Eugénio de Castro & Gabriele D?Annunzio: um paralelo possível

d64.jpgIndubitavelmente, são dois poetas respeitabilíssimos: o português Eugénio de Castro Almeida, nascido em Coimbra, em 1869, e o italiano Gabriele D?Annunzio, nascido em Pescara, em 1863. O luso viria a morrer em 1944, e o peninsular, em 1938. A grandeza dos dois latinos é certamente indiscutível. Mas não é menos verdade que, tanto na Itália quanto em Portugal, há pelo menos uma dúzia de poetas superiores: de Camões a Pessoa, de Antero a Sá-Carneiro, de Antônio Nobre a Jorge de Sena, de José Régio a Eugênio de Andrade; de Dante a Ungaretti, de Petrarca a Quasímodo, de Leopardi a Montale, de Ariosto a Pascoli, apenas para exemplificar.

Castro e D?Annunzio eram amigos fraternos. Correspondiam-se em francês. E conheciam bem as respectivas obras, através das traduções feitas em Paris. A ponto de D?Annunzio ter proclamado, em entrevista a um jornal parisiense, na década de vinte, de forma bombástica e, até certo ponto, megalomaníaca: ?Há hoje no mundo apenas dois poetas ? eu mesmo e Eugénio de Castro?.

Na verdade, nessa época, os dois bardos eram realmente respeitados e admirados em toda a Europa, e mesmo na América Latina.

Por outro lado, mister se faz destacar certas simetrias que, de certa forma, aproximavam e identificavam o luso e o ítalo: ambos, nascidos e mortos com apenas seis anos de diferença, viveram exatos 75 anos; ambos eram piscianos; ambos eram igualmente líricos, simbolistas, ocasionalmente parnasianos, decadentistas. E pessimistas (mais Eugénio do que Gabriele).

Acresce que ambos eram igualmente exibicionistas e diletantes; ambos produziram torrencialmente: Castro, sobretudo poesia, ao lado de alguma prosa crítica e ensaística; D?Annunzio, não apenas poesia, mas também romances e peças teatrais. Ambos eram devotos fiéis da palavra rara, do vocábulo precioso, na linha das lições baudelairiana e mallarmista. Ambos tinham algo de aristocrático, não apenas na arquitetura física, mas também na gestualidade e na liturgia por assim dizer atitudinal.

Curiosamente, também, ambos lembravam, na textualidade das respectivas obras poéticas, o estilo de Rimbaud, Mallarmé e Baudelaire. Note-se, aliás, que eu uso o verbo lembrar. Não me refiro à cópia reles, imitação servil ou plágio obsceno. Embora, lamentavelmente, não sei se justa ou injustamente, o italiano tenha sido acusado de plagiário, segundo alguns historiadores da literatura do seu país. Não endosso tal acusação. Não tenho elementos para isso.

 Entre os principais livros de poesia de Castro destacam-se o de estréia, Oaristos, bem como Jesus de Nazaré, Horas, Interlúnio, Belkiss e Tirésias, Salomé e outros poemas, Saudades do céu, A sombra do quadrante, O anel de Polícrates, A fonte do sátiro, O cavaleiro das mãos irresistíveis, Camafeus romanos, Canções desta negra vida e Chamas de uma candeia velha.

 Deixando de lado a sua obra romanesca e teatral, respeitável, D?Annunzio deixou-nos as seguintes obras poéticas: Primo vere, Canto nuovo, Intermezzo, Elegie romane, L?Isottéo, La chimera, Laudi del cielo, del mare, della terra e degli eroi, Sogno d?un mattino di primavera e Sogno d?um tramonto d?auttunno.

Para que o leitor amante de poesia tenha uma idéia, ainda que pálida e certamente insuficiente, da musicalidade típica dos dois poetas por tantos títulos irmãos, transcrevo em seguida fragmentos de um poema de cada um deles. Extraio do poema d?annunziano Notturno os seguintes versos:

Su le cime degli alberi lontani

 pende la luna tonda

 ed empie li occhi

 . di bagliori strani

 a voi, Marchesa bionda.

 La vostra anima

 lenta s?abbandona

 a le plaghe infinite…

 Forse giunge a voi

 sola una canzona

 misteriosa: Udite

 una maga là giù,

 là giù ne l?ime

 sedi cantar d?amore?

 A me una dolce musica di rime

 ondeggia in fondo a?l cuore.

 De Eugénio, reproduzo um trecho do poema ?Um sonho?:

 

 Na messe, que enlourece,

 estremece a quermesse…

 O sol, celestial girassol,

 empalidece.

 E as cantilenas

 de serenos sons amenos

 fogem, fluidas, fluindo

 à fina flor dos fenos…

 As estrelas em seus halos

 brilham com brilhos sinistros…

 Cornamusas e crotalos,

 cítolas, cítaras, sistros,

 soam suaves, sonolentos,

 em lentos lamentos

 de acentos graves, suaves…

 (…)

 Soam, vesperais, as vésperas.

 Uns com brilhos de alabastros,

 outros louros como nêsperas,

 no céu negro ardem os astros…

É pouco? Mas talvez seja suficiente para dar uma amostra da poesia de dois poetas que, embora não inteiramente esquecidos, não são talvez lembrados com a intensidade e a freqüência que a sua ?poiesis? singular merece e exige. E sinto-me feliz pelo fato de tê-los evocado, ainda que simplesmente, brevemente, fugitivamente… E, talvez, de modo rasteiro e inexpressivo. ?Mea culpa.?

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