norte a elevação onde se localiza a Igreja do Rosário de São Benedito (construída em 1737) para terminar na Rua do Saldanha, atual Presidente Carlos Cavalcanti, chegando ao sul na Rua do Comércio, que hoje corresponde à Avenida Marechal Deodoro, e voltando ao ponto inicial no Largo do Mercado (atual Praça Zacarias de Góes e Vasconcelos).

Para os que se lembram do desabamento do Cine Luz para dentro do Rio Ivo, na esquina da Dr. Muricy com a Praça Zacarias, é fácil vislumbrar as peripécias que eram necessárias para ter-se efetiva ocupação do solo junto a esse curso d’água, que se tornara o limite do tecido urbano.

Com cerca de meio quilômetro quadrado, Curitiba praticamente dobrara de área desde que se tornara a capital provincial em 1854, portanto em quase 50 anos. No entanto era ainda uma cidade que podia ser facilmente vencida a pé, ou melhor ainda a cavalo. As carroças transportavam as mercadorias da periferia rural para o centro, fazendo ponto de reunião perto dos bebedouros de cavalos em frente à Igreja da Ordem ou na praça da estação da estrada de ferro.(16)

Por isso, as principais estruturas urbanas se apoiavam nos caminhos que vinham da periferia, onde despontavam as “colônias” ocupadas por imigrantes, tais como os italianos de Santa Felicidade (criada em 1878) e Umbará ou então de Presidente Faria (esta depois alçada a município de Colombo), os poloneses dos Abranches (Barrerinha)(17), do Pilarzinho e de Santa Cândida ou os ucranianos do Bigorrilho e de Tomaz Coelho, esta na saída para Araucária.

 

Ao mesmo tempo, esse núcleo urbano central convivia com um colar de cidades vizinhas de existência autônoma, pois os deslocamentos interurbanos eram demorados. Ficava assim garantida a vida própria como prestadoras de serviços para o meio rural seja para São José dos Pinhais ao sul, seja para Botiatuvinha (hoje Almirante Tamandaré) ao norte, seja para Campo Largo a oeste.

Destaque-se a atividade portuária de Balsa Nova, pois era onde aportavam os carregamentos de folhas de erva-mate para processamento nos moinhos curitibanos, vindos dos amplos campos cultivados em ambas as margens do Rio Iguaçu, principalmente nas terras entre Rio Negro-Mafra até União da Vitória-Porto União, aproveitando o trecho onde era possível alguma navegação. Pois no Iguaçu, desde logo aparece uma interrupção antes de atingir o seu meio curso – o salto de Caiacanga, ao cortar a escarpa formadora do paredão do segundo Planalto.(18) Com a remodelação da estrada da Graciosa, a erva mate processada em Curitiba passou a ser mais facilmente exportada por Paranaguá. Tornada estrada carroçável, a Graciosa pela Barreira Nova dava passagem a 1.200 carroções – puxados por 6 ou 8 cavalos – que subiam e desciam a serra a fazer esse transporte sempre rendoso. A verdadeira elite dos ervateiros começa em 1876 com o franco trânsito da Graciosa.(19)

A inauguração da ferrovia em 1885 – a mesma que, até hoje, faz a única ligação entre o planalto e o litoral – veio a modificar o panorama, fazendo com que as indústrias do mate, antes dispersas ao redor de Curitiba(20) a utilizar as rodas d’água dos rios Barigüi, Ivo e Belém, viessem a se concentrar ás margens deste último, inaugurando seus próprios ramais da vizinha estrada de ferro e agora movidas a vapor.

