Eric Clapton faz maior homenagem a JJ Cale

Sua voz era um fio prestes a romper e seus solos flutuavam como a brisa. Até sofrer um infarto, há um ano, JJ Cale resistia bravamente às tentações do próprio meio para seguir adiante sendo o que gostava de ser, um legítimo anti-herói da guitarra. Ele pagou um alto preço por isso, tornando-se um outsider quase que totalmente ignorado por um mundo que aprendeu a idolatrar velocistas bem produzidos. Mas colheu ao menos um fruto que garantiria sua imortalidade: além de amigo, Eric Clapton era seu maior fã.

Cale, um homem fabricado por algum material genético à prova de egolatrias, criou um estilo sem querer, batizado de tulsa sound, uma referência à sua cidade natal. Seu jeito de tocar sairia para sempre das Fender Stratocasters de Clapton, com solos de poucas notas, limpos, muitas vezes sobrepostos com duas guitarras, sem pressa ou euforia, sem deslumbramentos com a própria capacidade de se tornar maior. Algo pulsante entre o jazz, o country e o blues, mas que assume ao mesmo tempo a função de segurar o groove, de manter o suingue. Clapton o gravou por apenas duas vezes, em Cocaine e After Midnight, mas o copiou por muitas para criar os climas de Lay Down Sally, Mean Old Frisco, Tulsa Time e Further on Up the Road. A mão esquerda no braço da guitarra era outra incógnita. Cale se tornou um dos únicos, senão o único, guitarrista a fazer bends, a esticada da corda onde moram as lágrimas de um solo, com o dedo mindinho.

Clapton não parece um homem de choro fácil, mas a partida de Cale o desmontou. Quando fala do amigo, com quem tocou em 2004 em seu festival Crossroads, no Texas, e gravou um disco em 2006, Road to Escondido, sua voz estremece. “Ele era um cara fantástico e um grande músico”, diz no clipe que gravou para divulgar Call me the Breeze, a primeira canção do disco com o qual começa a pagar uma dívida. The Breeze – An Appreciation of JJ Cale, nome do álbum, tem a dimensão do tributo que Clapton fez a George Harrison em 2003, guardadas as devidas extensões territoriais.

O blues Call me the Breeze, gravado nos anos 70 com a fúria sulista do Lynyrd Skynyrd, volta à fazenda de onde saiu, com duas ou três guitarras solando sutilmente e ao mesmo tempo, sem belicismos. Ao pensar em gente que poderia estar consigo, Clapton foi coerente, evitando artistas extrovertidos. Tom Petty é um exemplo. Divide com Clapton o vocal de Rock and Roll Records e I Got the Same Old Blues, além de cantar sozinho The Old Man and Me. Willie Nelson, a porção country em Cale, aparece na bela Songbird e em Starbound.

Mark Knopfler canta Someday e, com Clapton e Don White, divide Train to Nowhere. E John Mayer, louco pelas guitarras tulsa, faz com Clapton Lies, Don’t Wait e uma pérola pop chamada Magnolia.

O erro foi Clapton querer pensar demais como JJ Cale e deixar de fora canções supostamente mais desgastadas que o amigo provavelmente faria questão de incluir. É compreensível que Clapton esteja farto de Cocaine, como os Rolling Stones devem querer ver o diabo mas não ver Satisfaction pela frente. Mas a importância de Cocaine e After Midnight é inquestionável em sua obra. Neil Young também poderia estar na brincadeira, se levassem em consideração o que ele mesmo disse de JJ Cale: “De todos os guitarristas que eu já ouvi, Hendrix e JJ Cale são os melhores.” E mais: “JJ é uma grande influência. Sua pegada é sem comentários. Eu fico chocado.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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