Escritor censurado se acorrenta a hospital

Pesadas correntes, algemas e esparadrapo foram os objetos utilizados pelo escritor paranaense Austregésilo Carrano Bueno, autor do polêmico Canto dos Malditos, para demonstrar ontem sua revolta com a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná. O protesto durou cerca de duas horas e teve como cenário a fachada do Hospital Psiquiátrico Bom Retiro, onde Carrano ficou internado para tratamento, quando tinha apenas 17 anos.

“Atrás desses muros existe uma prisão dupla: física e química”, desabafou o escritor, apontando para a fachada do hospital e lembrando a época em que tomava dezenas de barbitúricos. O protesto foi contra a decisão do desembargador do TJ, Vidal Coelho, que confirmou na última terça-feira a apreensão de todos os exemplares da atual edição do livro. A mesma decisão já havia sido tomada pelo TJ no dia 30 de abril último, mas a Editora Rocco recorreu da decisão. A medida vale até que o juízo de primeiro grau analise o mérito da questão. “Agora só o STF (Supremo Tribunal Federal) e a opinião pública podem mudar essa decisão”, comentou Carrano.

Sete Cabeças

O ator Rodrigo Santoro, que reviveu Carrano nas telas do cinema, em Bicho de Sete Cabeças ? filme inspirado no livro e dirigido por Laís Bodansky, que conquistou 44 prêmios entre nacionais e internacionais ?, condenou a decisão do TJ, quando veio a Curitiba, em abril. “Quando o Carrano escreveu o livro (em 1990), ele não tinha a intenção de denegrir a imagem de ninguém, queria apenas fazer o relato da vida dele”, opinou Santoro. “Essas informações não devem ser barradas, porque tratam da realidade. É um assunto que as pessoas têm idéia, mas não sabem o que é. Depois de fazer o filme, passei a ter um olhar muito mais humano em relação aos internos dos manicômios.”

Histórico

Austregésilo Carrano Bueno tinha 17 anos quando foi flagrado pelo pai com um cigarro de maconha, em 1974. Foi internado no Hospital Psiquiátrico Bom Retiro e de lá encaminhado a outros centros psiquiátricos. Foram três anos, segundo Carrano, à base de eletrochoques (21 no total), que teriam lhe causado problemas como queda de dentes, perda parcial da visão e fissão craniana. Pesquisou o assunto durante nove anos e escreveu o livro Canto dos Malditos, relatando o que havia passado. Em 1998, moveu ação indenizatória por erro médico psiquiátrico, mas foi condenado, um ano depois, a pagar multa de R$ 60 mil à família do médico Alô Ticoulat Guimarães ? já falecido, responsável pelo tratamento de Carrano no Hospital Psiquiátrico Bom Retiro. Foi também iniciativa da família do médico pedir a apreensão dos livros, por entender que a obra denigre a imagem de Alô Ticoulat.

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