Identidiade urbana na primeira metade do século XX: Planalto Agache

O alvorecer do século XX trouxe duas conquistas, a eletricidade com a iluminação pública (que chegou a Curitiba em 1905 e já em 1911 cobria toda a cidade) ao lado das linhas dos bondes fechados (pintados de alaranjado berrante para chamar atenção dos usuários e dos passantes distraídos) que podiam dispensar a tração animal e o motor a explosão com os ônibus e com os automóveis. Ambas deram uma nova identidade às cidades, permitindo uma ocupação mais aberta e estendida no espaço, graças à ampliação dos deslocamentos das pessoas. Porém cedo começaram as cidades a experimentar as dores do crescimento desordenado, até que cuidaram de planejar a ocupação do território.

A primeira experiência de organização formal do espaço urbano de Curitiba, ainda tímida, foi a do plano de Alfred Agache, publicado em 1943, que aplicava a experiência parisiense do Barão de Haussumann, prevendo a abertura de largos boulevares no tecido urbano, como foi o caso das avenidas Visconde de Guarapuava e Sete de Setembro, além de um anel periférico que limitaria a mancha urbana ovóide – a Avenida Nossa Senhora da Luz. Agache dava seguimento em Curitiba às suas propostas urbanísticas desenvolvidas para o Plano Diretor do Rio de Janeiro, que realizara anteriormente na sua estada brasileira.(21) Estabelecia-se a identidade urbana.

Nessa época a cidade terminava a oeste no final da Avenida Sete de Setembro, logo antes de descer para o atual Jardim Los Angeles (enquanto a urbanização na verdade parava no Largo do Batel, de onde seguia somente o traço da estrada até o Rio Barigüi, concorrido local de pescadores de lambaris), prosseguindo para o noroeste por terrenos baldios que circundavam o bairro isolado do Bigorrilho.

O limite norte ficava na altura do Cemitério Municipal na Estrada do Pilarzinho.

Para nordeste nada havia depois da praça no fim da Avenida Cândido de Abreu. Seguido pela Rua Mateus Leme, após passar a casa do Bispo, o próximo ponto de interesse era o Cassino do Ahu, hoje colégio religioso, cuja principal atração era a piscina pública, repleta nos fins de semana.

Daí para frente, só existiam algumas chácaras até a Colônia Abranches, cujo campanário da igreja destacava-se sobranceiro de longe, apontando para o cemitério dos colonos, ao lado. Pelos bairros da Glória e do Cabral chegava-se ao Bacacheri, que era apenas um aglomerado de casas esparsas da Colônia Argelina na vizinhança do Quartel do 5.º Batalhão e do Campo de Aviação.

Ir fazer piquenique e tomar banho no Tanque do Bacacheri, outra grande atração aquática, pressupunha programação que envolvia quase uma viagem nessa época.

A leste o umbral era a conjugação do Rio Juvevê com a Estrada de Ferro Norte do Paraná, depois do Alto da Rua XV de Novembro. O mesmo ocorria com a Estrada de Ferro da Rede viação Paraná – Santa Catarina, que descia para Paranaguá, pois após o seu pátio de manobras na Avenida Capanema somente despontava o colégio de freiras no Cajuru, depois da fábrica de móveis.

Ao sul, a malha urbana regular era cortada à altura da atual Avenida Engenheiros Rebouças pouco antes do Córrego Água Verde, com os bairros de Santa Quitéria, Vila Guaíra/Portão e Prado/Guabirotuba apresentando-se como manchas isoladas.

A sudeste, logo após do hipódromo na estrada de ligação com São José dos Pinhais (hoje Avenida Salgado Filho), o fim da cidade ficava no Matadouro Municipal.

A grosso modo, na década de 40, a superfície coberta por essa malha urbana tinha entre 1.200 e 1.500 hectares ou de 12 a 15 quilômetros quadrados. Isto é; em pouco mais de cinqüenta anos (desde 1885) a cidade ampliara 30 vezes a sua área. Nesse intervalo houve, portanto, um considerável avanço sobre o território, mostrando o empuxo dado na ocupação do espaço urbano pelo uso do automóvel como meio de transporte.

Porém havia muitas falhas na continuidade do tecido urbano, provocadas pelo desmembramento de chácaras ou grandes terrenos através de loteamentos desconectados, que não tinham interesse em manter ligações entre si, uma vez que tudo convergia para o centro.

A estrutura centrípeta da cidade produzia situações peculiares. As linhas de circulação dos ônibus eram todas da periferia para o centro e vice-versa. Isto é; para cortar a cidade de lado a lado era obrigatória a “baldeação”, geralmente feita na Praça Tiradentes ou na sua vizinhança, atrás do magnífico prédio da Prefeitura Municipal, atual Museu Paranaense.

Entretanto, não havia razão para cruzar o centro, pois era lá o endereço final, obrigatório, de quase tudo que a cidade oferecia: o comércio de lojas, o lazer dos cinemas, os escritórios e as repartições públicas, os bancos, os correios, as atividades de ensino e da cultura. Os cafés eram pontos de encontro dos intelectuais e dos políticos e negociantes – para trocar idéias, os primeiros, ou falar da vida alheia, os outros. Daí a fama de “boca maldita” para o local que reunia os freqüentadores do Café Alvorada na Travessa Oliveira Bello.

A Rua XV de Novembro era o eixo do centro. Numa ponta, a oeste, logo antes da Praça General Osório ficava a Cinelândia na Avenida João Pessoa (chamada de “menor do mundo” por ter apenas uma quadra). No meio o comércio das lojas tradicionais, inclusive as filiais da Casa Sloper e das Lojas Americanas.

Na outra ponta, a Praça Santos Andrade era circundada por um “pólo” de ensino, reunindo a Universidade do Paraná (cujo estilo neoclássico fazia pendant com o prédio Art Déco dos Correios e Telégrafos do outro lado da Rua XV), o Colégio Santa Maria e a Faculdade de Letras, que era parte do conjunto Marista. Cortando por trás do terreno reservado para o novo Teatro Guaíra e do Passeio Público, chegava-se ao Colégio Estadual, cujo ensino público de qualidade formou várias gerações de curitibanos.

Calcado no tecido melhor estruturado, o eixo leste-oeste de Curitiba tinha sua expressão residencial, ainda embrionária porém de alta categoria, nas mansões das famílias abonadas pelo ciclo de exploração da erva-mate: em uma ponta, de um lado do centro da cidade ocupavam a Glória, a cavaleiro da saída a leste e, na outra, o Batel, na saída a oeste, ambos bairros com palacetes replicando os melhores estilos da arquitetura “belle époque” européia.

A primeira intervenção urbanística de porte no tecido urbano se deu logo após a virada da metade do século: o Centro Cívico, que só veio a se realizar dez anos depois do Plano Agache, edificado para o Centenário do Paraná em 1953.

Consoante com as propostas urbanísticas da Carta de Atenas promulgada por Le Corbusier no Congresso Internacional de Arquitetura Moderna – Ciam de 1930, que agora animavam os europeus voltados para um grande esforço de reconstrução no após-guerra, uma equipe de arquitetos cariocas, liderados por David Azambuja, cria um amplo espaço destinado às funções governamentais estaduais: Palácio do Governo, Assembléia Legislativa e Tribunal de Justiça. Costurando as edificações uma esplanada, formando a grande praça com paisagismo de Roberto Burle Marx.

Era o embrião da proposta retomada em Brasília, anos depois, calcada nos mesmos princípios de organização do espaço urbano na Praça dos Três Poderes. O locus de Curitiba, pela primeira vez, passava a ter uma leitura simbólica/cultural (a expressão do poder público), além da analítica/estrutural (o espaço urbano com seus cheios e vazios) e da teleológica/funcional (o zoneamento separando as funções urbanas).

Vicente de Castro Neto é arquiteto e urbanista.Formado na primeira turma do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná em 1966, onde depois foi professor regente de Teoria do Planejamento e de Planejamento Urbano e Regional. Participou da equipe do Plano Preliminar de Urbanismo de Curitiba, tendo também criado e coordenado o órgão responsável pela Região Metropolitana de Curitiba – Comec, ao mesmo tempo que dirigiu a elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana, publicado em 1978.

Notas e referências bibliográficas

(5) “Nos campos do novo povo de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais” conforme diz a Carta de Sesmaria que a Balthazar Carrasco do Reis passou Salvador Corrêa de Sá, Governador do Rio de Janeiro, em 29 de julho de 1661, permitindo-lhe estabelecer-se no Barigüi, já que nesse sítio residia “há alguns anos”, com sua família… Tendo feito parte da bandeira por Antônio Domingues levada ao Rio Uruguai em 1648, quando conheceu os Campos de Curitiba, Balthazar Carrasco dos Reis neles veio residir acompanhado de parentes, amigos e índios seus agregados, grupo que em 1668 Gabriel de Lara, ao tomar posse da localidade em nome do Marquês de Cascais – donatário da Capitania, encontrou estabelecido ao redor de uma capela de palha e em sítios a pequenas distâncias da sede da povoação de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.

Alfredo Romário Martins. História do Paraná. São Paulo: Editora Rumo, 1939. 2.ª Edição. pp. 210 & 292.

(6) “Tão ricos distritos auríferos e de fácil acesso por vias tradicionais de comunicação… mereceram a presença de Eleodoro Ébano Pereira – Administrador das Minas do Sul no Assungui, onde, a esse tempo, já o ouro de lavagem atraía o primeiro grupo de povoadores anônimos do planalto curitibano – os pioneiros, os desbravadores, os criadores, no seus arraiais, do primeiro esboço de vida social organizada, que os grupos posteriormente vindos, a terminar no dirigido por Matheus Martins Leme em 1662 ou pouco antes, haviam de conduzir para a eclosão política resultante da função de vila em 1693.”

Alfredo Romário Martins. História do Paraná. São Paulo: Editora Rumo, 1939. 2.ª Edição. p. 279.

(7) Conforme consta do documento “Registro da Entrega de Ouro, em Curitiba ao Juiz Ordinário, com destino à Casa de Fundição de Paranaguá, a 12 de setembro de 1731”.

Alfredo Romário Martins. História do Paraná. São Paulo: Editora Rumo, 1939. 2.ª Edição. p. 260.

(8) Conforme ordem do governador e capitão-general Caldeira Pimentel registrada no livro 20 da Câmara de Paranaguá, fl. 120v, em 19 de setembro de 1727.

(9) No dizer do Capitão-Mor Lourenço Ribeiro de Andrade: “Os mais ágeis dos antigos mineradores se fizeram comerciantes de gado, comprando-o no Rio Grande e vendendo-o em Sorocaba e São Paulo, ou criando-o por sua própria conta em fazendas que se estabeleceram nos Campos Gerais e nos de Curitiba”.

(10) J. E. Erichsen Pereira. Uma história de caminhos. Curitiba: O Formigueiro, 1962. p. 102.

(11) Em carta do Ouvidor Geral Rafael Pires Pardinho a El-Rei, datada de Paranaguá aos 30 de agosto de 1721, dá conta este magistrado da correição que fez “à vila de Curitiba… que fica em bastante assento ao pé de um ribeiro (certamente o Rio Ivo), com casas de pau-a-pique cobertas de telha e igreja de pedra e barro, que os fregueses reedificaram há poucos anos”.

(12) “Bem diferente dos mestiços que povoavam os arredores de Itapeva, os habitantes dos Campos Gerais de Curitiba são geralmente grandes e bem feitos, têm os cabelos castanhos e são corados. Sua fisionomia traz impressa a bondade e a inteligência. As mulheres são algumas vezes de rara beleza.

Têm a pele rosada e uma delicadeza de traços que eu não tinha ainda notado em nenhuma brasileira”.

“Essa cidade tem a forma quase circular e se compõe de 220 casas pequenas e cobertas de telhas, quase todas só ao rés do chão, porém em grande número construídas de pedra. Cada casa tem o seu quintal.

As ruas são largas e quase regulares. Algumas foram inteiramente calçadas, outras o são unicamente na frente das casas. A praça pública é quadrada, muito grande e coberta de grama.

As igrejas são em número de três, todas construídas de pedra. A que mais merece ser citada é a igreja paroquial dedicada a Nossa Senhora da Luz. Foi construída isoladamente na praça pública, porém mais próxima de um que dos outros lados, prejudicando a sua regularidade. Não tem torres nem campanário.

Curitiba não é menos deserta durante a semana que a maioria das cidades do interior do Brasil. Quase todos os habitantes são aqui agricultores que não ocupam suas casas senão aos domingos e nos dias de festas, quando se desobrigam dos seus deveres religiosos. Não se conta em Curitiba e nos arredores senão poucos homens ricos.”

Augustin François Cesar Provençal de Saint’Hilaire. Voyage dans l’Intérieur du Brèsil. Bruxelas: Delevingne et Callewaert, 1850.

(13) “Em 1802 Martim Francisco Ribeiro de Andrada visitou o Paraná como inspetor das Minas e Matas do Brasil e declarou a respeito dos arredores de Curitiba: “Seus 12.000 habitantes (Curitiba, São José dos Pinhais e Lapa) trabalham na criação de gado e na cultura do trigo, do fumo e das frutas das Europa”.

David Carneiro. Fasmas Estruturais da Economia do Paraná. Curitiba: Imprensa da Universidade do Paraná, 1962. p. 37.

(14) Ver “Vista de Curitiba”, aquarela de J.H. Elliot datada de 1855, da coleção de João Baptista Groff. In Newton Carneiro. Iconografia Paranaense. Curitiba: Impressora Paranaense, 1950.

(15) “A construção teve princípio a 15 de abril de 1871… tendo sido lançada a primeira pedra da ponte sobre o Rio Ivo (na quadra da Rua 15 de Novembro entre as ruas Dr. Muricy e Ébano Pereira, mais próxima desta). A nova estrada tomou por ponto de partida o prolongamento da Rua das Flores, rompendo-se as casas que com ela defrontavam na Rua da Assembléia (atual Dr. Muricy).

Desenvolveram-se os serviços com rapidez nos primeiros 2.200 metros até o Batel… Toda a linha Curitiba – Campo Largo ficou terminada em outubro de 1878.”

Alfredo Romário Martins. História do Paraná. São Paulo: Editora Rumo, 1939, 2.ª Edição pp. 142/143.

(16) Poty Lazzarotto. Curitiba de nós. Curitiba: Fundação Cultural, 1975.

(17) Refrão que acompanhava os folguedos infantis pilheriava com a variação de pronúncia do duplo erre para o erre, dificílima para os eslavos: “Polaco da Barreirinha foi de carroça comer churrasco / A roda era de borracha, bateu na rocha e caiu no rio.” Circa 1940.

(18) J.E. Erichsen Pereira. Uma história de caminhos. Curitiba: O Formigueiro, 1962 p. 31.

(19) David Carneiro. Fasmas Estruturais da Economia do Paraná. Curitiba: Imprensa da Universidade do Paraná, 1962. pp. 104/107.

(20) Em 1853, ao ser instalada a província nova, eram noventa os engenhos estabelecidos ao redor de Curitiba, exigindo braços e fomentando a produção de barricas, surrões e cestos para exportação.

Romário Martins. Ilex Mate. Curitiba: pp. 199 e seg.

(21) No Rio de Janeiro, o primeiro grande código de obras, que reunia todas as regras para as construções e a ocupação da cidade foi editado a partir deste plano, em 1937 e, ainda hoje, influencia a sua legislação urbanística.

No próximo domingo:Plano preliminar de urbanismo de Curitiba.

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